sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 5

No ano de 1919 as notícias são escassas. “Foram sempre, no nosso concelho, os melhores festejos para a mocidade alegre os do S. João da visinha e pitoresca freguezia de Tavarede.
O Santo da terra do limonete é talvez, o que dá melhores dias de folia e que mais "milagres" tem feito à gente casamenteira. Por isso é bastante querido e as suas festas são bastante concorridas.
Da cidade, ranchos familiares vão com merendas até àquela bonita aldeia, onde sob frescas sombras passam horas de alegria e conforto. Pelas estradas que se estendem como fitas brancas até Tavarede, passam ranchos cantando, floridos de limonete e de dálias...
No pequeno largo da ermida e pelas ruas da povoação raparigas trigueiras pelo sol de julho vendem aos forasteiros braçadas de flores. E no altar, todo cheio de luzes, de damascos e de flores garridas, S. João é festejado com crença e fé pela gente moça que regressou da guerra e por aquela que foi atendida nas suas promessas...
Tudo é alegre! - Tudo ri e tudo canta!
Garbosos rapazes, montando cavalos enfeitados, percorrem as ruas da terra, da Figueira e de Buarcos com as bandeiras de S. João, acompanhando-os as raparigas caprichosamente vestidas, a musica e o gaiteiro!
A tradição do S. João de Tavarede aponta-nos, pois, dias de franca alegria!...
Este ano realizam-se os seus festejos nos próximos sábado, domingo e segunda-feira, cujo programa é o seguinte:
Dia 26 - De manhã, chegada do tradicional "Zé Pereira" e à noite concerto pela excelente filarmónica "Figueirense", iluminações, fogo de artifício, ranchos populares, concerto pela apreciada tuna do Grupo Musical Tavaredense, etc, etc.
Dia 27 - Às 10 horas, imponente ceremonia religiosa na egreja paroquial, assistindo uma orquestra da Figueira; às 15 horas, entrega das bandeiras pelo reverendo pároco de Tavarede aos promotores dos festejos, que, em cavalhadas, percorrerão as ruas da localidade, Figueira e Buarcos, às 20 horas, concerto pela "Figueirense", corridas de cavalos, danças e descantes populares.
Dia 28 - Alvorada pelo "Zé Pereira" e à tarde corridas de gericos, de sacos, de potes e pau "cognac".
A politiquice começou a interferir com as festas, especialmente com a parte religiosa. “Os fervorosos católicos que tiveram a infeliz ideia da procissão do S. João trabalham afanosamente para levarem por diante o seu intento. Até se chegou já a afirmar que a procissão se faria – desse por onde desse.
         Nós continuamos a supôr o contrário, não só porque a autoridade não dará, certamente, a necessária licença, visto que êsse acto religioso assume o carácter duma especulação política que aqui tem causado indignação, mas ainda porque as pessoas que de boa fé acompanham os promotores da função acabarão por reconhecer os inconvenientes dum número que se não justifica e que nem os verdadeiros católicos, nem mesmo os velhos organizadores dos pomposos festejos de outros tempos, vêem com bons olhos.
         Pois se se não trata duma questão religiosa mas sim dum acto com que se pretende atingir determinado fim político!...
         No dizer dêsses velhos, as festas de S. João tinham sempre uma parte religiosa, mas nunca nela figurava uma procissão. Havia, sim, as novenas, que sempre se realizavam, e que êles justificadamente estranham se não realizem agora. E se bem que quanto a nós o caso seja indiferente, pois não assistimos às novenas, êle merece registo, porque vem confirmar o que aqui dissémos quanto aos intuitos dos promotores da procissão.
         Onde está, então, o fervor religioso desta gente, levado até ao excesso com a introdução dêste novo número na parte religiosa e pôsto de parte na realização das novenas, que a tradição justifica? Não faz sentido.
         Ouvimos que as novenas se não efectuam porque o sr. Padre Vicente não tem vagar para isso, “porque as terras lhe dão muito trabalho”. Nós não o censuramos por isso, outro tanto não fazendo várias pessoas que não dispensam a prática de certos actos religiosos, mas achamos que há razão para que os que não conhecem a hipocrisia de certos sujeitos estranhem que se não façam novenas e se queira uma procissão.
         Nós não estranhamos, porque conhecemos o jôgo. Se até sabemos que os anjos que deviam figurar na procissão que se não realizou na Figueira, figurarão na que se procura realizar em Tavarede!...
         Veremos e diremos”.
Mas, na verdade, as festas ainda foram bastante animadas. “"O S. João a todo o tempo tem vez!" - diz na sua o povo. Vai, em Tavarede, ainda domingo se festejou com luzida festança o bom do casamenteiro. Estiveram ruas enfeitadas. Zabumbou noite e dia um riquíssimo gaiteiro. Fêz-se festa de igreja com repicares de sinos e missa trauteada por uns casais de senhores priores. Subiram foguetes ao fino ar, que o bom sol empoalhava de oiro. Toda a noite um vistoso fogo de artificio riscou o espaço em fantamasgorias de lumes. Moças bailaram c'os cachopos, - "... E agora viras tu! E agora viro eu..." Tremoceiras, mulheres das freirinhas de milho, tascos em que o palhete correu em barda, não tiveram mãos a medir.
E até cá ao burgo chegou o rijo festejar da linda aldeia aqui à ilharga, com a esperada passagem dum pomposo cortejo a que soiam chamar cavalhadas, e que com muito mais propriedade se devia denominar - burricadas...
Iam mais gericos, que os que aí andam à solta, zurrando à nossa volta, - "que o fado é a canção nacional..." - com lágrima lamecha ao canto da pupila revirada.. Eram tantos, tantos burros, que faziam sombra e inveja aos que afirmam e batem fé, por barbeiros e poisos de má-lingua, - que os pobres rabiscadores destas prosas lassas, só para irritar, por folice, por snobismo condenam e abominam o trilo ignóbil que os contenta e maravilha.
E cá andou tudo aquilo em torno das praças, pelas ruas costumadas - zus-que-truz! Zus-que-truz! - num chouto apressado e sacudido, as alimárias tagatadas com furia levando em riba, içadas em ceirões, espalhadas por colchas vermelhas, cada rapariga de deslumbrar! - moças tão lindas de tão apetecida brancura e beleza tão grande, que o António Piedade, artista como os que o são, ainda há bocado, ali à porta do Adelino, de mão no peito e olhos no céu, ia rezando com entusiasmo a sua admiração apaixonada pelo encantador grupo de raparigas, que seus olhos miravam com adoração e ternura, nas brilhantes cavalhadas das terras do limonete...”.

