sábado, 30 de abril de 2011

Almeida Cruz



Amanhã, 1º. de Maio, António Almeida Cruz, nascido na nossa terra, completaria 132 anos. É uma efeméride a recordar. A nota abaixo copiei-a do Album Figueirense.


Quando comecei a frequentar a Escola Industrial Bernardino Machado, estava ela instalada na casa do Paço. Foi isto por volta de 1898; não tinha eu ainda 10 anos.

Em contacto directo com os alunos, havia ali dois modestos funcionários, nos quais tanto a figura como o temperamento contrastavam. Um era o senhor Sampaio, tipo baixo e gordo, de bigode rapado e suiças negras, tão pachorrento nas falas como nas passadas; o outro era o senhor Cruz, magro e vivo, de bigode quási branco, homem sem papas na língua, a quem mais familiarmente tratávamos por senhor José Maria.


De quando em quando, a-propósito de nada, explodia entre os dois uma altercação que era sempre passageira. A política também os separava; mas ambos eram bons, e igualados, a final, pela estima e pelo respeito que os alunos a um e a outro devotavam.


Frequentei a Escola Industrial até 1903 ou 1904, e foi dentro dêsse período que se fez a sua transferência para o actual edifício dos Paços do Concelho. Emquanto por lá cabulei, não conheci outros funcionários.


Ora, foi pouco depois dessa mudança, que o senhor José Maria, residente em Tavarede, de onde vinha tôdas as noites desempenhar as suas funções na Escola, viveu alguns dias de inquieta saudade pelo filho que abalara para Lisboa, disposto a abraçar a vida artística que o seduzia. Embora fôsse com o seu consentimento que êste resolvera dar tal passo, nem por isso o seu coração de pai se resignou fàcilmente com a ausência de quem tanto estremecia. E através dos desabafos que lhe escutei nos intervalos das aulas, algumas lágrimas lhe vi enxugar quando mais enternecidamente falava do filho querido, ansioso por ver confirmadas quantas esperanças êle levara no êxito e na glória; assim como vive ainda na minha lembrança a satisfação com que o bom José Maria nos deu conta das primeiras notícias que recebera, confortadoras pelo entusiasmo com que o filho lhe confessava o sucesso dos seus primeiros ensaios. Também então, mas de júbilo, algumas lágrimas orvalhavam o seu lenço tabaqueiro.


O filho do senhor José Maria, que à arte se quis dedicar, era o hoje consagrado tenor e ilustre artista Almeida Cruz. Contava então êste nosso conterrâneo 22 anos de idade. Dotado de muitas aptidões artísticas, senhor de boa figura, insinuante pelo aspecto e pelas maneiras, êle fôra naqueles últimos tempos quem mais realçara na boémia figueirense, sempre farta de episódios.


Prestigiava-o sobretudo a sua voz maravilhosa, rica de plasticidade e de timbre, que nas serenatas da época marcava com excepcional fulgor. O privilégio de tal voz envaidecia a Figueira, e a sua presença era disputada por aquêles que no bom canto encontravam precioso deleite. Algumas vezes, nessas noites já distantes, interrompi o sono para o ouvir, mercê do empenho que fazia em se deliciar com suas cantigas o meu vizinho no Largo Luiz de Camões, dr. Joaquim Lopes de Oliveira.


Com tais predicados, a admiração que Almeida Cruz inspirava não podia circunscrever-se aos escassos limites dêste burgo mondeguino, e por isso êle foi também um valioso colaborador da boémia coimbrã. Foram muitas, na cidade da linda Inês, as tertúlias e as festas em que figurou, quer de futricas, quer de estudantes, no antigo teatro da Rua da Trindade.


O famoso “Pad’Zé” a cada passo solicitava a sua companhia; e foi por direito legítimo que Almeida Cruz alcançou o título de Presidente da Associação dos Depenados do Distrito de Coimbra. Cumpria a estes assoaciados a cotização semanal de... cinco réis, que conjuntamente rehaviam com juros... de boa pipa, numa ceiata económica em taberna pataqueira, logo que a verba o permitia. Mas Almeida Cruz nem essa mísera cota lograva satisfazer... Se aqui tentasse referir os seus feitos mais notáveis nessa época divertida, êste número do Album Figueirense incharia como um volume. Boémio perfeito, por temperamento e conduta, Almeida Cruz foi, incontestàvelmente, a figura de maior relêvo na estúrdia figueirense dos últimos anos do século passado. E nessa aura singrava, quando...

Em Agôsto de 1901, passou pela Figueira, numa volta pela província, a companhia do Teatro da Trindade, dirigida por José Ricardo, e o nosso Príncipe D. Carlos encheu-se três ou quatro noites para se apreciarem algumas das melhores operetas do seu repertório. Acabadas as récitas, os artistas da companhia procuravam no restaurante Barba-Azul a confortadora ceia da praxe.


