sábado, 14 de setembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 40

       E no dia 30 de Junho, o Grupo Musical também foi à Figueira representar, no Parque Cine, a opereta Mãe Maria. Conforme o nosso jornal noticiou, tivemos no domingo passado, no teatro Parque-Cine, a representação da opereta em 3 actos A Mãe Maria, original de Raul Martins, com versos de Antonio Amargo e musica de Herculano Rocha.
         A acção é rasoavel, bem conduzida, e, para não fugir à tradição das peças do genero, é passada numa aldeia do verdejante Minho.
         O enrêdo não é de todo vasio de intuitos. Consegue conquistar desde o começo a atenção do publico, mantendo-se o diálogo animado, natural e sugestivo, especialmente quando entra a Mãe Maria e o Prior.
         Nota-se, contudo, uma sensivel falta de observação psicológica que embora não seja de gravidade, é deveras lamentavel.
         O prior não desempenha ali o papel que aos padres está confiado na terra.
         Anda na pandega, bebe rasoavelmente, e chega a sustentar conversas pouco correctas com uma caricata velhota, censurando-a ironicamente e troçando-a – o que não é, positivamente, o dever dum padre. E a mais rudimentar logica não permite aceitar como verosimil que o prior duma aldeia minhota ande a peitar este ou aquele para tirar um desforço violento do boticario e do sacristão, por estes terem tido o desplante de escreverem umas declarações d’amôr a uma sua irmã – como absurdo é alguns dos freguezes deste prior tratarem-no por tu, com uma familiaridade inadmissivel para quem conhece os usos e costumes das boas terras d’Entre-Douro-Minho.
         Em suma: O sr. Raul Martins creando d’est’arte o prior da sua peça, deu-nos claramente a perceber a falta total de informação religiosa que domina o seu, aliás, inteligente espirito.
         A missão do sacerdote não comporta, certamente, dentro dos fins da paz e amor que a orientam – o perfil moral do seu inverosimil prior que... apenas se sabe que o é por envergar em scena as vestes talares.
         Apesar disso é “A Mãe Maria” uma peça interessante, devendo, contudo, dizer que esperavamos melhor, mesmo muito melhor – dada a impressão que nos deixou a representação da opereta dos mesmos auctores “A noite de Santo António” que tem sobre esta evidente superioridade de urdidura e de tecnica.

         Não esperavamos, evidentemente, uma obra-prima, mas não previamos que, sobretudo, os versos de “A Mãe Maria”, - fossem duma tão manifesta inferioridade em relação aos da “Noite de Santo António”. Quasi que não parecem do mesmo auctor, poeta brilhante e de destra cultura.



Foto de Mãe Maria

         Quanto ao desempenho, destacamos em primeiro logar, Violinda Medina, no papel de Mãe Maria que desempenhou com um á-vontade e uma perfeita correcção, que vieram confirmar os seus anteriores triunfos scenicos. A sua voz é como que um veio de agua cristalina, murmurando suavemente por entre fraguedos, modulando o canto com um raro e precioso sentimento que muitas artistas profissionais, certamente, invejariam. É, sem duvida, uma muito distincta amadora que honra, sobremaneira, Tavarede.
         Adriano Silva no Bento Boticário satisfez-nos plenamente, como amador seguro, dizendo com graça e naturalidade. Egualmente Manuel Nogueira no Antonio Sacristão foi um comico impagavel, conquistando a simpatia do publico pela vida invulgar que imprimiu ao papel.
         É sem a menor duvida um dos melhores elementos do seu grupo scenico.
         Raul Martins, pela forma como se houve no Morgado, bastaria para, com Violinda Medina, salvarem a peça, se ela não tivesse outros méritos.
         Foi o correcto galan de sempre, vincando com certeza e consciencia o seu logar.
         Manuel Cordeiro, bem. É um novo nas lides de Talma, mas com marcada propensão para a scena e dotes muito apreciaveis.
         De Jorge Medina, sómente diremos que “filho de peixe sabe nadar”... Recordámos com saudade seu pae, o malogrado José Medina, cuja boa tradição ele já sabe honrar, registando nós com aprazimento os seus constantes progressos.
         Clarisse Cordeiro apesar das suas reaes aptidões para o teatro não poude brilhar no papel de Berta como poderia, pois a sua voz não lhe permitiu dar o relevo preciso. Tem, porem, uma boa dicção e pisa o palco com natural despreocupação.
         Os restantes, João Nogueira no Ricardo; Antonio Medina no Mordomo e Helena Gomes na D. Ana, encarnaram bem os seus papeis, não desmanchando o conjuncto.
         Os córos geralmente bons; homogeneos e com forte sonoridade tendo, por vezes, deslises sensiveis mas facilmente remediaveis para o futuro.
         A musica, ligeira, viva e alegre, dispondo bem o publico. Os scenarios agradaram.
         O que, porventura, não agradará é esta nossa critica aos distinctos amadores de Tavarede... Notámos deficiencias, aliás bem naturaes – mas se acharem o nosso juizo parcial ou incompetente – o melhor é recorrerem a qualquer critico amigo que lhes teça o panegirico na Pagina Teatral de “O Século”. Já agora! Visto que entrou em moda....