O Associativismo na Terra do Limonete - 61

Não se representa melhor do que eles representaram, principalmente João Cascão, que do primeiro ao último acto, tem um trabalho de maior relevo e de pura sensibilidade artística, pois ele não resiste em chorar – mas em a chorar a sério – o que sente e faz transmitir a todos os espectadores.
         O mesmo acontece a Violinda Medina, que com um papel de grande intensidade dramática, diz-nos muito, quási sem falar. O seu jogo fisionómico e cénico é belo e tem arte.
         Não podemos deixar de destacar também Maria Tereza de Oliveira, a Mamette, que muito bem representou o seu papel assim como António Jorge da Silva, o Parjolier, Otília Medina, etc.
         Os restantes personagens, todos no seu lugar e à altura dos seus papéis.
         Os cenários, de Rogério Reynaud, são bonitos e de elevado cunho artístico.
         A encenação e ensaios de José Ribeiro confirmam em absoluto o conceito por nós formado na peça “Horizonte”.
* * *
         Devido à iniciativa de António Medina Júnior, nosso muito querido director e desinteressado propagandista da nossa terra, que já muito lhe deve, veio há dias a Sintra o brilhante grupo dramático de Tavarede merecidamente considerado o melhor elenco artístico de amadores do País.
         Foi uma iniciativa feliz e arriscada, mas que muito contribuiu para a propaganda turística do concelho, pois foi esse – estamos certos – a principal objectividade de Medina Júnior, embora tenha sido nado e criado em Tavarede, risonha aldeia do concelho da Figueira da Foz, onde existe como um dom do povo, excepcional predilecção pela cultura das letras, do teatro e da música.
         Sim, de facto foi uma iniciativa feliz e de grande alcance turístico e artístico, o que não pode passar sem que “Jornal de Sintra” o registe.
         O grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense actuou no elegante e confortável teatro da Banda de Colares, perante uma das mais selectas assistências, deixando os artistas as melhores impressões sobre o seu insofismável valor.
         Antes de se iniciar o espectáculo do dia 29, o nosso director subiu ao palco e fez um improviso feliz e cheio de verdades de apresentação dos seus conterrâneos, pelo que o público lhe tributou uma calorosa salva de palmas, que bem sintetizavam o apreço com que eram tidas as suas palavras e a sua iniciativa.
         Em nome do grupo de Tavarede falou o sr. José Ribeiro, seu ilustre director, a quem já nos ligam laços de amizade e princípios ideológicos, que começou por agradecer o carinho com que todo o grupo fora recebido pelos habitantes da mais linda terra de Portugal.
         Historiou, depois, duma maneira profunda, segura e eloquente, a vida do teatro, desde o passado ao presente, pondo em significante relevo a sua influência na preparação moral e intelectual dos povos.
         José Ribeiro, cujo discurso improvisado redundou numa autêntica e brilhante conferência, em que revelou a sua superior cultura e requintados dotes de oratória, foi no final delirante e prolongadamente ovacionado pela assistência.
         Terminado o primeiro espectáculo, a direcção da Banda de Colares, por intermédio de Carlos da Luz, ofereceu uma interessante e valiosa placa artística, que marcará a passagem do grupo dramático de Tavarede por Colares e Sintra.
         Essa linda oferta, em pau santo contendo o brazão da vila de Colares e uma grande folha de parra em prata, com sincera dedicatória, consubstanciava a simpatia, a amisade e a gratidão, para sempre, da Banda de Colares pela Sociedade de Instrução Tavaredense.
         No segundo espectáculo, que registou uma concorrência sem precedentes em quantidade e qualidade, Eduardo Fructuoso Gaio, sintrense por nascimento e sentimento, no final de A Nossa Casa foi ao palco e em seu nome e de todo o povo de Colares, agradeceu ao grupo de Tavarede a grande demonstração de pura arte de representar que a todos foi dado ver e apreciar, garantindo que estava na presença, não de amadores, mas sim de artistas da mais elevada categoria.
         Pelo povo da região de Colares, Eduardo Gaio abraçou efusivamente José Ribeiro.
         Falaram, ainda, os srs. Carlos da Luz e Miguel de Castro Reis, que, com Joaquim Borges, representavam a direcção da Banda de Colares.
         Por último, falou José Ribeiro, que em seu nome e no de todo o elenco tavaredense, agradeceu as boas palavras com que os distinguiram.
         O Grupo Jazz “A Rosa”, de Colares, abrilhantou o espectáculo, findo o qual se realizou um animado baile de confraternização.

         Igualmente temos de referir que, em diversas ocasiões, o director cénico, Mestre José Ribeiro, fez algumas conferências, nas quais, como que conversando, contava as origens e a evolução do teatro. Para inauguração da época 1945-1946, realizou-se no pretérito sábado, 27 de Outubro, a segunda palestra sobre Origens e Evolução do Teatro.
         Os amadores de Tavarede sentem-se orgulhosos por terem um ensaiador que conhece profundamente de teatro. Técnico distinto, ensaia duma forma admirável; conhecendo os segredos da Arte, ele consegue que os seus colaboradores façam milagres.
         Para conseguir o seu fim educativo não se limita só aos ensaios, quere que os amadores tenham um mínimo de cultura. E então resolveu ensinar, através das suas palestras, um pouco do muito que ele conhece sobre a arte de Talma.
         A segunda sessão não foi inferior à primeira. Apesar de não ter sido acompanhada de projecções – por não se conseguir lanterna para projectar gravuras – ela não deixou de ser brilhante. José Ribeiro consegue dar-nos através do seu grande poder descritivo imagens cheias de vida.
         Formidável diseur, leu-nos o célebre Monólogo do Vaqueiro, uma passagem de A Castro e os finais do 2º. e 3º. actos de Frei Luiz de Sousa, que impressionaram a assistência pela maneira como foram ditos.
         Damos a seguir o sumário da palestra: Teatro Português – Do “Monólogo do Vaqueiro” aos nossos dias – Autos, farsas e tragicomédias de Gil Vicente – A Censura na obra vicentina – A tragédia clássica em Portugal – Os anátemas da Igreja – A tragicomédia dos Jesuítas – O Judeu – Almeida Garrett e o renascimento do Teatro – Os dramaturgos do século findo – Os contemporâneos – Teatro de hoje.
         Que a sua modéstia nos perdoe estas ligeiras e despretenciosas considerações.
         Falta a terceira e última palestra da série. Oportunamente se dirá alguma coisa.

