(continuação)
Em Março daquele ano, novas notícias davam conta do desenvolvimento desta cerâmica. “Para a Cerâmica e Exportadora, Limitada acaba de chegar um excelente motor Mietz de 36 HP destinado ao desenvolvimento da sua fábrica, ao Senhor da Arieira, Tavarede. É uma máquina aperfeiçoadíssima de procedência americana, fornecida pela importante firma Costa & Ribeiro, Limitada, de Lisboa, societária da Cerâmica e Exportadora, Limitada, e que pôs, neste fornecimento, como em todos de que se encarrega, os maiores escrúpulos e cuidados.
A Cerâmica e Exportadora, Limitada, que também acaba de adquirir, por compra, mais um importante barreiro não longe da sua fábrica, está imprimindo um notável desenvolvimento à montagem de instalações não só para a exploração da indústria cerâmica como de outras. Por estes dias deve vir à Figueira, a fim de visitar os terrenos da sociedade e delinear o plano das novas instalações, um conceituado engenheiro de casa Costa & Ribeiro, Limitada, que acaba de regressar duma larga viagem pelos mais importantes centros da Europa e da América, onde estudou os processos mais modernos de fabricação e o sistema de edificações mais simples e económicas que procurará adaptar, com grandes vantagens, entre nós”.
Com a vinda do mencionado engenheiro, foi delineado o plano de novas edificações e montagem de maquinismos para desenvolvimento das indústrias de cerâmica e derivados. “A fábrica ao Senhor da Arieira já hoje em nada se parece com as acanhadas instalações que ali havia há poucos anos ainda e em breve, com a realização dos planos já estudados, a Cerâmica disporá de uma fábrica com todos os recursos que permitam assegurar uma produção intensa e perfeita. Tudo indica que esta indústria vá ter, entre nós, um notável e bem necessário desenvolvimento”.
Eram muitas e bem fundamentadas as esperanças do desenvolvimento industrial daquele local. E vou agora abrir um pequeno parêntisis para justificar aqueles esperanças. Numa entrevista publicada em “A Voz da Justiça”, em Outubro de 1921, feita ao dr. Manuel Gaspar de Lemos, então vereador da Câmara Municipal, lê-se: “...A Beira Alta teria naturalmente todas as vantagens em a levar pela cidade, seguindo pela linha, ou antes, pela trajectória corrigida da actual linha dos americanos do Cabo Mondego, de preferência a levá-la por Tavarede. Você compreende, evitaria a reversão incómoda na actual estação do caminho de ferro, dispendiosas expropriações e creio que nivelamentos a que seria obrigada indo por Tavarede...........”
Mas o projecto já estava programado. “A linha, saindo da estação da Figueira por meio de uma reversão, utilizaria o vale da Várzea, ganhando cota, até atingir os quatro caminhos, na estrada da Figueira a Quiaios. Desse ponto em diante seguiria, provavelmente, o traçado da estrada de Tavarede a Buarcos, até ao entroncamento desta estrada com o caminho que prolonga a rua da Liberdade. Este ponto deve estar a uma altitude de cerca de 30 metros. Não disponho de planta, nem tenho do terreno um conhecimento suficiente, para imaginar qual seria o traçado da linha desde este ponto até ao Cabo Mondego. Mas quere-me parecer que teria de passar entre Buarcos e a Senhora da Encarnação, atingindo aí a cota de 40 metros, aproximando-se em seguida da orla marítima. O traçado pelo sul de Buarcos obriga a uma rampa muito áspera, que tornaria bastante precárias as condições de exploração. De um modo geral, pode ainda afirmar-se que este traçado por Tavarede exige obras de arte importantes e grandes movimentos de terras.
