Não foram santos, antes, pelo contrário, alguns foram verdadeiros tiranos, opressores do povo tavaredense. Mas também tiveram os seus heróis, mortos nos campos de batalha, e virtuosos. Mas, em 1771, com a mudança da Câmara e suas Justiças para a recém-criada vila da Figueira da Foz do Mondego, acabou-se o seu poder em Tavarede, o sistema que aqui existia e que havia sido um verdadeiro feudalismo. Mas foi a Família Quadros, a partir dos fins do século dezoito, amiga e protectora dos habitantes da nossa terra. É a eles que Tavarede deve, de alguma forma, os princípios da Instrução, Cultura e Associativismo, que tanto elevaram a TERRA DO LIMONETE. Por isso, e embora de forma despretenciosa e muito incompleta, pretendo aqui honrar a memória de tão ilustre Família, recordando um pouco da sua História.
Paço de Tavarede, vista pelo pintor António da Piedade
Nota introdutória - Um breve comentário
Foi no ano de 1950, quando começaram os ensaios da peça-fantasia “Chá de Limonete”, no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense, que comecei a conhecer a história da minha pequena e linda aldeia. Mestre José da Silva Ribeiro, Homem de uma cultura extraordinária e vastíssima, e que acabou, em consequência de circunstâncias conhecidas, por se dedicar, quase que em exclusividade ao teatro, à colectividade e a Tavarede, sua terra natal, foi o grande professor.
Tinha uma forma muito especial de nos ensaiar. Principalmente nos chamados “ensaios de mesa ou de leitura”, ele aproveitava para nos instruir e ensinar, muitas vezes não só sobre a acção da peça em ensaios, mas, também, divagando e esclarecendo a história, não só local, costumes e usos de outros povos e de outras gerações, criando em nós um verdadeiro interesse em aprender e a conhecer muito além daquilo que aprendíamos nos bancos das escolas.
Por outro lado, sempre que ia para a escola primária, sita aos Quatro Caminhos do Senhor da Areeira, olhava, com verdadeira admiração, para aquele enorme casarão, já em não muito bom estado de conservação, onde a tradição da terra dizia ter vivido uma importante família de fidalgos.
Naquele tempo, é verdade, aquela casa pouco nos dizia. Prestávamos mais atenção, é certo, aos pavões que abriam os seus lindíssimos leques no terraço da casa e ao pequenino macaco que, preso por uma corrente, passava o tempo a subir e a descer o pau a que se encontrava preso, descansando no topo do mesmo, sentado sobre um pedaço de tábua ali pregado.
Mas, quando comecei a ouvir, na peça acima citada, falar dos Morgados, da doação feita por um rei, do jantar ou colheita do Cabido, nos fornos da poia e, sobretudo, no terceiro acto, aquele magnífico poema do “velho palácio” – pedindo que, depois dos saraus gloriosos que vivera e que recordava, o deixassem apodrecer em paz, no chiqueiro infecto dos currais -, passei a olhar de forma bem diferente para o tal casarão e a desejar saber mais, muito mais, sobre aqueles fidalgos que ali viveram e, igualmente ambicionei, conhecer a história da minha terra, cujas origens perdem-se na noite dos séculos, conforme nos dizia Mestre José Ribeiro pela boca do personagem “Velho-Tavarede”.
Os anos foram correndo e sempre íamos escutando atentamente os ensinamentos que nos eram proporcionados. Até que um dia, foi uma das surpresas encontradas na minha já longa vida, dei por mim, devido à disponibilidade de tempo, procurando na Biblioteca Municipal da Figueira da Foz e na biblioteca da Sociedade de Instrução Tavaredense livros, jornais e revistas ali existentes e que tratassem da história de Tavarede.
Encontrei muita coisa, especialmente na imprensa figueirense. Consultei atentamente todas as coleções dos jornais locais ali existentes, desde meados do século dezanove até à actualidade (esta actualidade, esclareço, refere-se ao ano de 2000). Achei tão interessantes os conhecimentos que fui adquirindo (copiava todas as notas encontradas referentes a Tavarede) que, a determinada altura, comecei a pensar se não seria bastante interessante ordenar aquelas notas, por temas, e fazer uns cadernos, onde fosse possível consultar o que se sabia sobre a história da minha terra, tão diferente actualmente que se tornava, na prática, impossível descobrir o que era nos meus tempos de criança.
Assim fiz e, sem verdadeiramente o ter procurado, surgiu a publicação de dois livros. Um sobre a história e outro sobre o associativismo em Tavarede e recordando algumas ilustres figuras, tavaredenses e não tavaredenses, que marcaram algo em vida em prol da nossa terra. Mas continuei sempre à procura de mais elementos, pois ainda havia muita coisa a consultar e a aprender. O que estava era muito disperso, tornando a busca mais difícil. Além dos jornais, nos trabalhos feitos por estudiosos investigadores e historiadores figueirenses, que se encontravam em vários livros publicados, a história de Tavarede ia-se abrindo para mim.
Uma fonte, verdadeiramente preciosa, está contida nos cadernos e livros manuscritos do Dr. Mesquita de Figueiredo, um brenhense que, profissionalmente, se embrenhou, na Torre do Tombo e nos arquivos em Coimbra, nos velhos papéis e pergaminhos que por lá estão guardados e que teve a paciência e o trabalho de copiar, manuscritamente, para os citados cadernos e livros que doou à Biblioteca Municipal da Figueira da Foz.
São verdadeiras preciosidades. Pena é que sejam, a maior parte deles, de leitura bastante difícil, pelo menos para nós, leigos e apenas curiosos na matéria. Naturalmente, pelo que me diz respeito, terei cometido alguns erros de transcrição. Julgo, porém, que em nada alterei o sentido do que lá está escrito.