         A Sociedade, embora com muito menos frequência que o Grupo, também realizava festas dançantes, como, por exemplo, uma a que deu o nome de ‘Trajos Portugueses’. Duas noites de enchente e de constante alegria, as de sábado e domingo passado, na Sociedade de Instrução Tavaredense que, com dois bailes de “Trajos Portugueses” iniciou as festas que oferece aos seus sócios e famílias, para inauguração da época de 1946-47.
         Toda a casa estava decorada com motivos portugueses, dando aspecto de arraial festivo.
         Duas orquestras animaram as festas das duas noites da SIT – “Os Tivolis” e “Os Pardais”, e a numerosa assistência, muitos rapazes e muitas raparigas novas, sangue novo, a escaldar, também animaram os componentes das duas orquestras, para que tocassem até lhes faltar o fôlego. Assim aconteceu! Dançou-se alegremente até altas horas, nas duas noites de Tavarede!
         A garridice dos “Trajos Portugueses”, o que dava título à festa, apresentou-se bem, em quantidade e em qualidade, quer por parte dos rapazes como por parte das raparigas. Vistosos trajos vestiam as mais lindas cachopas da alegre terra do limonete e das cercanias. O juri viu-se em palpos de aranha, quando quis classificar os “três trajos mais expressivos que se apresentaram na festa”, pois o salão regorgitava de pares dansantes, vestindo trajos ou de fantasia ou característicos de regiões portuguesas. Finalmente, visto que os prémios eram apenas três, foram classificadas as seguintes: 1º. “Saloia”, Celeste Dias; 2º. “Padeirinha de Bolos”, Albertina de Almeida; 3º. “Tricana de Coimbra”, Maria da Piedade Lontro.
         O Concurso de quadras, em que era obrigatória a referência a trajos portugueses, também constituiu um triunfo. A lírica, em Tavarede tem muitos cultores, tanto no elemento feminino como no outro! Eram muitas as quadras que, sócios da SIT ou pessoas de família, apresentaram ao Concurso. Pois adivinhavam-se muitos versos de autor feminino. Foram lidas muitas das quadras mas só poderiam ser três as premiadas! Alcançaram os louros da vitória 1º. “António da Figueira”, pseudónimo de António Martins de Sousa Gomes; 2º. “ Maria do Limonete”, Albertina Ferreira de Almeida; 3º. “Olhos Gaiatos”, Maria Luísa Medina e Silva.

         “Carroussel” musical e outras surpresas, todas bastante agradáveis, entretiveram a gente mais nova e a menos nova, nas duas noites de festa.

Operetas em Tavarede - 2

  


‘Em busca da Lúcia-Lima’ – 2º. acto

         O primeiro espectáculo musicado, apresentado pelo grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, teve lugar no dia 5 de Fevereiro de 1905. Intitulava-se “O casamento da Grã-Duquesa” e fazia parte do programa comemorativo do primeiro aniversário da fundação.

         Recorde-se, no entanto, que os espectáculos musicados já eram representados, em Tavarede, antes da Sociedade de Instrução Tavaredense e, até, antes de, nesta mesma casa, ter sido fundado o Grupo de Instrução Tavaredense, antecessor da nossa colectividade. Citamos, por exemplo, “O Rei Ló-Ló”, uma opereta aqui representada e que havia sido ensaiada por João José da Costa, fundador da anterior sala de espectáculos nesta casa que era sua propriedade.

         Mas, para nós, só iremos recordar peças levadas à cena pela SIT, referindo, desde já, que estes serões evocativos serão especialmente para lembrar aquelas operetas ou fantasias que, escritas e musicadas propositadamente, se destinaram ao povo da nossa terra, dando especial relevo àquelas que falavam de Tavarede, da sua história, dos seus usos e costumes, bem como alguns tipos e figuras características.

         Como dissemos, a primeira peça musicada foi “O casamento da Grã-Duquesa”. Julgamos que seria um original de António Pereira Correia, o mesmo autor da farsa “O casamento da Vasca”, também aqui representada anos mais tarde.

 


         A música, que um apontamento crítico refere como “lindíssima e muito adequada”, havia sido composta pelo tavaredense João Nunes da Silva Prôa. Este nosso conterrâneo, que já havia assumido a direcção musical da anterior associação, foi o primeiro regente da orquestra da SIT, sendo, igualmente, professor de música na aula aqui criada, paralelamente à escola nocturna. Nesta nossa viagem ao passado é de justiça recordá-lo

         E como não conseguimos encontrar a partitura daquela opereta, prestamos singela homenagem à memória de João Prôa, escutando um pouco da sua música. Iniciámos esta conversa ouvindo, em fundo, uma melodia que, estamos certos, ainda é conhecida por alguns dos presentes, embora desconheçam o seu autor. Chama-se “Cantigas ao Vento”. Aquele nosso conterrâneo escreveu esta música para o Rancho das Rosas, da Figueira. Fez parte do seu reportório até ao final da sua existência, bem como outras da sua autoria. Recordemos, somente e por breves momentos, uma outra, também muito conhecida: “Rosas de Carne”.                 (Toca-se um pouco da gravação desta cantiga, após o que continuará a servir de fundo musical durante um pouco mais)

         Esta última canção tem uma outra particularidade interessante para nós, tavaredenses. O poema é da autoria de João Gaspar de Lemos Amorim, um figueirense que se radicou na nossa aldeia, após o seu regresso de África, e que viveu, até à sua morte, na Quinta da Mentana, ali junto à Igreja, hoje urbanização do Vale do Pereiro, aonde havia mandado construir a vivenda que todos nós conhecemos. Como adiante veremos, Gaspar de Lemos teve um importante papel na actividade do nosso grupo cénico, como autor e como poeta de fina sensibilidade.