Segundo julgo, este traçado é o que tem mais adeptos na Figueira. E, não há dúvida que, para a cidade, oferece grandes vantagens, sendo a principal o deixar intacta toda a orla fluvial e marítima até bastante além de Buarcos. Com este traçado, seria de prever um rápido alargamento da cidade para os lados de Tavarede e a urbanização do vale das Abadias, onde deveria ficar instalada a estação de passageiros. Um dos defeitos que tenho visto imputar a esta solução, parece-me susceptível de ser corrigido: é o da reversão da estação da Figueira. A configuração do terreno permite perfeitamente que, a partir do entroncamento das duas linhas, da Beira e da Companhia Portuguesa, se dirija directamente uma curva de largo raio para o vale da Várzea. Bastaria, pois, remover a actual estação de passageiros para além dessa curva, despesa essa que, numa questão desta natureza, pouco pode influir. Note-se que a actual “gare” é insuficiente mesmo para o movimento de inverno; e que, se se construir um ramal ao longo da Avenida, para o serviço do porto, o acesso desta “gare” fica péssimo, por ter de cruzar esse ramal. Pelo contrário, seria fácil ligar de uma forma elegante a nova “gare” do vale da Várzea com o sistema de viação da Figueira. ..................O mais grave defeito, porém, que encontro na solução de Tavarede, é de servir mal o Bairro Novo............ Mas, independentemente deste defeito, aliás de natureza transitória, a solução de Tavarede podia ser considerada como boa para os interesses da cidade”.
E em Maio de 1922, o Inspector Geral da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, durante uma visita que fez a esta cidade, informou que, em reunião com as autoridades locais “resultou assentar-se na construção da linha férrea até ao Cabo Mondego, seguindo por Tavarede”. Não se encontrou mais nada sobre o assunto. E a linha de caminho de ferro até ao Cabo Mondego, passando por Tavarede ou por outro lado, acabou no esquecimento. Não vou especular sobre o assunto, mas ponho uma questão: se tivesse sido concretizada esta linha, facilitando assim o transporte, quer das matérias primas quer dos produtos acabados, a fábrica de cerâmica, dado o desenvolvimento que adquirira, teria acabado logo nos finais da década de 1930/1940? Ou o desenvolvimento industrial daquela área e mesmo da nossa terra não teria sido uma realidade?
É que, curiosamente, em Novembro de 1922, um edital tornou pública a informação de ter sido requerida licença, por Herculano de Matos Sarmento Beja, para pesquisas de “uma mina de ouro e outros metais”, no Alto de S. João, ali mesmo ao lado...
A Cerâmica e Exportadora, Limitada, que também acaba de adquirir, por compra, mais um importante barreiro não longe da sua fábrica, está imprimindo um notável desenvolvimento à montagem de instalações não só para a exploração da indústria cerâmica como de outras. Por estes dias deve vir à Figueira, a fim de visitar os terrenos da sociedade e delinear o plano das novas instalações, um conceituado engenheiro de casa Costa & Ribeiro, Limitada, que acaba de regressar duma larga viagem pelos mais importantes centros da Europa e da América, onde estudou os processos mais modernos de fabricação e o sistema de edificações mais simples e económicas que procurará adaptar, com grandes vantagens, entre nós”.
Com a vinda do mencionado engenheiro, foi delineado o plano de novas edificações e montagem de maquinismos para desenvolvimento das indústrias de cerâmica e derivados. “A fábrica ao Senhor da Arieira já hoje em nada se parece com as acanhadas instalações que ali havia há poucos anos ainda e em breve, com a realização dos planos já estudados, a Cerâmica disporá de uma fábrica com todos os recursos que permitam assegurar uma produção intensa e perfeita. Tudo indica que esta indústria vá ter, entre nós, um notável e bem necessário desenvolvimento”.
Eram muitas e bem fundamentadas as esperanças do desenvolvimento industrial daquele local. E vou agora abrir um pequeno parêntisis para justificar aqueles esperanças. Numa entrevista publicada em “A Voz da Justiça”, em Outubro de 1921, feita ao dr. Manuel Gaspar de Lemos, então vereador da Câmara Municipal, lê-se: “...A Beira Alta teria naturalmente todas as vantagens em a levar pela cidade, seguindo pela linha, ou antes, pela trajectória corrigida da actual linha dos americanos do Cabo Mondego, de preferência a levá-la por Tavarede. Você compreende, evitaria a reversão incómoda na actual estação do caminho de ferro, dispendiosas expropriações e creio que nivelamentos a que seria obrigada indo por Tavarede...........”