Era, pois, neste centro da boémia figueirense que, numa das últimas noites de espectáculo, os artistas alfacinhas ceavam alegremente, divididos por dois gabinetes. Num abancava José Ricardo com Amélia Loppícolo, António Gomes, do Trindade, a actriz Estefânia e o actor Gervásio; no outro, arranchava o empresário Gouveia (sócio de José Ricardo na Emprêsa José Ricardo & Gouveia, que então explorava o “Trindade”) com as actrizes Isaura e Rosa Pereira, o maestro Tomaz Del-Negro e o actor Firmino João Rosa.


A preseença dêstes artistas no Barba-Azul fizera que ali confluisse a fina flor da rapaziada. Era noite de gala para os boémios da terra. Havia luar; cheirava a madressilva; e no pátio beberricava-se e petiscava-se por todos os cantos. A certa altura surgiu um grupo, que rodeou o cego Monteiro, guitarrista afamado de Coimbra. Era o Pad’Zé com com Almeida Cruz e o dr. Zé Pinto. Estralejava a chalaça.


O cego dedilhou a guitarra, e, na estridência das suas cordas, o fado, tomando colorido, refulgia por entre o claro escuro das sombras caprichosas que o seguiam nos bordões tangidos por Almeida Cruz na sua tiorba sem par. Mas logo a voz poderosa e doce dêste nosso patrício eclipsou tais efeitos.


Almeida Cruz, que só cantava fados seus e músicas suas, soltou aos ares uma canção. A assistência entusiasmou-se, e, quando amigos e admiradores vivamente o aplaudiam, abriu-se a porta dum gabinete e alguém procurou conhecer, cheio de interêsse, quem possuía a primorosa voz que assim arrebatava. Era o actor Firmino Rosa. Feita a apresentação, Almeida Cruz voltou a cantar; mas não tardou que Firmino, maravilhado por tão imprevisto quão feliz encontro, o apresentasse, por sua vez, aos demais companheiros.


O primeiro a quem aquêle actor o apresentou foi o empresário Gouveia, preferência de que José Ricardo não gostou, porque já nessa altura se esboçava entre êle e o sócio a desinteligência que havia de separá-los. Mas entre aquêle empresário e José Ricardo, como em tôda a companhia, foi unânime o acôrdo sôbre o mérito do nosso conterrâneo, sôbre as faculdades da sua voz extraordinária, e em volte de Almeida Cruz tôda a noite rodopiavam os elogios e as sugestões para que seguisse a vida artística, onde todos lhe prediziam um triunfo glorioso.


Se os elogios, por virem de quem vinham, eram autorizados e conscienciosos, as sugestões eram pertinazes e convincentes.


Aquela noite foi decisiva para o estimado boémio, que às serenatas da Figueira imprimira um brilho jamais igualado; e quando, de madrugada, Almeida Cruz deixou a camaradagem daqueles artistas, havia anuído já, por insistência do empresário Gouveia, a comparecer na tarde seguinte no Hotel Aliança, onde a companhia estava hospedada, para fazer, ao piano, mais completas demonstrações da voz.


Á hora aprazada não faltou no hotel, onde o aguardavam alguns artistas com o maestro Tomaz Del’Negro. Levava as músicas que compusera, mas porque estavam escritas na clave de sol, para violão e canto, não serviam para a experiência. O ilustre maestro apressou-se, porém, a dispensá-lo das demonstrações, que reconhecia desnecessárias, e limitou-se a apontar a lápis algumas notas nas composições de Almeida Cruz, que êste distinto figueirense conserva como recordação do seu primeiro passo para a vida artística. Ali se assentara, finalmente, na sua ida com a companhia para Lisboa.


E foi assim, depois de tranquilizados os pais pelo compromisso do empresário Gouveia, tomado perante o padrinho de Almeida Cruz, Doutor António Lopes Guimarãis Pedrosa, de fazer tôdas as despezas com a experiência combinada e de o repor sob as telhas paternas se o êxito não confirmasse o vaticínio de todos, que, dois dias depois dessa última noite de boémia no afamado Barba-Azul, o nosso glorioso patrício deixou definitivamente a terra natal para iniciar a carreira em que depressa conquistou, através dos mais brilhantes triunfos, o primeiro lugar entre os tenores portugueses.

António Maria Monteiro de Sousa de Almeida Cruz nasceu em Tavarede no dia 1 de Maio de 1879, e é filho de José Maria de Almeida Cruz e de D. Maria Guilhermina Monteiro de Sousa e Cruz.


A sua inclinação para o teatro manifestou-se cedo. Tinha apenas 9 anos quando representou pela primeira vez em público. Foi no Casal-da-Fonte, freguesia de Lavos, em casa do Dr. Lopes, numa récita carnavalesca, com a cena cómica Um Alho. O ilustre artista ainda hoje revive o insucesso inesperado dessa verdadeira... alhada.


Antes da sua altura de subir ao estrado, garganteou uns fadunchos o dr. Jaime da Guitarra, conhecido boémio que era Administrador do Concelho, na Figueira. Os aplausos foram fartos. O jovem estreante partilhou do entusiasmo do público, e, sentindo receio de não fazer boa figura, disse aos pais que já não recitava.