 


                                                    João Gaspar de Lemos Amorim

         Quando, anos depois, João Prôa abandonou a direcção musical da Sociedade de Instrução Tavaredense, tomou o seu lugar um outro conterrâneo nosso, Gentil da Silva Ribeiro, pai daquele que foi a maior figura da nossa colectividade, José da Silva Ribeiro. Também Gentil Ribeiro foi um músico de elevada craveira e bastante inspiração. (durante a narração, vão-se apontando algumas das fotografias expostas no salão)

         Nos anos de 1912 e 1913, foram levadas à cena, pelo nosso grupo dramático, as primeiras revistas escritas e musicadas propositadamente para a nossa colectividade. Foram elas “Na Terra do Limonete” e “Dona Várzea”. Eram pequenas peças, de assunto simples e acessível ao nosso povo, nas quais o seu autor, João dos Santos, procurou demonstrar as vantagens da instrução e educação que se adquiriam na escola e na colectividade, em detrimento dos perigos terríveis que os trabalhadores enfrentavam nas tabernas, onde abundavam os nefastos malifícios do alcool e do jogo.

         De Gentil Ribeiro, e igualmente honrando a sua memória, recordaremos, unicamente, que é da sua autoria o nosso hino. Será, pois, para sempre recordado ao serem escutadas as notas do bonito hino que compôs.    (ouvir um pouco da gravação do hino)

 

         Várias foram as operetas que, ano após ano, aqui se apresentaram e aqui alcançaram êxitos retumbantes. O povo gostava. Estes espectáculos tinham animação e alegria; tinham colorido, mostravam costumes e tipos das nossas aldeias, e tinham muita música que, facilmente, ficava no ouvido. Podemos citar, como exemplo, “Os Amores de Mariana”, “Entre duas Avé-Marias”, “Noite de S. João”, etc.


         Mas as nossas evocações, como referimos, serão aquelas que nos falam da nossa terra. Avancemos, pois, na história.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Operetas em Tavarede - 1




Estes ‘Serões’ foram escritos por ocasião das comemorações do centenário da Sociedade de Instrução Tavaredense. Tinham uma finalidade: recordar o percurso do teatro nusicado feito na nossa terra pelo grupo dramático desta colectividade.

         Na verdade, quem se recordava daquelas operetas representadas há tantos anos e que, segundo comentários e críticas publicados em jornais figueirenses, e não só, eram espectáculos verdadeiramente maravilhosos, que encantavam o povo que, após o seu laborioso trabalho, procurava assistir a estas representações de que tanto gostavam?

         O teatro musicado tinha uma tradição na nossa terra. Tanto assim que, além das mais diversas operetas escritas, musicadas e representadas em imensos palcos por esse país fora, muitas houve que foram escritas e musicadas propositadamente para o nosso grupo cénico, a maior parte delas, senão mesmo todas, com a acção a decorrer na terra do limonete, e com as quais davam a conhecer aos seus conterrâneos, os usos e os costumes, as tradições de Tavarede.

         Mais tarde, tivémos a imensa fortuna de aprender a história da nossa terra, primorosamente contada nas operetas-fantasias escritas pelo saudoso tavaredense e mestre de teatro José da Silva Ribeiro, com lindíssimas músicas dos nossos inspirados compositores musicais, que se chamaram António Maria de Oliveira Simões e Anselmo Cardoso Júnior.

         Naturalmemte que procurámos ir um pouco mais longe, recordando outros autores e compositores tavaredenses, como João dos Santos, nos textos, e João Nunes da Silva Proa e Gentil da Silva Ribeiro, nas músicas.        Mas os nossos arquivos, especialmente os musicais, não nos guardaram tudo quanto queríamos e, desta forma, ficaram limitadas um pouco as nossas possibilidades de recordar tudo quanto pretendíamos.

         Conheciamos algumas cantigas mais antigas que haviam sido recordadas nas peças de Mestre José Ribeiro. Eram poucas. Recordou-nos que, na década de 1940-1950, se cantava constantemente em Tavarede. Era no rio, enquanto lavavam as roupas. Era nas terras, erguendo as enxadas e tratando das sementeiras e colheitas, cantando ao mesmo tempo, como se assim o trabalho se tornasse menos duro. Era nas casas e quintais enquanto tratavam da vida caseira, cozinhando ou limpando a casa e, nalguns casos, que bem nos lembram, enquanto costuravam com as velhas máquinas, acionadas pelo pedal.

         Era a nossa pretensa colaboração nas festas do centenário de tão prestimosa colectividade. E pensámos fazer em quatro serões, os quais teriam a seguinte ordem:

1º. – de 1925 a 1927 – ‘LIMONETE OU LÚCIA LIMA?’ – O teatro de João José (João Gaspar de Lemos Amorim e José da Silva Ribeiro).

2º. – de 1928 a 1929 – ‘O CAVADOR, A CIGARRA E A FORMIGA’ – O teatro de Ele e Eu (José da Silva Ribeiro e Alberto Correia de Lacerda).

3º. – de 1931 a 1935 – ‘DO POVO E PARA O POVO’ – o teatro de Júlio Diniz.

4º. – de 1950 a 1983 – ‘UMA CHÁVENA DE CHÁ… DE LIMONETE’ – O teatro de Mestre José Ribeiro.

         Tínhamos previsto a realização destes serões no salão nobre da colectividade. A nossa convicção era de que a principal utilidade dos mesmos era voltar a reunir todos os antigos amadores ainda vivos e convivermos com eles, procurando recordar não só as antigas operetas mas, especialmente, as muitas cantigas que as recheavam e que a crítica tanto elogiara.

         Na verdade, todos conhecemos e lembramos as peças aqui representadas e escritas por Mestre José Ribeiro, como, por exemplo, ‘O Sonho do Cavador’. Mas o que seria desconhecido da maioria, era que a versão agora apresentada, embora respeitando o tema de fundo da mesma, havia sofrido grandes alterações feitas à versão original. Por outro lado, alguém se recordaria daquelas outras operetas, de que ainda às vezes se falava, como ‘Em busca da Lúcia-Lima’, o ‘Grão-Ducado de Tavarede’, ou, até, ‘A Cigarra e a Formiga’?