Mas o projecto já estava programado. “A linha, saindo da estação da Figueira por meio de uma reversão, utilizaria o vale da Várzea, ganhando cota, até atingir os quatro caminhos, na estrada da Figueira a Quiaios. Desse ponto em diante seguiria, provavelmente, o traçado da estrada de Tavarede a Buarcos, até ao entroncamento desta estrada com o caminho que prolonga a rua da Liberdade. Este ponto deve estar a uma altitude de cerca de 30 metros. Não disponho de planta, nem tenho do terreno um conhecimento suficiente, para imaginar qual seria o traçado da linha desde este ponto até ao Cabo Mondego. Mas quere-me parecer que teria de passar entre Buarcos e a Senhora da Encarnação, atingindo aí a cota de 40 metros, aproximando-se em seguida da orla marítima. O traçado pelo sul de Buarcos obriga a uma rampa muito áspera, que tornaria bastante precárias as condições de exploração. De um modo geral, pode ainda afirmar-se que este traçado por Tavarede exige obras de arte importantes e grandes movimentos de terras.
Segundo julgo, este traçado é o que tem mais adeptos na Figueira. E, não há dúvida que, para a cidade, oferece grandes vantagens, sendo a principal o deixar intacta toda a orla fluvial e marítima até bastante além de Buarcos. Com este traçado, seria de prever um rápido alargamento da cidade para os lados de Tavarede e a urbanização do vale das Abadias, onde deveria ficar instalada a estação de passageiros. Um dos defeitos que tenho visto imputar a esta solução, parece-me susceptível de ser corrigido: é o da reversão da estação da Figueira. A configuração do terreno permite perfeitamente que, a partir do entroncamento das duas linhas, da Beira e da Companhia Portuguesa, se dirija directamente uma curva de largo raio para o vale da Várzea. Bastaria, pois, remover a actual estação de passageiros para além dessa curva, despesa essa que, numa questão desta natureza, pouco pode influir. Note-se que a actual “gare” é insuficiente mesmo para o movimento de inverno; e que, se se construir um ramal ao longo da Avenida, para o serviço do porto, o acesso desta “gare” fica péssimo, por ter de cruzar esse ramal. Pelo contrário, seria fácil ligar de uma forma elegante a nova “gare” do vale da Várzea com o sistema de viação da Figueira. ..................O mais grave defeito, porém, que encontro na solução de Tavarede, é de servir mal o Bairro Novo............ Mas, independentemente deste defeito, aliás de natureza transitória, a solução de Tavarede podia ser considerada como boa para os interesses da cidade”.
E em Maio de 1922, o Inspector Geral da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, durante uma visita que fez a esta cidade, informou que, em reunião com as autoridades locais “resultou assentar-se na construção da linha férrea até ao Cabo Mondego, seguindo por Tavarede”. Não se encontrou mais nada sobre o assunto. E a linha de caminho de ferro até ao Cabo Mondego, passando por Tavarede ou por outro lado, acabou no esquecimento. Não vou especular sobre o assunto, mas ponho uma questão: se tivesse sido concretizada esta linha, facilitando assim o transporte, quer das matérias primas quer dos produtos acabados, a fábrica de cerâmica, dado o desenvolvimento que adquirira, teria acabado logo nos finais da década de 1930/1940? Ou o desenvolvimento industrial daquela área e mesmo da nossa terra não teria sido uma realidade?
É que, curiosamente, em Novembro de 1922, um edital tornou pública a informação de ter sido requerida licença, por Herculano de Matos Sarmento Beja, para pesquisas de “uma mina de ouro e outros metais”, no Alto de S. João, ali mesmo ao lado...
Fonte de Tavarede – fornecedora da água para o fabrico do gelo
E, entretanto, a Cerâmica Exportadora, Lda., dotou a Figueira de mais um melhoramento. “... nas suas fábricas do Senhor da Arieira iniciou o fabrico, diariamente, de gelo da melhor qualidade, pois encontrou na água de Tavarede um excelente componente que dá ao produto da sua nova indústria um aspecto apreciável e, portanto, digno de recomendar-se”.
Em pleno funcionamento, no mês de Setembro de 1922, a imprensa local foi convidada para uma visita às suas instalações. A reportagem foi a seguinte: “A convite do sr. dr. Ernesto Gomes Tomé, activo gerente da Cerâmica e Exportadora Lda, desta cidade, visitámos, segunda-feira passada, todas as instalações da fábrica do Senhor da Arieira.