Mas, evidentemente, por muito boa vontade que haja, da parte dos investigadores, não raras são as vezes em que se deparam com lapsos, lapsos estes que, na minha ignorância, copiei. Não têm, no entanto, gravidade de maior. A propósito da família Quadros, os célebres fidalgos de Tavarede, encontram-se algumas incorrecções nos cadernos acima mencionados, salvo o devido respeito à memória do Dr. Mesquita de Figueiredo, e que serviram de fonte informativa não só para mim, mas, também e por exemplo, para Mestre José Ribeiro.
Vejamos: na fantasia “Chá de Limonete”, numa das cenas do primeiro acto em que estão alguns populares a conversar com o Rendeiro do Cabido da Sé de Coimbra, sobre o pedido que este fizera ao Rei para mudar a Câmara de Tavarede para o lugar da Figueira da foz do Mondego, para acabar com o poder, verdadeiramente feudal, dos fidalgos Morgados de Tavarede, quando entra em cena o fidalgo este diz: Eu, Fernão Gomes de Quadros, oitavo senhor de Tavarede, não consentirei…
A questão está naquele oitavo senhor de Tavarede. A sua origem esteve nos famosos cadernos manuscritos do Dr. Mesquita de Figueiredo. Também eu, no primeiro livro publicado, ao descrever a genealogia dos fidalgos Quadros, considerei aquele Morgado como o oitavo senhor de Tavarede. Parece, no entanto, ter havido erro e vou agora procurar esclarecer o caso.
Segundo o Dr. Pedro de Quadros Saldanha, descendente daquela ilustre família e que teve a trabalhosa tarefa de compilar e publicar um muito bem elaborado estudo, a que deu o título de ‘A Casa de Tavarede (1540 – 1906), de que existe uma cópia na Biblioteca da Figueira da Foz, que atentamente li e estudei, aquele seu ascendente não teria sido o oitavo mas, isso sim, o sétimo senhor de Tavarede. E, sinceramente, acredito que a razão estará do seu lado.
O Dr. Mesquita de Figueiredo refere Pedro Lopes de Quadros, o segundo do mesmo nome, como o quinto Morgado de Tavarede. Acontece, porém, que este morreu ainda em vida de seu pai, logo não herdando o morgadio, que passou, por morte de seu pai, para o seu filho primogénito Fernão, tal como seu avô. Esta a razão do fidalgo acima passar de oitavo para sétimo.
Também terá havido lapso com os três seguintes. Tendo sido Fernão (ou Fernando) Gomes de Quadros o sétimo, o oitavo foi seu primeiro filho, Pedro Joaquim. Mas, como veremos no capítulo próprio, este terá sido uma “espécie” rara nesta família. Por ter assassinado um tio seu, que era frade, foi condenado à pena de prisão perpétua. Logo, não podia ser o herdeiro, mas sim seu irmão, António Leite, que assumiu o cargo sob a tutela de sua mãe.
Mas o homem põe e Deus dispõe. Por amnistia decretada pela Rainha D. Maria I, Pedro Joaquim foi libertado. E foi com muita surpresa de sua mãe e de seu irmão, que o recém-liberto apareceu em Tavarede e reivindicou para si a herança de seu pai, passando a ser, logicamente, o oitavo senhor de Tavarede. Mas foi-o por pouco tempo. Voltou à libertinagem e à bebida e fez tais desacatos, que aquela amnistia foi revogada e foi novamente conduzido à prisão, não mais voltando a Tavarede, pois faleceu na cadeia.
E então, com toda a legitimidade, seu irmão, António Leite, foi o seu herdeiro, passando ele a ser o nono senhor de Tavarede. Este, militar de carreira, acabou por morrer solteiro, não deixando, portanto, descendência. Mas deixou testamento, legando o morgadio e o título a sua sobrinha, D. Antónia Madalena, filha de sua irmã, D. Joana Madalena. Está refeita a sequência cronológica e D. Antónia Madalena foi a 10ª. senhora de Tavarede, como vulgarmente é conhecida. Lá mais para a frente veremos toda esta história mais desenvolvidamente.
Surgiu-me, ao ler tudo isto, a vontade de fazer mais um caderno para tentar deixar escrita, de forma simples, a história desta família. Dei-lhe o título de “QUADROS – OS SENHORES DE TAVAREDE”. É claro que se trata, única e exclusivamente, de copiar trabalhos de outrém ou de aproveitar-me deles. De origem minha muito pouco será encontrado. Mas serei perdoado pela ousadia. Na verdade, a vida destes fidalgos durante cerca de dois séculos e meio, teve enorme importância na história tavaredense. Alguns, todos o sabem, foram mesmo maus, egoístas, déspotas e tiranos. Abusaram altamente de hipotéticas regalias e procederam de tal forma que chegaram a cumprir penas de prisão e de degredo em África. Mas nem todos terão sido assim.
Há casos, e refiro-me somente, por aqui, a D. Antónia Madalena, a décima senhora de Tavarede, que, diz a lenda, foi enterrada ainda com vida… Terá sido a verdadeira antítese dos seus antecessores. Chegam a ser comoventes algumas situações que teve de suportar e viver. E logo ela, que foi casada com um dos mais ilustres fidalgos portugueses daquele tempo! Veremos, contudo, se serei capaz de levar a efeito a tarefa a que me propuz e meti ombros.
Sr. Vitor,
ResponderEliminarCá fico a aguardar ansiosa pela história da familia Quadros...
Beijinho grande.
Sandra Grilo