sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Associativismo em Tavarede -


Novo Século...
Novo Associativismo...

 Paço de Tavarede - Sede da Estudantina Tavaredense
  
Nos inícios do século vinte, tudo aparentava que o associativismo estava definitivamente estabelecido em Tavarede. Com as duas associações em plena actividade, a Estudantina dedicada ao teatro e à música, e o Grupo de Instrução, com a seu grupo cénico e o seu grupo musical, que tinham como principal missão a angariação de fundos, através dos espectáculos que realizava, para o financiamento da sua escola nocturna, que funcionava com as suas duas aulas, principiantes e mais adiantados, completamente lotadas, cumpriam a preceito a missão para que tinham sido fundadas.

Em Fevereiro de 1901, e no seu teatro Duque de Saldanha, a Estudantina apresentou um programa carnavalesco com as comédias Valentes e Medrosos, Um noivo d’Alcanhões, a cena cómica Um alho júnior e o entreacto A questão musical.  Segundo a mesma notícia, na terça-feira de entrudo haveria baile na mesma sala, com os convidados a irem com trajos de costumes.

No mês seguinte, pela Serra-a-Velha, a Estudantina apresentou as mais uma vez o mesmo programa do carnaval. E pela Páscoa repetiram este espectáculo apresentando mais uma comédia, Um capitão de lanceiros. Também a tuna cumpriu uma tradição: saíu no domingo a cumprimentar diversas entidades, sócios e amigos. Entretanto, e comemorando o seu oitavo aniversário, esta colectividade realizou uma assembleia geral para aprovação das contas, tendo sido eleitos os novos corpos gerentes, ficando a nova direcção composta por Luiz João Rosa, presidente, José Maria Cordeiro Júnior, secretário, César da Silva Cascão, tesoureiro, e Gentil da Silva Ribeiro, vogal. Integrada no programa das comemorações, no domingo de Páscoa, teve lugar uma dança, que teve uma concorrência como poucas vezes ali temos visto, e à qual os rostos mais bonitos de muitas meninas deram sempre alegria e animação.

Também não queremos deixar de aqui recordar que o nosso conterrâneo António de Almeida Cruz foi, neste ano, para Lisboa, integrando-se na companhia de teatro do Trindade, onde teve a sua primeira actuação em Setembro, desempenhando o papel de Nicolau, na ópera-cómica Os sinos de Corneville, obtendo enorme êxito, que foi o princípio de uma carreira verdadeiramente extraordinária, como actor-cantor e empresário teatral.

É claro que, durante o verão, as colectividades saíam à rua, para o que organizavam festas ao ar livre, em pavilhões que instalavam nos principais largos da aldeia. No ano de 1901 foi escolhido o Largo do Paço. Eis uma pequena nota sobre esta festa. A noite de sabbado e a tarde de domingo últimos, foram de verdadeira folia para os rapazes e raparigas, que durante longas horas se fartaram de dar á perna no Largo do Paço.
Isto de fixar horas em divertimentos d’aquella natureza, é sempre querer ser-se mais papista que o papa. Falamos assim porque, dizendo nós que a dança começaria ás 10 horas da noite, ella só principiou a funccionar perto da meia-noite, hora a que abrandou mais a furiosa nortada que tinha soprado até ali, e que impedira que se fizesse a illuminação á hora annunciada. Dansou-se até perto das 4 horas da manhã, quando o dia rompia com os seus primeiros clarões auroriaes.
Na tarde de domingo vieram aqui algumas pessoas d’essa cidade, que, gosando não só o agradável passeio, manducaram bellas merendas e famosos petiscos, viram (aquellas que chegaram pelas 5 horas) as corridas de prémios, e, além d’isto, tiveram occasião de admirar depois, ás 6, o rancho de bonitas raparigas e sympathicos rapazes que até ás 9 horas da noite deu folgas á mocidade. E sabe Deus quantas palavrinhas doces sahiram de muitos lábios apaixonados que la havia, quanto prazer não sentiriam tantos pares que se estreitavam com ternura n’aquella massa de seres cheios de amor e de vida!...
É que n’aquella edade e n’aquelles momentos nada se sente. Todas as almas trasbordam de felicidade e toda a existência sorri repleta das venturosas esperanças! E assim é que para os corpos moços d’hoje, a dansa é a única distracção que os satisfaz para gosar e que lhes deixa sempre mais ou menos recordações saudosas. Por isso, com os louvores que rapazes e raparigas teceram aos promotores d’aquella festa, vão também misturados os nossos, porque, com a sua realisação, quebraram por algumas horas a monotonia que aqui se nota continuamente.