Fabricava pela primeira vez louça branca, razão porque o activo gerente convidou os representantes dos 3 bi-semanários locais. A secção de louças, primeira instalação que visitámos, estava engalanada com verduras, flores e bandeiras. Pelo chão em pequenos montes, estendia-se a louça da primeira fornada, fabricada com perfeição, que se nota, fazendo-a vibrar, tocando-a. Além de pratos, malgas, canecas, bacias e jarros de pintura vulgar, notou-se a tentativa que alguns operários fizeram
Jarra fabricada na Cerâmica e Exportadora, Lda.
E, entretanto, a Cerâmica Exportadora, Lda., dotou a Figueira de mais um melhoramento. “... nas suas fábricas do Senhor da Arieira iniciou o fabrico, diariamente, de gelo da melhor qualidade, pois encontrou na água de Tavarede um excelente componente que dá ao produto da sua nova indústria um aspecto apreciável e, portanto, digno de recomendar-se”.
Em pleno funcionamento, no mês de Setembro de 1922, a imprensa local foi convidada para uma visita às suas instalações. A reportagem foi a seguinte: “A convite do sr. dr. Ernesto Gomes Tomé, activo gerente da Cerâmica e Exportadora Lda, desta cidade, visitámos, segunda-feira passada, todas as instalações da fábrica do Senhor da Arieira.
Fabricava pela primeira vez louça branca, razão porque o activo gerente convidou os representantes dos 3 bi-semanários locais. A secção de louças, primeira instalação que visitámos, estava engalanada com verduras, flores e bandeiras. Pelo chão em pequenos montes, estendia-se a louça da primeira fornada, fabricada com perfeição, que se nota, fazendo-a vibrar, tocando-a. Além de pratos, malgas, canecas, bacias e jarros de pintura vulgar, notou-se a tentativa que alguns operários fizeram
Jarra fabricada na Cerâmica e Exportadora, Lda.
em alguns pratos, pintando figuras nuns e frases ingénuas noutros, com sejam, Amor, Vivam os Noivos, etc.
Depois de constatarmos a perfeição do fabrico e tomarmos nota de todas as fases por que passa o barro até se tornar na louça perfeita que saiu dos fornos da Cerâmica e Exportadora Lda., visitámos um operário que com o auxilio da roda modelava um vaso e que à nossa vista modelou diversas peças de louça vermelha. Seguidamente visitámos as instalações do motor, da máquina do gelo, do moinho de fazer pão, das oficinas de serralharia, etc, sempre acompanhados na visita pelos sócios gerentes da Cerâmica, srs. dr. Tomé e Cardoso Sant’Iago.
E depois de termos percorrido todas as dependências da fábrica, tivemos de confessar que estávamos muito longe da vida industrial que a pouco e pouco ali se tem desenvolvido, à custa de muito esforço e dedicação pela indústria da louça e cerâmica. A produção das fábricas, segundo confissão dos gerentes, está toda vendida, lutando com muita falta de pessoal para satisfazer as encomendas que diariamente chegam ao seu escritório.
O Figueirense, que tem como principal objectivo do seu programa, o progresso moral e material desta cidade, folga imenso por ter ocasião de poder constatar os progressos da fábrica Cerâmica e Exportadora Lda., desta cidade, e faz votos para que os desejos dos seus gerentes, de mais e muito mais produzir, em breve seja uma realidade que possamos constatar. Numa dependência da fábrica foi servido aos representantes da imprensa e outros convidados, champagne e bolos, tendo o sr. dr. Tomé brindado pela imprensa e agradecido o concurso que esta tem prestado à sua empresa, brinde que foi retribuído pelos representantes dos 3 jornais, com as afirmações de que nada mais tem feito do que ajudar uma iniciativa feliz que caminha a passos seguros”.
