O
jantar do Deão
Dom
Manuel, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves , daquem e dalém mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista,
Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. A quantos virem esta
nossa carta de foral dado ao termo e lugar de Tavarede virem, etc.
Jantar ou colheita: O Deão da Sé de Coimbra, visitando
uma vez no ano o dito lugar, receberá dos moradores de Tavarede para o seru
jantar, 180 reais de 6 ceitias o real, e das heranças da Chã e de Cabanas. 2
carneiros, 2 cabritps, 6 almudes de vinho, 10 galinhas, um quarteiro de cevada
pela medida de Coimbra, 100 pães, 5 soldos em dinheiro para temperos, meio
alqueire de manteiga fresca e lenha e vinagre que abonde para se poder cozinhar
as ditas cousas na cozinha do Deão. – Cumpra-se. (Chá
de Limonete – 1º acto)
Esta folarenga obrigação nem sempre foi
cumprida. Foi o que sucedeu no ano de
1536. O cabido das Sé de Coimbra mandou três cónegos seus, Francisco Monteiro,
Henrique de Sá e Jerónimo Salvador, ao Couto de Tavarede para recolherem a
colheita e o jantar imposto pelo foral que, em Maio de 1516, o rei D. Manuel
dera à nossa terra.
Os juizes e os oficiais da Câmara
tavaredense entenderam não pagar o treibuto referido, pois “não podiam pagar ao dito Cabido a dita
colheita e jantar, que lhes era pedido, pelo dito concelho ter no foral o
contrário”. Alegaram que o aludido foral referia expressamente que aquele
tributo era devido ao Deão e não ao Cabido.
Este, sentindo-se lesado nos seus
direitos, recorreu ao rei.
Dom
João, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, Daquém e dalém mar em
África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia,
Arábia, Pérsia e India. A vós, juízes do Couto de Tavarede, jurisdição do
Cabido da Sé de Coimbra e a todos os outros juízes e justiças, oficiais e
pessoas dos meus reinos e senhorios a quem esta minha carta de sentença for
mostrada e ao conhecimento dela por qualquer guiza que seja pertencer, saúde.
Faço-vos
saber que perante mim, nesta minha Corte, e Casa de Suplicação e os juízes dos
meus feitos, nela, foi apresentado um instrumento de agravo que diante vós
tirou o Cabido, Dignidades e Cónegos da dita Sé, aos oito dias do mês de Julho
do presente ano de mil quinhentos e trinta e seis, no qual se continha, entre
outras muitas coisas em ele contidas, que os ditos suplicantes vieram com um
requerimento por escrito, a vós ditos juízes, dizendo nele que o dito Couto era
obrigado pagar de colheita e jantar ao dito Cabido, e seu certo recado para os
visitar, e lhes administrar justiça por serem seus vassalos, e sujeitos a toda
a jurisdição cível ser sua, e sendo visitadosem cada um ano até ao S. João de
cada um ano e então eram as colheitas seguintes, a saber: dos moradores do dito
lugar de Tavarede sem os do termo, pagavam pelos seus livros dos direitos dos
direitos alfandegários, seiscentos e oitenta reis da moeda ora corrente, e mais
pelas heranças do lugar da Chã e casais de cada um, dois carneiros e dois
cabritos, e seis almudes de vinho da medida corrente, e dez galinhas e um
quarteiro de cevada pela medida corrente de Coimbra, e mais cem pães ou por
cada pão dois reis da sobredita moeda ora corrente, cinco reis para especiarias
e por elas cinco reis da dita moeda ora corrente, e meio alqueire de manteiga e
outras coisas e vinagre que baste para as ditas coisas se cozinharem, a qual
colheita ou jantar vós juízes e oficiais em cada um ano fintáveis pelo concelho
e povo dele, segundo acima ficava declarado, e era tão antigo que não havia
memória dos homens em contrário e o preço era notório dever-se, e que assim o
tinham por leis na sua Câmara e ora
findo como foram em nome do Cabido, Francisco Monteiro e Henrique de Sá e
Jerónimo Salvado, cónegos, a visitar o dito Couto antes do S. João, este de quinhentos e trinta e seis, em o primeiro
dia de Junho da citada era, e visitando e provindo em tudo o que era
necessário, os ditos juízes e oficiais punham dúvida a pagarem e lhe darem a
dita colheita e não eram obrigados, pelo que vos requeria lhes desseis e pagasseis
a dita colheita e o jantar deste ano de quinhentos e trinta e seis, como em
cima era declarado.
Mandada fazer a necessária inquirição tespondeu o juiz e vereadores e procurador do dito
Couto, dizendo em sua resposta que a colheita ou jantar que em seu requerimento
dizia, que era devido ao Cabido da dita Sé o dito seu Couto de Tavarede em cada
um ano, e que requeriam que o desse ao dito Cabido o ano presente de trinta e
seis, por dizer que Francisco Monteiro, Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos dessa Sé, foram visitar o dito Couto,
agora em o primeiro dia de Julho do presente ano, diziam eles juiz e oficiais
que eles não podiam mandar pagar ao dito Cabido a dita colheita e jantar, que
lhes era pedido pelo dito concelho de Tavarede ter no foral o contrário.