Foi, com certa surpresa,  que não encontrámos qualquer notícia sobre os tradicionais espectáculos natalícios, pois o Presépio e Os Reis Magos foram substituídos pelas comédias Cada doido…, Uma experiência, O cornetim do meu vizinho e O capitão de lanceiros. Isto na Estudantina.

Por sua vez, o Grupo de Instrução não comemorou o carnaval com qualquer espectáculo, pois os alunos da sua escola nocturna andavam a preparar a festa comemorativa do terceiro aniversário daquela escola. Este teve lugar no dia 23 de Fevereiro de 1902. “Como tem noticiado o nosso correspondente daquela localidade, realiza-se efectivamente amanhã o sarau comemorativo do 3o aniversário da Escola Nocturna dali, e cujo programa constará do seguinte: Hino da Escola Nocturna - composição de G. Ribeiro; República das Letras, comédia em 1 acto, de F. Palha; Surpresa, valsa característica de Simões Barbas; O casamento do Alto Vareta, comédia de costumes em 1 acto, de P. de Alcântara Chaves; Tavarede, mazurka de G. Ribeiro; Ça mord, intervalo para duas crianças; Uma gavotte; Bohemios, passo ordinário, de F. Lopes de Macedo; Luctas Civis, comédia em 1 acto, de Cesar de Sá; Hino da Escola Nocturna. O desempenho da parte dramática será exibido pelos alunos da escola referida, e a parte musical executada por um grupo de rapazes também de Tavarede. De tarde servir-se-á um jantar a todos os alunos daquela aula, para o qual têm sido generosamente oferecidos donativos por vários cavalheiros”.

Foi bastante apreciado este espectáculo. Temos uma reportagem muito grande sobre o mesmo, mas vamos apenas transcrever este pequeno recorte: “… Á noite, o espectáculo em que se executou o programa já conhecido dos leitores da Gazeta, teve uma concorrência extraordinária, não havendo disponível um único canto do teatro. É suspeita a minha apreciação sobre o desempenho das duas partes do reportório: dramática e musical. Mas tenho a fazer-lhes justiça e a falarem por mim as calorosas e entusiásticas ovações feitas aos pequenos debutantes da arte de Talma, e as salvas de palmas que coroavam o final de qualquer das peças musicais tocadas por um escolhido grupo de rapazes também de Tavarede.

Por aqui se vê o agrado da récita, e o que eu posso asseverar é que nunca nesta localidade houve festa teatral que mais sensação causasse, pela novidade dos actores e pela maneira correcta como se houveram. As salas, tanto a dos espectáculos como a da escola, estavam ornamentadas com festões de verdura, palmas, bandeiras, livros, escritas, etc. Na aula liam-se alguns trechos dos Lusíadas, copiados pelos alunos mais adiantados, e viam-se também distribuídos pelas paredes os nomes de vários cavalheiros que generosamente têm contribuido com donativos para aquela casa de instrução…”.

Integrado no Grupo Instrução Tavaredense, formou-se um novo grupo musical, sob a direcção de João Nunes da Silva Proa, que tinha a finalidade de abrilhantar diversas festas. A tuna do Bijou Tavaredense, a que pertenciam muitos elementos da Figueira, já tinha acabado, pelo que a maioria dos seus componentes aderiram à nova tuna. E a sua apresentação foi feita na missa conventual do domingo de Páscoa, realizando, à noite, um baile na sede da colectividade.

Pela Páscoa de 1902, como era costume, houve novo espectáculo no Grupo de Instrução, com a participação dos alunos da sua escola. Deve ter sido um espectáculo muito interessante e não resistimos a copiar uma notícia publicada sobre o mesmo. E aqui está uma pessoa há um pedaço a olhar os linguados do papel, a hesitar, sem saber com que os há-de encher. Procuro notícias, não vejo nada de merecimento que possa aproveitar-se; tudo uma pasmaceira insípida, comparada ao silêncio que a estas horas, 10 da noite, se nota lá fora, onde se não sente viva alma; tudo se enlaçou nos lânguidos braços de Morfeu, que nas aldeias os estende logo à noitinha para reparar as fadigas que cansam tantos corpos entregues pelo dia adiante à execução dos trabalhos agrícolas, umas vezes sob esse sol tórrido que nos abrasa e sufoca, outras expostos aos rigores do inverno que com as suas neves e frios ventos nos rasga as carnes sem dó nem compaixão.