Dois anos depois, Fevereiro de 1924, nova actividade ali começou a ser exercida. “A Cerâmica e Exportadora, Lda que tem as suas importantes instalações ao Senhor da Arieira, Tavarede, ensaiou há dias, com resultado satisfatório, o fabrico de azulejos. Vimos já duas interessantes amostras de azulejos com pinturas diferentes, ambas, a par da competência do pessoal, demonstrando a excelência da matéria prima e dos fornos de que a Cerâmica dispõe. Sabemos que aquela empresa vai completar a aquisição do material necessário ao desenvolvimento do fabrico de azulejo, estando esperançada em tornar tal indústria uma das suas mais importantes secções. Oxalá a esses esforços corresponda o mais lisonjeiro êxito”.
Até que, em Novembro de 1929, encontrei esta notícia: “A primeira notícia que ontem de manhã amargamente nos surpreendeu foi a da morte do nosso prezado amigo e patrício António Pereira Correia. .................. Regressando depois à Figueira, as iniciativas organizadas durante a guerra prenderam-no à exploração da Cerâmica e Exportadora, Lda., instalada ao Senhor da Arieira, em Tavarede, onde se conservara até agora, como seu gerente; e, não obstante as condições a que actualmente tem de subordinar-se a acção destas empresas, o extinto procurou desenvolver as suas instalações e acreditar a sua produção por forma a converter aquela fábrica num excelente elemento de trabalho.................... Que nos recorde, vimos representar as suas operetas Princesa de Caceira (esta escrita de colaboração com o sr. João Gaspar de Lemos), o Barão de Antanholes, e Os Vidinhas, a revista Zás! Trás!, a peça burlesca O Casamento da Vasca, etc.”.
Entretanto, em Março de 1927, uma nota do correspondente local informa que “o sr. Arlindo Ferreira da Paz tenciona abrir ao público no próximo domingo 3 de Abril, um estabelecimento de mercearias e vinhos numa casa que acaba de construir no Senhor da Arieira, perto da Cerâmica Exportadora, Lda. Como se vê, é mais um melhoramento com que a nossa terra fica dotada. Que seja muito feliz nesta sua iniciativa é o que lhe desejamos”. O antigo estabelecimento que a família Russo ali abrira e explorara, certamente teria sido encerrado para dar lugar a algumas das novas instalações da fábrica de cerâmica.
A esperança depositada no desenvolvimento industrial diluiu-se para sempre. Anos mais tarde, uma empresa de Matosinhos, a firma Lopes Valeiras, Lda., adaptou um dos edifícios para o fabrico de conservas de peixe. Não durou muito tempo... E acabo este capítulo, também com um belo trecho de Mestre José Ribeiro, “O Pardieiro”, incluído na peça “Cântico da Aldeia”. Foi seu intérprete o também saudoso João de Oliveira Júnior.
Junto a ti, ó velha Quinta saudosa,
Aqui me tens - o Pardieiro,
Teu vizinho e na desgraça dolorosa
Companheiro.
Também saudades são meu alimento.
O que eu fui... e o que hoje sou!
O recordar, para mim, é tormento...
No tempo de meu avô,
Dos Ruços, do Serol, vindos de Brenha,
Meus fornos queimaram muita lenha
A cozer barro vermelho,
Telha e tijolo, cerâmica grosseira
Que se espalhava por todo o concelho
Da presunçosa Figueira.
Vieram depois outros oleiros
E com os Ribeiros
Surgiu a faiança, barata e graciosa:
Travessas e pratos bem pintados,
Os potes vidrados,
Louça para a cozinha e para a mesa,
De pintura ingénua e maliciosa,
Com arte e com beleza.
Depois... nos fornos o fogo se apagou,
E na mão hábil do oleiro
- Dedos cariciosos, o pé ligeiro -
A roda enfim parou.
Do barro dúctil não mais saíram peças
De variado jeito:
Os pratos, as canecas, as travessas,
As cântaras airosas,
Com pinturas ingénuas, caprichosas,
De pitoresco efeito,
Ricas de intenção e vária fantasia...
Morreu a olaria!
Depois... Da cerâmica a outras mãos passei.
Que alvoroço! Que nova e grande esperança!
Vinha a indústria, o progresso, a abastança,
Nem eu sei!
E uma outra fábrica se ergueu!
E levantou-se a grande chaminé
Que, como em grito de fé,
Parecia assim anunciar ao céu:
- Eu sou a Fábrica de Conservas, de sardinha
E de outros peixes também!