A
saber: dava o dito foral que indo o Deão da dita Sé pessoalmente visitar uma
vez no ano o dito concelho de Tavarede, os moradores do dito lugar lhe pagassem
a ele Deão a dita colheita e jantar, e pelo dito foral assim o mandar
expressamente sem nenhuma limitação, sempre de tempo imemorial que eles
oficiais se acordavam, e demais sempre a dita colheita e jantares se dera e
pagara ao Deão que era da dita Sé e se pagavam agora a João Rodrigues Ribeiro,
Daião agora na dita Sé, o qual em cada um ano pessoalmente a vencia e se lha
pagava sem nunca os do Cabido tal colheita nem jantar pedirem senão agora, se
eles do Cabido tinham alguma provisão minha em que mandasse que lhe fosse pago
sem embargo do foral, que lhe mostrasse e lha guardariam e cumpririam em tudo,
porque o que diziam em seu regimento não bastava para lhe ser dado o que
pediam, pelo dito foral ser em contrário, do qual requeriam ao tabelião que no
instrumento que lhe havia de passar, tresladasse em ele as verbas do dito foral
que no dito caso falavam, porque eles não punham em Câmara outra lei por onde
se regiam acerca dele somente estas verbas que apontavam no dito instrumento
eram tresladadas, e sem isto os do dito Cabido se quisessem instrumento de
agravo que pediam que lhe fosse dado e contestavam de ‘trepicat’ se cumprisse segundo que tudo istyo mais
cumpridamente era conteudo na dita resposta, que os juizes e vereadores e
procurador responderam ao dito requerimento, ao qual outrossim respondeu o
Deão, dizendo em sua resposta que era verdade, que ele como Deão estava em
posse, por dez, trinta, cinquenta, cem anos a esta parte, e por tanto tempo que
a memória dos homens não era em contrário e se nisso houvesse dúvida, daria
testemunhas no concelho e fora dele, se por si e pelos Daiões antepassados e
antecessores deverem em cada um ano, por irem visitar o dito Couto de Tavarede
o jantar que ora o dito Cabido dizia, e pedia o qual jantar não indo ele em
pessoa se não devia dar a pessoa alguma outra do Cabido, e ficava no concelho,
como a todo era notório e muitas vezes ficara em tempo dele Deão, e seus
antecessores e a si como Deão tinha aí o dito jantar e assim o tinham outros
muitos jantares em outros muitos lugares em que o Cabido não tinha jurisdição e
assim em outros em que a tinha.
Como se vê, era entendimento dos juizes
e vereadores de Câmara de Tavarede, que a colheita e jantar deveriam ser pagos
pessoalmente ao Deão e não aos cónegos da Sé. Mas, apreciado superiormente o
caso, o rei D. João III mandou emitir a seguinte sentença:
SENTENÇA
– Acordei, vistos os requerimentos feitos pelo Cabido da Sé de Coimbra aos
juizes e oficiais dos Coutos nestes instrumentos conteudos e as respostas dos
ditos oficiais e assim as respostas do Deão, sentenças dadas sobre a jurisdição
dos ditos Coutos e se mostra pelas ditas sentenças a jurisdição dos ditos
Coutos ser julgada ao dito Cabido por respeito da qual jurisdição, e visitação se dão jantares e colheitas nos Coutos
da contenda, o que tudo visto com o mais que dos autos consta, declaro os ditos
jantares e colheitas pertencerem ao dito Cabido e mando aos juizes e oficiais
dos ditos Coutos, que lhe acudam e façam acudir com eles, segundo forma de suas
doações, porque os ditos jantares e colheitas lhes são concedidos e esta
declaração e sentença servirá a todos os Coutos nos ditos instrumentos
conteudos, e porém os mando que assim cumpreis e guardeis e façais em tudo
muito inteiramente cumprir e guardar como por mim é julgado, acordado, mandado
e determinado. E mando que esta sentença se cumpra e guarde com efeito
realmente assim é da maneira que em ela é conteudo, e porquanto o Cabido pagou
parte do Deão cento e sessenta e sete reis, vos mando que requereis que os
pague, e se pagar não quiser, o fareis penhorar em tantos dos seus bens móveis
e de raíz e lhos fareis vender e rematar aos termos conteudos em minhas
ordenações, em maneira que o dito Cabido haja pagamento dos ditos cento
sessenta e sete reis, o que assim cumprir
e ao não façais.
Dada
em minha cidade de Évora, onze dias do mês
de Agosto. El-Rei o mandou pelo licenciado Álvaro Martins, do seu
desembargo e juiz de seus feitos em sua Corte e Casa de Suplicação. Francisco
Pires a fez e Afonso Fernandes de Toar escrivão. Ano do nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e trinta e seis.
O caso ficou resolvido, podendo o
cabido mandar receber a referida colheita e jantar por cónegos seus.
Um Homem - E p’ra que o
jantar seja um jantarão
Vem
um quarteiro farto de cevada. (bis o coro)
Deão - Abençoo,
comovido,
Este nbm povo que timbra (bis os dois cónegos)
No
respeito que é devido
Ao
Cabido de Coimbra.
Eu
vos recebo o jantar,
Que
é apenas um farnel... (bis os dois
cónegos)
Conforme
manda o foral
do
Senhor Rei D. Manuel.
Coro - A
nossa foralenga obrigação
Aí
fica cumprida com respeito.
Que
o jantarinho faça ao bom Deão
E
a todo o Cabido - bom proveito!
Bom
proveito!
Bom
proveito!
(versos Chá de Limonete)
Chá de Limonete - Cena de 'A Doação de Tavarede à Sé de Coimbra'
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