         Um breve comentário nosso. A crítica acima foi publicada no mesmo jornal que publicou as críticas ‘venenosas’ contra a Sociedade. Por outro lado, esta opereta só foi representada uma única vez e na Figueira. Encontrámos algures a informação de que o palco da sede do Grupo não tinha condições para a montagem da mesma. Não deixa de causar estranheza o facto de se ensaiar uma opereta, cuja montagem não deveria ser barata, para dar uma única representação! Mas, assim aconteceu.

         A imprensa figueirense, e curiosamente não eram unicamente os correspondentes locais, tomou partido pelas duas associações locais. Na ‘Voz da Justiça’ a Sociedade de Instrução, sempre no seguimento da linha anteriormente tomada, era defendida, com unhas e dentes das bicadas que lhe davam, tanto O Figueirense como o Jornal da Figueira, os quais, além destes ataques, louvavam generosamente o Grupo Musical. Mas não o faziam desinteressadamente, como veremos.

         A tuna do Grupo, que tão apreciada e requisitada havia sido, desorganizou-se, certamente em consequência dos graves problemas existentes na sua colectividade. Mas, tendo sido requerida a sua participação para abrilhantar umas festas na Martingança, conseguiu-se a sua reorganização, sob a direcção e regência do tavaredense José Francisco da Silva, o qual teve de recorrer à participação de diversos músicos afectos à Sociedade. A deslocação teve lugar nos primeiros dias de Outubro de 1929, embora com o nome de Tuna de Tavarede. Foi motivo de uma pequena polémica, pois enquanto uns jornais anunciavam a deslocação do Grupo, outros assumiam posição contrária. Foi o referido regente que veio a público, para afirmar que, embora fossem utilizados os bonés, levado o estandarte e tocado o hino do Grupo, todos os componentes tinham concordado em formar uma tuna da terra, apartidária das associações. Recordamos que foi no regresso desta deslocação, que os excursionistas passaram pelo Mosteiro da Batalha, onde deixaram uma placa evocativa da sua passagem. Ainda há relativamente pouco tempo, esta placa estava colocada numa parede junto ao sepulcro do ‘soldado desconhecido’.


         O teatro continuava activo. A Sociedade, após uma série de espectáculos com A cigarra e a formiga, fez a reposição de O sonho do cavador. Mas já foi diferente da primeira versão. A censura começara a sua nefasta acção e grande parte dos números originais foram censurados. A peça, com os quadros riscados com o célebre lápis azul, encontra-se no antigo escritório de Mestre José Ribeiro. Embora mantendo o enredo inicial, novos números foram escritos e musicados para substituição dos eliminados. O êxito da peça, porém, manteve-se.

Sem comentários:

Enviar um comentário