Aqui não faltará trabalho a ninguém!!
Mas... má sina atrás de nós caminha...
Parece que medonho vendaval,
Terramoto brutal,
Em campo de ruínas a Fábrica mudou!
Triste pardieiro - eis o que ora sou!
Depois de constatarmos a perfeição do fabrico e tomarmos nota de todas as fases por que passa o barro até se tornar na louça perfeita que saiu dos fornos da Cerâmica e Exportadora Lda., visitámos um operário que com o auxilio da roda modelava um vaso e que à nossa vista modelou diversas peças de louça vermelha. Seguidamente visitámos as instalações do motor, da máquina do gelo, do moinho de fazer pão, das oficinas de serralharia, etc, sempre acompanhados na visita pelos sócios gerentes da Cerâmica, srs. dr. Tomé e Cardoso Sant’Iago.
E depois de termos percorrido todas as dependências da fábrica, tivemos de confessar que estávamos muito longe da vida industrial que a pouco e pouco ali se tem desenvolvido, à custa de muito esforço e dedicação pela indústria da louça e cerâmica. A produção das fábricas, segundo confissão dos gerentes, está toda vendida, lutando com muita falta de pessoal para satisfazer as encomendas que diariamente chegam ao seu escritório.
O Figueirense, que tem como principal objectivo do seu programa, o progresso moral e material desta cidade, folga imenso por ter ocasião de poder constatar os progressos da fábrica Cerâmica e Exportadora Lda., desta cidade, e faz votos para que os desejos dos seus gerentes, de mais e muito mais produzir, em breve seja uma realidade que possamos constatar. Numa dependência da fábrica foi servido aos representantes da imprensa e outros convidados, champagne e bolos, tendo o sr. dr. Tomé brindado pela imprensa e agradecido o concurso que esta tem prestado à sua empresa, brinde que foi retribuído pelos representantes dos 3 jornais, com as afirmações de que nada mais tem feito do que ajudar uma iniciativa feliz que caminha a passos seguros”.
Dois anos depois, Fevereiro de 1924, nova actividade ali começou a ser exercida. “A Cerâmica e Exportadora, Lda que tem as suas importantes instalações ao Senhor da Arieira, Tavarede, ensaiou há dias, com resultado satisfatório, o fabrico de azulejos. Vimos já duas interessantes amostras de azulejos com pinturas diferentes, ambas, a par da competência do pessoal, demonstrando a excelência da matéria prima e dos fornos de que a Cerâmica dispõe. Sabemos que aquela empresa vai completar a aquisição do material necessário ao desenvolvimento do fabrico de azulejo, estando esperançada em tornar tal indústria uma das suas mais importantes secções. Oxalá a esses esforços corresponda o mais lisonjeiro êxito”.
Até que, em Novembro de 1929, encontrei esta notícia: “A primeira notícia que ontem de manhã amargamente nos surpreendeu foi a da morte do nosso prezado amigo e patrício António Pereira Correia. .................. Regressando depois à Figueira, as iniciativas organizadas durante a guerra prenderam-no à exploração da Cerâmica e Exportadora, Lda., instalada ao Senhor da Arieira, em Tavarede, onde se conservara até agora, como seu gerente; e, não obstante as condições a que actualmente tem de subordinar-se a acção destas empresas, o extinto procurou desenvolver as suas instalações e acreditar a sua produção por forma a converter aquela fábrica num excelente elemento de trabalho.................... Que nos recorde, vimos representar as suas operetas Princesa de Caceira (esta escrita de colaboração com o sr. João Gaspar de Lemos), o Barão de Antanholes, e Os Vidinhas, a revista Zás! Trás!, a peça burlesca O Casamento da Vasca, etc.”.
Entretanto, em Março de 1927, uma nota do correspondente local informa que “o sr. Arlindo Ferreira da Paz tenciona abrir ao público no próximo domingo 3 de Abril, um estabelecimento de mercearias e vinhos numa casa que acaba de construir no Senhor da Arieira, perto da Cerâmica Exportadora, Lda. Como se vê, é mais um melhoramento com que a nossa terra fica dotada. Que seja muito feliz nesta sua iniciativa é o que lhe desejamos”. O antigo estabelecimento que a família Russo ali abrira e explorara, certamente teria sido encerrado para dar lugar a algumas das novas instalações da fábrica de cerâmica.