         Pareceu-nos que seria uma óptima oportunidade para recordar aquele teatro tão antigo. Foram peças que alcançaram enormes êxitos, com críticas tão favoráveis e, com toda a certeza, pelo menos os actuais amadores gostariam de as conhecer. Metemos mão à obra e o resultado foram os quatro serões acima referidos.

         Claro que tudo isto só foi possível graças à disponibilidade do nosso amigo e conterrâneo, o maestro João da Silva Cascão, que prontamente aceitou o desafio que lhe fizemos. E começou, de imediato, a gravação das músicas que havíamos escolhido para o primeiro serão.

         A nossa intenção, e foi isso que se fez quanto ao primeiro serão, era juntar as pessoas, as intervenções serem feitas lendo o escrito, e cantando as cantigas, com as gravações passadas numa aparelhagem sonora. Também é de referir que os serões foram projectados para serem pouco maçadores. Cerca de hora e meia, contando um pequeno intervalo. Certamente todos ficariamos a ganhar alguma coisa. Saber o que os nossos antepassados aqui representaram, nas velhinhas tábuas do ‘velhinho’ palco já desaparecido, ao mesmo tempo que seria uma bela oportunidade de prestarmos a nossa homenagem à memória de todos aqueles que, tão dedicadamente, serviram a Sociedade de Instrução Tavaredense e o teatro da nossa terra natal.

         Mas, como se recordarão, o programa das comemorações do centenário, apesar de decorrer ao longo de um ano, foi muito sobrecarregado e os serões foram sendo adiados. Somente no dia de S. Martinho, o padroeiro da nossa terra, foi resolvido fazer um ‘magusto’ oferecido aos sócios, aproveitando para dar início às nossas intenções.

         Mudámos o local. Foi no nosso pavilhão desportivo. E, como se verificará por algumas fotos, tudo correu bem e todos gostaram. Mas, e ainda bem, foi espectáculo único. As canções, muitas delas desconhecidas de todos, eram tão bonitas que nos levou a mudar o nosso objectivo inicial. Porque não criar um grupo coral para recordar estas e outras cantigas do nosso teatro?

         A ideia agradou, houve alguns incentivos e poucos apoios, mas a intenção vingou e foi para frente. Não apresentámos mais nenhum dos programados serões, mas, a anteceder a sessão solene comemorativa do aniversário de 2006, o grupo coral fez a sua primeira apresentação ao público, tendo, a partir de então, continuado uma actividade muito importante, sob a direcção do maestro João Cascão.

         Restará dizer, no entanto, que a nossa intenção quanto aos serões, foi positiva. Aqcabou por gerar um agrupamento coral que é orgulho de Tavarede. E para não se perder o trabalho realizado, resolvemos fazer este caderno. Alguém que o leia, mais tarde, ficará a conhecer algo sobre o teatro musicado apresentado na terra do limonete.





  Aspecto do sertão ‘Limonete ou Lúcia-Lima?’


