Novo Século...
Novo Associativismo...
Paço de Tavarede - Sede da Estudantina Tavaredense
Nos inícios do século vinte,
tudo aparentava que o associativismo estava definitivamente estabelecido em
Tavarede. Com as duas associações em plena actividade, a Estudantina dedicada
ao teatro e à música, e o Grupo de Instrução, com a seu grupo cénico e o seu
grupo musical, que tinham como principal missão a angariação de fundos, através
dos espectáculos que realizava, para o financiamento da sua escola nocturna,
que funcionava com as suas duas aulas, principiantes e mais adiantados,
completamente lotadas, cumpriam a preceito a missão para que tinham sido fundadas.
Em Fevereiro de 1901, e no seu
teatro Duque de Saldanha, a Estudantina apresentou um programa carnavalesco com
as comédias Valentes e Medrosos, Um noivo d’Alcanhões, a cena cómica Um alho júnior e o entreacto A questão musical. Segundo a mesma notícia, na terça-feira de
entrudo haveria baile na mesma sala, com os convidados a irem com trajos de
costumes.
No mês seguinte, pela Serra-a-Velha, a Estudantina apresentou
as mais uma vez o mesmo programa do carnaval. E pela Páscoa repetiram este
espectáculo apresentando mais uma comédia, Um
capitão de lanceiros. Também a tuna cumpriu uma tradição: saíu no domingo a
cumprimentar diversas entidades, sócios e amigos. Entretanto, e comemorando o
seu oitavo aniversário, esta colectividade realizou uma assembleia geral para
aprovação das contas, tendo sido eleitos os novos corpos gerentes, ficando a
nova direcção composta por Luiz João Rosa, presidente, José Maria Cordeiro
Júnior, secretário, César da Silva Cascão, tesoureiro, e Gentil da Silva
Ribeiro, vogal. Integrada no programa das comemorações, no domingo de Páscoa, teve lugar uma dança, que teve uma
concorrência como poucas vezes ali temos visto, e à qual os rostos mais bonitos
de muitas meninas deram sempre alegria e animação.
Também não queremos deixar de
aqui recordar que o nosso conterrâneo António de Almeida Cruz foi, neste ano,
para Lisboa, integrando-se na companhia de teatro do Trindade, onde teve a sua
primeira actuação em Setembro, desempenhando o papel de Nicolau, na
ópera-cómica Os sinos de Corneville,
obtendo enorme êxito, que foi o princípio de uma carreira verdadeiramente
extraordinária, como actor-cantor e empresário teatral.
É claro que, durante o
verão, as colectividades saíam à rua, para o que organizavam festas ao ar
livre, em pavilhões que instalavam nos principais largos da aldeia. No ano de
1901 foi escolhido o Largo do Paço. Eis uma pequena nota sobre esta festa. A noite de sabbado e a tarde de domingo últimos, foram de verdadeira
folia para os rapazes e raparigas, que durante
longas horas se fartaram de dar á perna no Largo do Paço.
Isto de fixar horas em divertimentos
d’aquella natureza, é sempre querer ser-se
mais papista que o papa. Falamos assim porque, dizendo nós que a dança
começaria ás 10 horas da noite, ella só principiou a funccionar perto da
meia-noite, hora a que abrandou mais a
furiosa nortada que tinha soprado até ali, e que impedira que se fizesse a
illuminação á hora annunciada. Dansou-se até perto das 4 horas da manhã,
quando o dia rompia com os seus primeiros clarões auroriaes.
Na tarde de domingo
vieram aqui algumas pessoas d’essa cidade, que, gosando não só o agradável
passeio, manducaram bellas
merendas e famosos petiscos, viram (aquellas que chegaram pelas 5 horas) as
corridas de prémios, e, além d’isto, tiveram
occasião de admirar depois, ás 6, o rancho de bonitas raparigas e sympathicos
rapazes que até ás 9 horas da noite deu folgas á mocidade. E
sabe Deus quantas palavrinhas doces sahiram de muitos lábios apaixonados que la
havia, quanto prazer não sentiriam tantos pares
que se estreitavam com ternura n’aquella massa de seres cheios de amor e de vida!...
É que n’aquella edade e n’aquelles
momentos nada se sente. Todas as almas trasbordam de felicidade e toda a existência
sorri repleta das venturosas esperanças! E assim é que para os corpos moços
d’hoje, a dansa é a única distracção que os
satisfaz para gosar e que lhes deixa sempre mais ou menos recordações saudosas.
Por isso, com os louvores que rapazes
e raparigas teceram aos promotores d’aquella festa, vão também misturados os
nossos, porque, com a sua realisação, quebraram por algumas horas a
monotonia que aqui se nota continuamente.