A esperança depositada no desenvolvimento industrial diluiu-se para sempre. Anos mais tarde, uma empresa de Matosinhos, a firma Lopes Valeiras, Lda., adaptou um dos edifícios para o fabrico de conservas de peixe. Não durou muito tempo... E acabo este capítulo, também com um belo trecho de Mestre José Ribeiro, “O Pardieiro”, incluído na peça “Cântico da Aldeia”. Foi seu intérprete o também saudoso João de Oliveira Júnior.
Junto a ti, ó velha Quinta saudosa,
Aqui me tens - o Pardieiro,
Teu vizinho e na desgraça dolorosa
Companheiro.
Também saudades são meu alimento.
O que eu fui... e o que hoje sou!
O recordar, para mim, é tormento...
No tempo de meu avô,
Dos Ruços, do Serol, vindos de Brenha,
Meus fornos queimaram muita lenha
A cozer barro vermelho,
Telha e tijolo, cerâmica grosseira
Que se espalhava por todo o concelho
Da presunçosa Figueira.
Vieram depois outros oleiros
E com os Ribeiros
Surgiu a faiança, barata e graciosa:
Travessas e pratos bem pintados,
Os potes vidrados,
Louça para a cozinha e para a mesa,
De pintura ingénua e maliciosa,
Com arte e com beleza.
Depois... nos fornos o fogo se apagou,
E na mão hábil do oleiro
- Dedos cariciosos, o pé ligeiro -
A roda enfim parou.
Do barro dúctil não mais saíram peças
De variado jeito:
Os pratos, as canecas, as travessas,
As cântaras airosas,
Com pinturas ingénuas, caprichosas,
De pitoresco efeito,
Ricas de intenção e vária fantasia...
Morreu a olaria!
Depois... Da cerâmica a outras mãos passei.
Que alvoroço! Que nova e grande esperança!
Vinha a indústria, o progresso, a abastança,
Nem eu sei!
E uma outra fábrica se ergueu!
E levantou-se a grande chaminé
Que, como em grito de fé,
Parecia assim anunciar ao céu:
- Eu sou a Fábrica de Conservas, de sardinha
E de outros peixes também!
Aqui não faltará trabalho a ninguém!!
Mas... má sina atrás de nós caminha...
Parece que medonho vendaval,
Terramoto brutal,
Em campo de ruínas a Fábrica mudou!
Triste pardieiro - eis o que ora sou!
Achei muito interessante este poste, sobretudo pela referência à Cerâmica e Exportadora Limitada e à sua produção de louça branca. Já consultei os jornais de 1922 que foram convidados para a apresentação dessa nova fase da produção, mas não encontrei fotos ou referência ao tipo de peça azul e branca que aqui apresenta. Interessava-me muito saber se tem marca ou, caso não tenha, em que se baseou para atribuir este jarro a esse fabrico. Era peça de família?
ResponderEliminarÉ que conheço um outro exemplar com fabrico atribuído a Carritos, mas nem sei se lá existiu alguma cerâmica...
Será que me pode esclarecer?
Cumprimentos
Verifico que não houve ainda resposta a esta sua questão e, porque ultimamente também tenho andado a mexer neste assunto, gostaria de chamar a atenção para as (poucas) peças que o nosso Museu tem dessa fábrica. Esta peça encontra-se lá, mas não está assinada. Existe lá um prato que documenta, numa legenda, o dia dessa 1ª fornada a que o post refere. Sugiro que visite o Museu- reservas - procurando o sr. Armando (funcionário mais ligado a essa área) ou algum responsável. Da imprensa local da época pouco há que esperar. Ainda não procurei no Arquivo Fotográfico, mas é coisa que estou para fazer no curto prazo. Cumprimentos. F. Mendes
EliminarNa Junta de Freguesia de Tavarede estão expostas algumas peças com a indicação de terem sido fabricadas na fábrica do Senhor da Arieira. Será que terão interesse?
ResponderEliminarDesculpe o não informado mais cedo.