Usos e Costumes da Terra do Limonete - 4

No dia seguinte formou-se a cavalhada da bandeira, que visitou esta cidade e Buarcos, vindo n’ella encorporados muitos rapazes da Figueira, alguns dos quaes, em carros e a cavallo, apresentaram engraçadas exhibições. Cavalhada vistosa, na verdade, e que certamente agradou aos figueirenses, a julgar se pelos commentarios. De tarde, o competente arraial, fogo, danças, musica, numerosissimas petisqueiras por quintalejos e quintarolas, á sombra amiga das arvores, muito pó, muito sol e vinho em excesso e mal distribuido. A ordem publica, diga-se a verdade, foi por vezes alterada, e sete devotos de Bacho dormiram a noite de domingo na sombria masmorra, situada perto da rua Fresca, n’esta cidade. Mas não foi cousa de maior; apenas troca de varios tabefes e resistencia por parte d’alguns a quem o alcool excitou”.
         Como curiosidade, recordamos que nesse ano Tavarede teve duas festas, uma com a bandeira grande e, na semana seguinte, outra com a pequena.
         E foi com maior ou menor regularidade que o costume se manteve, algumas vezes sem as cavalhadas e limitadas à aldeia. Foi o que aconteceu no primeiro ano do século vinte. “A noite de sabbado e a tarde de domingo últimos, foram de verdadeira folia para os rapazes e raparigas, que durante longas horas se fartaram de dar á perna no Largo do Paço. Isto de fixar horas em divertimentos d’aquella natureza, é sempre querer ser-se mais papista que o papa. Falamos assim porque, dizendo nós que a dança começaria ás 10 horas da noite, ella só principiou a funccionar perto da meia-noite, hora a que abrandou mais a furiosa nortada que tinha soprado até ali, e que impedira que se fizesse a illuminação á hora annunciada. Dansou-se até perto das 4 horas da manhã, quando o dia rompia com os seus primeiros clarões auroriaes.
Na tarde de domingo vieram aqui algumas pessoas d’essa cidade, que, gosando não só o agradável passeio, manducaram bellas merendas e famosos petiscos, viram (aquellas que chegaram pelas 5 horas) as corridas de prémios, e, além d’isto, tiveram occasião de admirar depois, ás 6, o rancho de bonitas raparigas e sympathicos rapazes que até ás 9 horas da noite deu folgas á mocidade. E sabe Deus quantas palavrinhas doces sahiram de muitos lábios apaixonados que la havia, quanto prazer não sentiriam tantos pares que se estreitavam com ternura n’aquella massa de seres cheios de amor e de vida!...
É que n’aquella edade e n’aquelles momentos nada se sente. Todas as almas trasbordam de felicidade e toda a existência sorri repleta das venturosas esperanças! E assim é que para os corpos moços d’hoje, a dansa é a única distracção que os satisfaz para gosar e que lhes deixa sempre mais ou menos recordações saudosas. Por isso, com os louvores que rapazes e raparigas teceram aos promotores d’aquella festa, vão também misturados os nossos, porque, com a sua realisação, quebraram por algumas horas a monotonia que aqui se nota continuamente”.
A nossa terra chegou a ter concorrência na realização dos festejos. O vizinho Casal da Robala, durante alguns anos, também festejou S. João. No entanto, e segundo notícias colhidas, havia o costume de haver, igualmente, um arraial... de pancadoria! Em Tavarede, sempre os festejos se iam realizando, algumas das vezes com menos animação e... menos dinheiro para os gastos.
Regressando às festas sanjoaninas em Tavarede, recordo as notas recolhidas em 1917, pelas quais se verifica que o antigo brilho havia voltado. “Como estava annunciado, foi effectivamente nos preteritos dias 7 e 8 que aqui se dançou animadamente, ao som d’uma bem afinada orchestra, composta por rapazes do Grupo Musical e da Sociedade d’Instrucção.
         A commissão que promoveu estes festejos está empenhada para que os do dia 29 sejam revestidos do melhor exito, pois que, segundo nos informam, não só se dançará de 28 para 29, como tambem n’este dia se realisará, na egreja d’esta localidade, a communhão das creanças, que são em numero approximado a 40.
         Não quer a mocidade folgazã de Tavarede pôr no rol do esquecimento as tradiccionaes festas ao Santo Casamenteiro, outr’ora tão gabadas por toda a gente que a ellas assistia, como por exemplo um dos seus melhores numeros – senão o mais apreciado e melhor, incontestavelmente – as Cavalhadas, pela fórma pomposa como sempre se apresentavam.
         O itinerario que percorriam foi sempre este: - de Tavarede para a Figueira, onde davam o passeio, as voltas ás praças, á egreja; seguiam depois a Buarcos, onde rapazes e raparigas bebiam o seu copo d’agua – não esquecendo os homemsinhos do Zé P’reira, que bebiam copos d’ella em triplicado, porque, diziam elles, já não tinham tempo de molhar a palavra senão em Tavarede, que era o fim da caminhada, regressando depois a Tavarede, n’uma constante alegria, o que era proprio d’aquelles dias festivos e alegres.
         Por onde quer que passassem, haviam de deixar espalhado na atmosphera o cheirinho de todo o ponto agradavel das flôres, com que todos presumpçosamente ornavam as suas montadas: mas os que d’entre todos sobresahia era o do limonete, de que Tavarede é bem farta.
         Este anno não há nada d’estas coisas que com saudade recordamos, e a razão abstemo-nos de a explicar, porque é já bem conhecida de todos. Mas em compensação far-se-hão, como acima dizemos, apenas descantes populares e uma festinha dentro da egreja, na qual tomarão parte um organista e alguns musicos do Grupo Musical, que tocarão, durante o acto religioso, alguns dos seus allusivos numeros de musica, que as creancinhas em côro cantarão.
         Estamos, pois, convictos que os modestos festejos d’este anno decorrerão na melhor ordem, que é o que sinceramente desejamos”.
E o mesmo jornal figueirense voltou ao assunto dias depois. “Como annunciámos, realisou-se com effeito no preterito dia 29 a festa consagrada a S. João, que n’esta localidade soe fazer-se com a maior solemnidade, attingindo a d’este anno o mais elevado grau, como aliás era de esperar.
         Além dos diversos festejos caracteristicos, que constam de danças e descantes, houve a communhão ás creanças, que deu um cunho de maior solemnidade e mysticismo ás festas, e que se realisou na Egreja Matriz, pelas 13 horas.
         A egreja, ricamente adornada, achava-se replecta de fieis, tanto d’aqui como dos logares proximos, que não perderam o ensejo de vir assistir a estas festas tradicionaes, que os distrahe um pouco da labuta ardua e monotona da vida rude do campo.
         Era deslumbrante o aspecto festivo que animava as ruas!...
         N’um dos largos ostentava-se um elegante pavilhão, bellamente engalanado com flôres, bandeiras e balões... perdão, os balões, pertencentes a uma sociedade local, foram, a pedido da commissão do rancho, gentilmente cedidos pelo seu presidente, mas não chegaram a servir, e a razão é simples, como explico: - Uns sujeitos mandaram guizar um lanigero, com as indispensaveis batatas, em casa do sr. Francisco Cordeiro, e uma vez o bicho prompto, trataram, está clarissimo, de o comer, debaixo, até, das pereiras do quintal d’aquelle senhor, logar onde estavam, segundo informações por mim colhidas, os alludidos balões.
         Preso a um pau, estava um macaco, não sei de quem, com sentido no que os homensinhos comiam, e estes, lembrando se de dar lhe a roer alguma coisa, atiraram-lhe uma parte dura, durissima, do assassinado lanigero, o que causou o enfurecimento do mono, que immediatamente se desprendeu e se vingou despedaçando os balões, o que nada impediu que a mesma festa se fizesse e com brilhantismo, palavra de honra que com brilhantismo, apezar de estarmos... em tempo de Guerra!...
         Continuamos, pois, e esqueçamos estas mesquinhices... No elegante coreto tocaram, durante a noite de sabbado para domingo, alguns musicos, dançando-se até altas horas do dia. Seguiu-se mais tarde a communhão das creanças, que, como dizemos acima, decorreu com a maior solemnidade.
         Durante o acto tocaram uns musicos d’aqui e um organista de fóra, alguns bem afinados trechos, adequados a esta ceremonia, e que as creanças tambem cantaram com a maior correcção, graças ao incansavel e amigo padre Vicente.
         Seguiu-se o sermão, prégado pelo reverendo parocho-arcypreste Francisco dos Santos Branco, de Luso, que tem creado em Tavarede, de há annos para cá innumeras e bem merecidas sympathias.
         Após estes numeros da festinha de Tavarede, foi pelo nosso parocho, sr. Manuel Vicente, offerecido ás creanças um opiparo jantar, que teve logar na ampla plateia do Grupo Musical Tavaredense.
         Era bonito, encantador, vêr as creanças, nos seus trajes berrantes d’alvura, a destacar da luz fugidia que se infiltrava pelas largas janellas abertas, prestes a desapparecer para os lados do occidente, em scentelhas rubras e esbrazeantes...
         Recomeçaram, pouco tempo depois, as danças populares no mesmo recinto, e o declinar do dia punha termo aos festejos, que deixaram gravados no coração de todos quantos a elles assistiram, a impressão mais nitida e agradavel do bello dia passado, e que se rememorarão com saudade tempos em fóra!...
         = Nota – Depois de escrever esta carta, disseram-me que no proximo domingo, de tarde, há novamente danças populares... tambem sem balões.

         Emquanto cá estamos é que é dar-lhe!...”.

O Associativismo na Terra do imonete - 60

Foi em Maio de 1944, com as peças O grande industrial e A nossa casa, com a receita a reverter em benefício da Casa dos Pobres de Tomar.