O único assunto que se nos oferece para dele podermos dizer alguma coisa, é o relato do espectáculo dado no domingo de Páscoa pelos alunos da escola nocturna. Casa a trasbordar, com concorrência superior á da primeira récita efectuada outro dia pelos mesmos amadores. Às 9 horas da noite a orquestra executa o hino na escola, que é ouvido de pé, e em seguida sobe o pano; o palco oferece-nos uma vista agradável, similhando o pátio das casas do Izidoro Vaqueiro e de seu filho Gregório, que naquele dia deve receber à face do altar a Margarida, uma das cachopas mais guapas do lugar, e para cuja festa os aldeãos preparam grande regalório. Abre-nos a comédia (Casamento do filho do Vaqueiro) com um coro de rapazes e raparigas da aldeia, e dali em diante temos por vezes em cena o pai Izidoro, a mãe Rosa, os padrinhos do casamento, e o noivo, que por sinal está pouco resolvido a ir à igreja, isto porque umas intrigas urdidas pelo tutor de Margarida lhe vêem pôr em dúvida o bom comportamento desta sua escolhida. Afinal, tudo se desvenda, averigua-se que são falsas as injúrias imputadas à pobre rapariga, e que lhe eram lançadas por conveniência do interesseiro tutor. E os noivos lá casam, cheios de prazer e satisfação. A comédia é do velho reportório e bastante conhecida, sendo já em tempos aqui representada. Mas o desempenho dado agora aos diferentes papéis por António Graça (Izidoro), Fernando Pereira (Rosa), Joaquim Terreiro (Gregório), Augusto Bertão (Margarida), António Broeiro (Fonseca), António Miguens e Jaime Broeiro nos padrinhos do casório, João da Graça (Zé das Bordoeiras) e ainda por outros tipos, foi muito mais correcto, segundo nos dizem, e isso lhes valeu os unânimes aplausos da plateia. As músicas, apesar dos poucos ensaios e de terem sido cantadas a medo, sairam muito regularmente. E acabou-se o 1o acto.

No segundo representa-se a comédia Republica das Letras, em que toda a petizada trabalha, e que pela segunda vez se pôs em cena. Os nóveis actores fizeram o que puderam, e os espectadores aplaudiram-nos com entusiasmo. Neste intervalo, o sr. Luiz Pinto, um simpático amador dessa cidade, recitou com certa correcção o monólogo dramático O Piloto, e a poesia Quando eu morrer. Luiz Pinto colheu bastas palmas da plateia Seguiram-se as comédias Casamento do Alto Vareta e Lutas civis, cujo desempenho não desmereceu em nada a boa interpretação que os diferentes personagens deram aos seus papéis no espectáculo em que debutaram. Na primeira destas comédias temos a sobressair Joaquim Terreiro no seu papel de Maria das Dores, João de Oliveíra no Alto Vareta, Fernando Pereira na pretenciosa Joana, António Broeiro no João (cabo de esquadra) e Jaime no surdo mestre Joaquim; os outros rapazes não desmancham o conjunto, dando por isso lugar que às situações mais engraçadas da peça se imprimisse bastante relevo.

Nas Lutas Civis, comédia drama cuja acção se passa nos arredores de Coimbra, dá-nos Fernando Pereira um tipo original de criado de moinho, a quem só dá prazer o pouco trabalho, e que tem por lema fazer no outro dia aquilo que não se fizer em dia de Santa Maria... Joaquim Terreiro, um dos pequenos que mais aptidões cénicas revela, disse muito bem o seu papel de Maria, filha do pobre veterano Jácome, a que João de Oliveira dá certa naturalidade, conquanto o género deste papel não seja o que mais lhe está a carácter. Os outros personagens também se sairam muito regularmente.

Eis, em massadoras linhas, a nossa opinião sobre a parte dramática do espectáculo. A parte musical, executada por um grupo de rapazes daqui, foi ouvida com agrado geral, sendo feliz a escolha das músicas que formavam o programa, e que alcançaram dos assistentes várias salvas de palmas, especialmente Una broma, jota lindíssima de Simões Barbas, e a mazurka Succés, de Backman, que foram tocadas com mimo e gosto pouco vulgares nos grupos musicais desta minha terra. Eram festas teatrais assim que desejariamos ver realizar frequentes vezes, mas é certo que a boa vontade que as leva a efeito também é gasta por muitos dissabores que se recebem durante a luta... Isto, infelizmente, é uma triste verdade... E ponto neste assunto.

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