Foi, com certa surpresa, que não encontrámos qualquer notícia sobre os
tradicionais espectáculos natalícios, pois o Presépio e Os Reis Magos
foram substituídos pelas comédias Cada
doido…, Uma experiência, O cornetim do meu vizinho e O capitão de lanceiros. Isto na
Estudantina.
Por sua vez, o Grupo de
Instrução não comemorou o carnaval com qualquer espectáculo, pois os alunos da
sua escola nocturna andavam a preparar a festa comemorativa do terceiro
aniversário daquela escola. Este teve lugar no dia 23 de Fevereiro de 1902. “Como tem noticiado o nosso correspondente daquela localidade, realiza-se
efectivamente amanhã o sarau comemorativo do 3o
aniversário da Escola Nocturna dali, e cujo programa constará do seguinte: Hino da Escola Nocturna - composição
de G. Ribeiro; República das Letras, comédia
em 1 acto, de F. Palha; Surpresa, valsa
característica de Simões Barbas; O casamento do Alto Vareta, comédia
de costumes em 1 acto, de P. de Alcântara Chaves; Tavarede, mazurka de G. Ribeiro; Ça mord, intervalo para duas crianças; Uma gavotte; Bohemios, passo ordinário, de F. Lopes de Macedo; Luctas Civis, comédia em 1 acto, de
Cesar de Sá; Hino
da Escola Nocturna. O desempenho da parte dramática será exibido pelos
alunos da escola referida, e a parte musical executada por um grupo de rapazes
também de Tavarede. De tarde servir-se-á um
jantar a todos os alunos daquela aula, para o qual têm sido generosamente
oferecidos donativos por vários cavalheiros”.
Foi
bastante apreciado este espectáculo. Temos uma reportagem muito grande sobre o
mesmo, mas vamos apenas transcrever este pequeno recorte: “… Á noite, o espectáculo em que se
executou o programa já conhecido dos leitores da Gazeta, teve uma concorrência extraordinária, não havendo
disponível um único canto do teatro. É
suspeita a minha apreciação sobre o desempenho das duas partes do reportório:
dramática e musical. Mas tenho a fazer-lhes justiça e a falarem por mim as
calorosas e entusiásticas ovações feitas aos pequenos debutantes da arte de
Talma, e as salvas de palmas que coroavam o final de qualquer das peças musicais
tocadas por um escolhido grupo de rapazes
também de Tavarede.
Por aqui se vê o
agrado da récita, e o que eu posso asseverar é que nunca nesta localidade houve
festa teatral que mais sensação causasse, pela novidade dos actores e pela maneira correcta como
se houveram. As salas, tanto a dos
espectáculos como a da escola, estavam ornamentadas com festões de verdura,
palmas, bandeiras, livros, escritas, etc. Na aula liam-se alguns trechos dos Lusíadas, copiados pelos alunos mais
adiantados, e viam-se também
distribuídos pelas paredes os nomes de vários cavalheiros que generosamente têm
contribuido com donativos para aquela casa de instrução…”.
Integrado no Grupo
Instrução Tavaredense, formou-se um novo grupo musical, sob a direcção de João
Nunes da Silva Proa, que tinha a finalidade de abrilhantar diversas festas. A
tuna do Bijou Tavaredense, a que pertenciam muitos elementos da Figueira, já
tinha acabado, pelo que a maioria dos seus componentes aderiram à nova tuna. E
a sua apresentação foi feita na missa conventual do domingo de Páscoa,
realizando, à noite, um baile na sede da colectividade.
Pela Páscoa de 1902,
como era costume, houve novo espectáculo no Grupo de Instrução, com a
participação dos alunos da sua escola. Deve ter sido um espectáculo muito
interessante e não resistimos a copiar uma notícia publicada sobre o mesmo. E aqui está uma pessoa há um pedaço a olhar os linguados do papel, a
hesitar, sem saber com que os há-de encher. Procuro notícias, não vejo nada de merecimento que possa
aproveitar-se; tudo uma pasmaceira insípida, comparada ao silêncio que a estas horas, 10 da
noite, se nota lá fora, onde se não sente viva alma; tudo se enlaçou nos lânguidos
braços de Morfeu, que nas
aldeias os estende logo à noitinha para reparar as fadigas que cansam tantos
corpos entregues pelo dia adiante à execução
dos trabalhos agrícolas, umas vezes sob esse sol tórrido que nos abrasa e sufoca,
outras expostos aos rigores do inverno que com as suas neves e frios ventos nos
rasga as carnes sem dó nem compaixão.