 O grupo cénico da SIT, em Tomar
  
         O Grupo Musical realizava, com frequência, animadas e concorridas festas dançantes, na sua sede, e o seu ‘Jazz’ privativo continuava com actuação em diversas localidades. Na Sociedade, iniciou-se os ensaios de uma nova peça, Horizonte. O seu autor, Manuel Frederico Pressler, veio assistir a uma representação, tendo tido palavras de muito elogio para a colectividade tavaredense. A propósito desta peça, a Direcção, no seu relatório anual, escreveu o seguinte apontamento: Reconhecimento - ..... uma especial referência ao exmo. sr. Manuel Frederico Pressler, cumprindo-nos o grato dever de levar ao conhecimento de todos os consócios que, além de lhe ficarmos a dever uma peça admirável como é o “Horizonte”, que mais veio enriquecer o nosso repertório, devemos-lhe, também, a cedência, em proveito do nosso fundo de obras, dos seus direitos de autor, que impôs como condição teríamos de receber mesmo nos espectáculos dados por nós em prol de instituições de assistência..... reconhecimento sincero que já uma vez tivemos o prazer de lhe testemunhar, convidando-o para assistir a um jantar que lhe dedicámos, na nossa sede, e a que nos deu a honra de assistir, tendo este decorrido num ambiente de franca cordialidade, de maneira a deixar todos satisfeitos”.

         O ilustre dramaturgo respondeu “... agradecer as palavras tão gentis exaradas no vosso relatório e a grande honra que me fizeram nomeando-me Sócio Honorário dessa prestimosa Colectividade. Mais uma vez quero afirmar o prazer que tive em que “Horizonte” fosse representado pelo vosso Grupo Dramático que, em todas as representações desta peça, actuou de maneira notável. Quanto à cedência dos direitos, nada há a agradecer-me. Servindo a Sociedade de Instrução Tavaredense, mesmo modestamente como fiz, prestei um serviço ao Teatro português; e, se o Teatro é a vossa causa, é também a minha causa.

         Setembro de 1945. O grupo da SIT tem mais uma deslocação, desta vez a Sintra, para repreesentar, em Colares, duas das peças do seu enorme reportório, Horizonte e A nossa casa. Como temos feito anteriormente, aqui vamos copiar uma das notícias relativas a esta visita, embora esta seja um pouco mais longa. Foi publicada no Jornal de Sintra. É sempre missão ingrata fazer a crítica desta ou daquela obra, desta ou daquela representação.
         Ingrata, não por se ir de encontro à justiça da crítica, mas porque ela não agrada, muitas vezes, aos próprios artistas.
         Quando se trata, então, da crítica de artistas amadores – Deus dos céus! – a tarefa não é só missão ingrata, como até perigosa… pois ela, se não agrada ao presumido artista, revolta e faz delirar os papás, as mamãs, a noiva ou o noivo, as titis, os primos, o companheiro de café e não sei mesmo se o angorá nos olha também desconfiado… só podendo o crítico desejar-lhes que a consciência os acalme. Outras vezes há – e agora é altura – em que o crítico se sente embaraçado, não porque os vá ferir, com justiça, mas sim por não encontrar palavras no seu vocabulário que sirvam para vincar bem quanto de boa arte são possuidores, como por exemplo alguns Artistas de Tavarede.
         No passado sábado, dia 29, descemos ao vale de Colares e no risonho teatrinho da Banda de Colares assistimos à representação da peça “Horizonte”, do dramaturgo Pressler.
         Assistimos, sim, à Representação, com R muito grande, de uma boa peça, em que o valor dos artistas a honra e não a desmerece.
         Violinda Medina, a Rita, é grande, é muito grande, mesmo, em qualquer palco do País.
         A sua arte de dizer e de representar chega, por vezes, a deixar-nos perplexos e na hesitação de se tratar de uma artista amadora ou de uma Ângela, de uma Rosa Damasceno, de uma Lucinda, de uma Adelina ou de uma Maria Matos.
         A sua genial vocação está muito além, para que a possamos admirar e apreciar apenas como uma boa amadora.
         Violinda Medina é uma artista que vive, sente, sofre, chora e ri, conforme os papéis que interpreta.
         Pode, afoitamente, afirmar-se que é uma grande artista na arte de representar.
         O outro personagem a quem nos queremos referir é João Cascão, o Manuel Firmino, cem por cento artista de grande mérito. No 2º. acto da peça teve, com a Rita, uma “tirada” que atingiu as culminâncias da Arte de representar, como ainda só nos foi dado ver aos maiores actores portugueses.
         O extraordinário vigor e sábia interpretação, fá-lo considerar um explêndido artista do teatro nacional.
         Nos outros personagens, Maria Tereza de Oliveira, Maria Aurélia Ribeiro, Fernando Severino dos Reis, António Jorge da Silva, todos, numa palavra, estiveram à altura dos papéis que representaram.
         Na encenação, estava tudo no seu lugar. Nada faltou, nem mesmo os pequeninos pormenores, aliás desculpáveis, mas que valem muito quando não são esquecidos.
         Para o ensaiador – e os últimos são, como agora, os primeiros – vão todos os elogios que merecidamente se lhe podem dar, sem sombra de favor, pois se não fosse o que já dele conhecemos, José Ribeiro, neste espectáculo, identificava-se.
         José  Ribeiro é a alma, a vida, é o génio de todo o Grupo Dramático de Tavarede. A ele se deve, como nos foi dado constatar, esta feliz noite na arte de Molière.

         Ainda pelo explêndido grupo de Tavarede, assistimos à representação da filosófica e boa peça de George Mitchel – A Nossa Casa, - cujo autor só a dedicaria a grandes actores e por isso não poderia melhor ter sido entregue, do que à interpretação feita por João da Silva Cascão, o Bonardon, e Violinda Medina, a Mariana, discípulos brilhantes de José Ribeiro.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete 59

      Depois de novas idas a Coimbra e a Tomar, coube à Sociedade Filarmónica Gualdim Pais atribuir à colectividade do Terreiro o diploma de sócio honorário. ....... atitudes como a vossa, deslumbram-nos; servindo de Exemplo do melhor e bem dignos de seguir, porquanto se nos depara surpreendente, pelo trabalho árduo e vivificador, cheio de beleza e sentimento de Arte Humana pela Vida, e de Vida pela Arte. Maravilhosa concepção esta, dum forte espírito disciplinado e criador, nas pessoas de todos os componentes do Grupo, e do eloquente e incontestados mérito e inteligência do nosso querido Amigo, José da Silva Ribeiro, que tão proficientemente sabe cimentar, mesmo no mais rude elemento, os melhores e salutares princípios de Solidariedade.

