“Pátria formosa, terra bendita,
Onde
correu minha leda infância
Duma
alegria pura, infinita.
Já
te não vejo que mágoa funda!
De
mim tão longe, a imensa distância,
E
que saudade minha alma inunda.
De
meu marido tenho a ternura;
Dou-lhe
também o meu grande amor,
Se
os dois se amam existe a ventura...
Não
pode haver ventura maior!
O país é lindo, lindas paisagens,
largos horizontes. Vales formosíssimos e imponentes montanhas. Ao longe, muito
ao longe, o mar... A habitação é agradável. Eduardo ama-me e procura adivinhar
todos os meus pensamentos. Mas não posso esquecer-me de Tching-fon, dos bosques
de cerejeiras em flor. A China!... Como a distância a torna ainda mais bela!
Ah! Que saudades da minha terra...”.
É assim que
começa o terceiro acto. Flor de Chá, pensativa e melancólica, encontra-se
passeando, sòzinha, no jardim de sua casa.
Quando
voltaram da China, donde escaparam milagrosamente às fúrias do Mandarim e de
Chin-Fan-tu, a quem haviam raptado filha e noiva, respectivamente, e cumprindo
a promessa feita antes de empreenderem a viagem até Macau, em busca da
Lúcia-Lima, o aeroplano poisou novamente em Tavarede.
Foi uma
viagem sem incidentes, desta vez. Quando chegaram, tiveram sorte, pois
encontraram “uma quinta para arrendar, com uma bela casa, bons ares e boas
vistas...” e ali se instalaram para gozarem uns dias de repouso, para depois
iniciarem uma viagem por essa Europa fora, até que, aborrecidos e cansados de
viajar, partiriam para o Brasil, país tão belo e maravilhoso como a China,
dizia a Flor de Chá o seu marido, Eduardo Leirosa, procurando mitigar as
saudades que ela sentia da sua terra tão distante.
A quinta era
no Peso. E um dia, depois de ali instalados, Tomás Castanho desceu à aldeia em
visita aos amigos, e quando regressou informou que o regedor e a filha,
acompanhados de muitos outros, ali iriam para conhecerem “a senhora chinesa”.
Estava ele a
dar a notícia quando entrou o nosso Pinga-Amor, pedindo para ter uma conversa
em particular com Tomás Castanho. Vale a pena ouvir o diálogo:
Pinga - É um
assunto melindroso de que venho falar-lhe e peço-lhe desculpa pela ousadia... É
questão da filha do regedor, da Capitolina, que o sr. conhece muito bem...
Castanho - Sim,
conheço...
Pinga - O regedor é
um ambicioso, um homem que só vê o dinheiro... quando aqui estiveram
persuadiu-se que os senhores eram podres de ricos...
Castanho - Já nos
contaram o dinheiro? Pode ser-se rico sem ser podre!...
Pinga - Que tinham
mundos e fundos e que casando a filha com um dos ricaços era uma pechincha para
ele... e começou a meter a filha à cara...
Castanho - Nunca dei
por isso...
Pinga - Toda a
gente reparou... sabendo-se já que eu a pretendia...
Castanho - (risonho) E
ela dá-lhe d’olho?
Pinga - Agora, não.
Amores d’algum dia...
Castanho - Mas não
d’alguma noite...
Pinga - Ora essa! A
Capitolina nunca capitulou... lá nesse ponto é uma rapariga séria, só gosta das
coisas direitas...
Castanho - Estimo
saber isso. E ela não é nenhuma peste... e não me desagrada...
Pinga - Então
sempre é certo que a pretende?
Castanho - Não digo
tanto, mas o mundo dá muita volta e cada um come do que gosta... parece que
quer meter-se muito na minha vida...
Pinga - Não, sr.! O
que eu desejo é que não se importe com ela, quero que faça de conta que não a
conhece... Já lhe confessei o meu sentimento. Sem ela não posso viver... ela é
a minha vida... e se a vir casada com outro morro, com certeza... não queira a
minha desgraça!...
Castanho - Mas foi o
próprio a confessar que ela não lhe dá trela...
Pinga - Se o sr.
não a quizer, se saír da aldeia, ela não tem outro melhor do que eu e então
aceita-me...
Castanho - Quem sabe
lá! Sabe o que diz o ditado: “mulas e mulheres, nozes e castanhas, ninguém lhes
conhece as manhas”...
Pinga - Por quem é,
sr., deixe esta terra e fará a minha felicidade!...
Castanho - Isso não
lhe prometo. Tenha paciência! Quem está bem, deixa-se estar...Sabe que mais?
Dou-lhe um conselho... Largue de mão a Capitolina, faça de conta que nunca a
viu...
Pinga - E o grande
amor que lhe tenho?! Fala bem!
Castanho - Lérias! O
amor é uma cobiça... Tudo passa, esqueça-a...
Pinga - Não posso,
estou acostumado a vê-la todos os dias...
Castanho - Aí está o
mal! Olhe que isto de mulheres é um hábito em que a gente se põe... (Pinga-amor
invectiva-o tragicamente)
Pinga - O sr. não
tem coração, não é um homem de brio! Torno-o responsável pela desgraça que
acontecer... (mudando de tom) Tem muito dinheiro? Pois coma-o de noite como as
bestas... Ainda hei-de ver-lhe a cabeça como a dum veado!...
Castanho - Olhe sabe
que mais? (fala ao ouvido de Pinga-amor)
Pinga - Vá você,
seu grande malcriado! (Castanho entra em casa dando uma gargalhada e Pinga sai)
Como se vê o
conquistador tavaredense não desistia de conquistar o coração de Capitolina,
mas... a tarefa era difícil, mesmo impossível.
Pouco depois
entra Gil Chinguiço, o sacristão, para dar uma grande novidade. Tinha,
finalmente, aparecido a Lúcia-Lima. Tinha sido o senhor Cura quem lha tinha
mostrado. Às perguntas de Leirosa respondia que ela devia ter entre dezoito a
vinte anos, que quando estava bem vestida, bem coberta era um encanto e que
cheirava muito bem! Bastava passar-lhe a mão por cima e ela deitava um cheiro
que regalava!
O interesse de
Eduardo Leirosa pela tal Lúcia Lima despertou o ciúme a Flor de Chá, mas seu
marido prontamente a dissuadiu de tal, pois que agora unicamente tinha
curiosidade em conhecer aquela que dera origem à viagem
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