sábado, 18 de julho de 2015

Tavarede no Teatro - 6

                “Pátria formosa, terra bendita,
                Onde correu minha leda infância
                Duma alegria pura, infinita.
               Já te não vejo que mágoa funda!
               De mim tão longe, a imensa distância,
                E que saudade minha alma inunda.
                De meu marido tenho a ternura;
                Dou-lhe também o meu grande amor,
                Se os dois se amam existe a ventura...
                 Não pode haver ventura maior!

         O país é lindo, lindas paisagens, largos horizontes. Vales formosíssimos e imponentes montanhas. Ao longe, muito ao longe, o mar... A habitação é agradável. Eduardo ama-me e procura adivinhar todos os meus pensamentos. Mas não posso esquecer-me de Tching-fon, dos bosques de cerejeiras em flor. A China!... Como a distância a torna ainda mais bela! Ah! Que saudades da minha terra...”.

         É assim que começa o terceiro acto. Flor de Chá, pensativa e melancólica, encontra-se passeando, sòzinha, no jardim de sua casa.

         Quando voltaram da China, donde escaparam milagrosamente às fúrias do Mandarim e de Chin-Fan-tu, a quem haviam raptado filha e noiva, respectivamente, e cumprindo a promessa feita antes de empreenderem a viagem até Macau, em busca da Lúcia-Lima, o aeroplano poisou novamente em Tavarede.

         Foi uma viagem sem incidentes, desta vez. Quando chegaram, tiveram sorte, pois encontraram “uma quinta para arrendar, com uma bela casa, bons ares e boas vistas...” e ali se instalaram para gozarem uns dias de repouso, para depois iniciarem uma viagem por essa Europa fora, até que, aborrecidos e cansados de viajar, partiriam para o Brasil, país tão belo e maravilhoso como a China, dizia a Flor de Chá o seu marido, Eduardo Leirosa, procurando mitigar as saudades que ela sentia da sua terra tão distante.

         A quinta era no Peso. E um dia, depois de ali instalados, Tomás Castanho desceu à aldeia em visita aos amigos, e quando regressou informou que o regedor e a filha, acompanhados de muitos outros, ali iriam para conhecerem “a senhora chinesa”.

         Estava ele a dar a notícia quando entrou o nosso Pinga-Amor, pedindo para ter uma conversa em particular com Tomás Castanho. Vale a pena ouvir o diálogo:

Pinga - É um assunto melindroso de que venho falar-lhe e peço-lhe desculpa pela ousadia... É questão da filha do regedor, da Capitolina, que o sr. conhece muito bem...
Castanho - Sim, conheço...
Pinga - O regedor é um ambicioso, um homem que só vê o dinheiro... quando aqui estiveram persuadiu-se que os senhores eram podres de ricos...
Castanho - Já nos contaram o dinheiro? Pode ser-se rico sem ser podre!...
Pinga - Que tinham mundos e fundos e que casando a filha com um dos ricaços era uma pechincha para ele... e começou a meter a filha à cara...
Castanho - Nunca dei por isso...
Pinga - Toda a gente reparou... sabendo-se já que eu a pretendia...
Castanho - (risonho) E ela dá-lhe d’olho?
Pinga - Agora, não. Amores d’algum dia...
Castanho - Mas não d’alguma noite...
Pinga - Ora essa! A Capitolina nunca capitulou... lá nesse ponto é uma rapariga séria, só gosta das coisas direitas...
Castanho - Estimo saber isso. E ela não é nenhuma peste... e não me desagrada...
Pinga - Então sempre é certo que a pretende?
Castanho - Não digo tanto, mas o mundo dá muita volta e cada um come do que gosta... parece que quer meter-se muito na minha vida...
Pinga - Não, sr.! O que eu desejo é que não se importe com ela, quero que faça de conta que não a conhece... Já lhe confessei o meu sentimento. Sem ela não posso viver... ela é a minha vida... e se a vir casada com outro morro, com certeza... não queira a minha desgraça!...
Castanho - Mas foi o próprio a confessar que ela não lhe dá trela...
Pinga - Se o sr. não a quizer, se saír da aldeia, ela não tem outro melhor do que eu e então aceita-me...
Castanho - Quem sabe lá! Sabe o que diz o ditado: “mulas e mulheres, nozes e castanhas, ninguém lhes conhece as manhas”...
Pinga - Por quem é, sr., deixe esta terra e fará a minha felicidade!...
Castanho - Isso não lhe prometo. Tenha paciência! Quem está bem, deixa-se estar...Sabe que mais? Dou-lhe um conselho... Largue de mão a Capitolina, faça de conta que nunca a viu...
Pinga - E o grande amor que lhe tenho?! Fala bem!
Castanho - Lérias! O amor é uma cobiça... Tudo passa, esqueça-a...
Pinga - Não posso, estou acostumado a vê-la todos os dias...
Castanho - Aí está o mal! Olhe que isto de mulheres é um hábito em que a gente se põe... (Pinga-amor invectiva-o tragicamente)
Pinga - O sr. não tem coração, não é um homem de brio! Torno-o responsável pela desgraça que acontecer... (mudando de tom) Tem muito dinheiro? Pois coma-o de noite como as bestas... Ainda hei-de ver-lhe a cabeça como a dum veado!...
Castanho - Olhe sabe que mais? (fala ao ouvido de Pinga-amor)
Pinga - Vá você, seu grande malcriado! (Castanho entra em casa dando uma gargalhada e Pinga sai)

         Como se vê o conquistador tavaredense não desistia de conquistar o coração de Capitolina, mas... a tarefa era difícil, mesmo impossível.

         Pouco depois entra Gil Chinguiço, o sacristão, para dar uma grande novidade. Tinha, finalmente, aparecido a Lúcia-Lima. Tinha sido o senhor Cura quem lha tinha mostrado. Às perguntas de Leirosa respondia que ela devia ter entre dezoito a vinte anos, que quando estava bem vestida, bem coberta era um encanto e que cheirava muito bem! Bastava passar-lhe a mão por cima e ela deitava um cheiro que regalava!

                O interesse de Eduardo Leirosa pela tal Lúcia Lima despertou o ciúme a Flor de Chá, mas seu marido prontamente a dissuadiu de tal, pois que agora unicamente tinha curiosidade em conhecer aquela que dera origem à viagem

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