         Por ocasião das comemorações do 40º aniversário, um jornal de Coimbra, relatando os festejos, insere esta nota. A Sociedade de Instrução Tavaredense, com sede na vizinha freguesia de Tavarede, cuja acção beneficente é bem conhecida, acaba de solenizar festivamente o seu 40º aniversário de fundação, facto a que deu lugar a referir-nos, ainda que ligeiramente, a tão prestante colectividade, muito da nossa simpatia.
         Ao relatarmos o que foram as suas festas comemorativas, não podíamos deixar de focar nesta pequena e simples crónica um pouco da sua benemérita obra.
         Dos muitos serviços prestados durante a sua longa existência aos respectivos associados, justo se torna destacarmos a sua acção filantrópica espalhada com o seu bem organizado grupo cénico, - sem contestação, - um dos melhores da província, - arte que devotadamente vem cultivando, - e com a qual vem espalhando, de há anos a esta parte, por terras de norte e sul do país, uma vasta obra beneficente a favor de tantas instituições de caridade.
         Não falando nos anos anteriores, o ano que findou, não foi dos de maior actividade, isto por circunstâncias alheias à vontade do seu incansável ensaiador. Todavia, durante o ano de 1943, além das representações na Figueira e Buarcos, o seu grupo cénico conseguiu deslocar-se a Tomar, onde realizou duas récitas. A Pombal, tempo, deslocou-se por duas vezes, dando, de cada vez, duas récitas de beneficência.
         Assim, pois, de cada vez que batem à porta desta benemérita sociedade, solicitando a sua cooperação em actos de benemerência, a resposta do ensaiador do grupo cénico, desse teimoso e infatigável amigo dos desprotegidos da sorte – José Ribeiro – a sua resposta é sempre a mesma: - Podem contar connosco. Verdadeiro fanático pela sua colectividade e pela sua terra, nunca perde o ensejo de lutar e trabalhar pelo bom nome do seu grupo, pondo nisso o seu entusiasmo, todo o seu esforço e carinho, num labor pertinaz e constante, e de uma maneira que nada o desalenta ou esmorece; sempre pronto para todos os sacrifícios, José Ribeiro, tem sido um verdadeiro obreiro desinteressado e dedicado desta prestante Sociedade Tavaredense, que possui um conjunto artístico a todos os títulos valoroso - hoje bastante conhecido e considerado, pela colaboração desinteressada que vem prestando a obras de grande solidariedade humana, contando, por isso, na sua história, uma acção brilhantíssima.
         É grande a lista dos que têm sido socorridos, mas muito pequena ainda para o coração dos que teimam em continuar, com dedicação, na luta, trabalhando pelo bom nome da Sociedade de Instrução Tavaredense, orgulho de todos quantos por ela se esforçam no sentido de lhe dar ainda um maior desenvolvimento.
         Todos ali trabalham irmanados por um tocante espírito de solidariedade, resultando que, à custa de sacrifícios, a simpática colectividade constitua uma organização modelar no meio associativo.

         Quando o grupo cénico fez uma nova deslocação a Pombal, sofreram um enorme susto, pois no regresso e por interrupção de luz nos farois do veículo, este saíu fora do leitop da estrada, a pouca distância daquela vila, e tombou-se sobre uma das árvores das margens, a qual evitou uma queda de alguns metros de altura. Felizmente foi apenas o susto.

         Ao anunciar mais uma deslocação a Tomar, um jornal tomarense publicou uma notícia curiosa. Noutro dia ia eu na rua, preocupadíssimo com o facto de não me estampar nalguns dos numerosos montes de pedra ou nas covas que apresentam as ruas há uns tempos para cá, quando ouvi atrás de mim uma voz gritar:
         - Eh pá! Sabes quem vem cá?
         Eu voltei-me logo, na intensão ingénua de dizer que não sabia quem vinha cá. Mas logo ouvi outra voz que plagiava a minha resposta e, como sou um tipo esperto, deduzi como qualquer polícia amador que a conversa não era comigo.
         Disfarçadamente voltei-me para ver quem falava. Eram dois garotitos farrapões. Um estava a tirar rendimento dum banco da praça, cabeça tronco e membros a ocupar a apertada taboinha onde as pessoas sentam. O outro estava sentado ao pé do monumento do Gualdim e ocupava-se asseiadamente a limpar o nariz. Estava já disposto a seguir o meu caminho e teria sido bem bom para não estar agora a maçar os leitores, quando ouvi a mesma voz gritar:
         - São aqueles tipos, os de Tavarede. Eh pá, aquilo é que são actores. Vêm cá trabalhar para a gente. Quem me dera ir!
         O outro encolheu os ombros e começando a limpar com esmero o outro lado do nariz, berrou de cá, na linguagem de qualquer menina moderna:
         - Eu cá, não posso ir, estou teso. Ouvi dizer que são uns gajos bestiais. Lá a’nha avó diz que eles são muito bons, que vêm ganhar dinheiro para dar depois aos pobres. Aquilo é gente bem boa!
         Nesta altura da conversa, resolvi continuar o meu caminho. Mas as frases dos garotos  tinham-se-me metido na cabeça. Vêm cá trabalhar para a gente! Dissera o garoto. E realmente era verdade. Aquele grupo de artistas que à força de arte têm conquistado simpatia, admiração, por muita terra de Portugal, vêm cá de vez em quando a Tomar, salvar a crítica situação da Casa dos Pobres. E os pobres conhecem-nos, e estão-lhes agradecidos.
         Poderão dizer que “são uns tipos bestiais”, que a ideia da frase se eleva acima da rudeza da expressão.
         Bemvindos sejam por isso os tavaredenses.

         Os pobres são gratos para quem os acarinha. E até me dá vontade de chegar ao pé deles e dizer também como o farrapão: Apertem esses ossos. Vocês são uns tipos bestiais!