O único assunto que se nos oferece para
dele podermos dizer alguma coisa, é o relato do espectáculo dado no domingo de Páscoa pelos alunos da escola nocturna.
Casa a trasbordar, com concorrência superior á da primeira récita efectuada
outro dia pelos mesmos amadores. Às 9 horas da noite a orquestra executa o hino
na escola, que é ouvido de pé, e em seguida
sobe o pano; o palco oferece-nos uma vista agradável, similhando o pátio das
casas do Izidoro Vaqueiro e de seu filho Gregório, que naquele dia
deve receber à face do altar a Margarida, uma das cachopas mais guapas do lugar,
e para cuja festa os aldeãos preparam
grande regalório. Abre-nos a comédia (Casamento
do filho do Vaqueiro) com um coro
de rapazes e raparigas da aldeia, e dali em diante temos por vezes em cena o
pai Izidoro, a mãe Rosa, os padrinhos do casamento, e o noivo, que por sinal está pouco resolvido a ir à igreja,
isto porque umas intrigas urdidas pelo tutor de Margarida lhe vêem pôr
em dúvida o bom comportamento desta sua escolhida.
Afinal, tudo se desvenda, averigua-se que são falsas as injúrias
imputadas à pobre rapariga, e que lhe eram lançadas por conveniência do
interesseiro tutor. E os noivos lá casam,
cheios de prazer e satisfação. A comédia é do velho reportório e bastante
conhecida, sendo já em tempos aqui representada. Mas o desempenho dado
agora aos diferentes papéis por António Graça (Izidoro), Fernando Pereira
(Rosa), Joaquim Terreiro (Gregório), Augusto Bertão (Margarida), António
Broeiro (Fonseca), António Miguens e Jaime Broeiro nos padrinhos do casório, João da Graça (Zé das Bordoeiras) e ainda por
outros tipos, foi muito mais correcto, segundo nos dizem, e isso lhes
valeu os unânimes aplausos da plateia. As músicas, apesar dos poucos ensaios e
de terem sido cantadas a medo, sairam muito regularmente.
E acabou-se o 1o acto.
No segundo
representa-se a comédia Republica das
Letras, em que toda a petizada trabalha, e que pela segunda vez
se pôs em cena. Os nóveis actores fizeram
o que puderam, e os espectadores aplaudiram-nos com entusiasmo. Neste
intervalo, o sr. Luiz Pinto, um simpático amador dessa cidade, recitou com
certa correcção o monólogo dramático O
Piloto, e a poesia Quando eu
morrer. Luiz Pinto colheu bastas palmas da plateia Seguiram-se as comédias Casamento do Alto Vareta e Lutas civis, cujo desempenho não desmereceu em nada a boa interpretação que os diferentes personagens
deram aos seus papéis no espectáculo em que debutaram. Na primeira destas comédias temos a sobressair Joaquim Terreiro
no seu papel de Maria das Dores, João de Oliveíra no Alto Vareta, Fernando
Pereira na pretenciosa Joana, António Broeiro no João (cabo de esquadra) e Jaime
no surdo mestre Joaquim; os outros rapazes não desmancham o conjunto, dando por
isso lugar que às situações mais engraçadas da peça se imprimisse bastante relevo.
Nas Lutas
Civis, comédia drama cuja acção se passa nos arredores de Coimbra,
dá-nos Fernando Pereira um tipo original de
criado de moinho, a quem só dá prazer o pouco trabalho, e que tem por lema
fazer no outro dia aquilo que
não se fizer em dia de Santa Maria... Joaquim Terreiro, um dos pequenos que
mais aptidões cénicas revela, disse muito bem o seu papel de Maria, filha do pobre veterano Jácome, a que João de Oliveira
dá certa naturalidade, conquanto o género deste papel não seja o que
mais lhe está a carácter. Os outros personagens também se sairam muito
regularmente.
Eis, em massadoras
linhas, a nossa opinião sobre a parte dramática do espectáculo. A parte
musical, executada por um grupo de rapazes daqui, foi ouvida com
agrado geral, sendo feliz a escolha das músicas que formavam o programa, e que alcançaram dos assistentes várias salvas de
palmas, especialmente Una broma, jota
lindíssima de Simões Barbas, e a mazurka
Succés, de Backman, que foram
tocadas com mimo e gosto pouco vulgares nos grupos musicais desta minha terra. Eram
festas teatrais assim que desejariamos ver realizar frequentes vezes, mas é
certo que a boa vontade que as leva a
efeito também é gasta por muitos dissabores que se recebem durante a luta...
Isto, infelizmente, é uma triste verdade...
E ponto neste assunto.
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