Para vencer tal teimosia, teve a mãi de lhe pregar um sopapo, e a cena-cómica Um Alho, dita ainda a choramingar, teve daquela vez o sabor dum alho...chocho.


Aos 13 anos, num teatrito da segunda travessa da Rua das Rosas, em récita dos alunos da escola do saudoso Joaquim Evangelista, onde estudava, desempenhou em travesti o papel de Dona Ana na comédia em um acto Não subas as escadas às escuras.


Em 1895, foi Almeida Cruz para Coimbra assentar praça no Regimento de Infantaria 23, como aprendiz de música, e ali tomou parte numa festa promovida por sargentos no teatro “dos Bôrras”, cantava fados e modas da sua autoria, por êle próprio acompanhadas a violão.


Com 18 anos, em Tavarede, no teatrinho do Paço do Conde, desempenhou o papel principal da comédia Atribulações dum estudante. Pela mesma altura representou também neste teatro e no teatro Duque, de Buarcos, a comédia Médico à força.


Em 1898 embarcou para Luanda, com colocação prometida na casa Lopes Ferreira & Cª., pertencente a dois figueirenses. Quando, porém, um dêstes patrícios lobrigou na bagagem do recém.chegado uma rabeca e um violão, torceu o nariz com suspeitas do hereje, que assim mostrava pecar contra a boa ortodoxia do comerciante pragmatista, pé-de-boi, incompatível com quaisquer pruridos de literatura ou de arte, e vedou-lhe as portas do seu estabelecimento, colocando-o na Companhia do Gás, daquela cidade, onde Almeida Cruz foi desempenhar as funções de inspector. Mas a tolerância do gerente da Companhia emparelhava com a do bemquisto comerciante, e pouco tempo ocupou o lugar. Em face da hostilidade daquele meio comercial, abalou para Catumbela, onde foi guarda-livros da casa João J. Branco & C.ta.


Ao cabo de treze meses, por não lhe serem propícios os ares coloniais, regressou à Figueira. Não deixou, todavia, nesse curto período, de mostrar por lá as suas aptidões artísticas. No teatro de S. Paulo, daquelq cidade ultramarina, representou, com êxito notável, as comédias Lição para noivos e Atribulações dum estudante, e no teatro de S. Filipe, de Benguela, também representou várias vezes esta última, e cantou, com muitos aplausos, inspiradas modas, entre as quais uma chamada As minhas vizinhas, que ali se tornou predilecta.


Em 1900, no antigo teatro “do Celeiro”, de Buarcos, fêz o trabalhoso papel de Pedro no drama O coração dum bandido, representou as comédias História dum pataco e Quero falar à Srª. Queiroz, e a farsa O santo fingido, da autoria do pai do artista. No mesmo teatro e pela mesma altura foi também Almeida Cruz o ensaiador dum grupo cénico feminino, no qual começavam a revelar seus méritos as apreciadas amadoras Mabília Guerra e Maria Vieira.


No Natal do mesmo ano desempenhou o papel de pastor no Auto do Menino Jesus, nos teatros de Tavarede e Buarcos.


Tomou parte na inauguração do teatro de Brenha, e poucas foram as récitas de amadores dadas por êsse tempo nos teatros da Figueira, Buarcos e Tavarede a que êle não levasse a sua valiosa colaboração.


Também ao teatro de S. João-do-Campo ficou ligado o seu nome, quando o prestidigitador Hermann ali foi exibir as suas habilidades. O nosso conterrâneo completou o espectác ulo com a apresentação de um grupo musical de Tavarede, que dirigia.


No seu regresso de África, Almeida Cruz também se dedicou ao magistério. Foi o primeiro professor da Escola Nocturna Popular Bernardino Machado, em Buarcos, fundada pelo saudoso benemérito e democrata Fernando Augusto Soares. A posse foi-lhe dada pelo próprio patrono da escola, dr. Bernardino Machado, que presidiu à festa da sua inauguração.


Em 1894 foi para Guimarãis empregar-se na da Casa Noiva, e em 1897, na Figueira, esteve no escritório da Companhia do Gás e da Água, e também passou, como eu, que estas linhas subscrevo, e tantos outros, pelos escritórios da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta, êsse refugium peccatorum da rapaziada figueirense. Embora fôsse sempre cumpridor nos seus empregos, o seu temperamento boémio e artístico em nenhum deles se acomodava. Outras tendências o impeliam; outra vida lhe estendia os braços carregados de aplausos.

São estes os traços principais da vida de Almeida Cruz antes de iniciar a sua brilhante carreira no teatro musicado português. A sua estreia profissional fêz-se com invulgar sucesso no teatro da Trindade, em Lisboa, na noite de 19 de Setembro de 1901, com o desempenho do papel de Nicolau, na opereta Os Sinos de Corneville; e, através das trezentas personagens que nestes 36 anos tem interpretado, sempre o ilustre figueirense triunfou.


Mas as referências à sua gloriosa vida de artista terão de ficar para outra vez, dada a extensão que já leva este artigo.



por Fernandes da Silva


(de Album Figueirense)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Primeiro de Maio e Os Inseparáveis

No dia 1 de Maio de 1971, em “reunião de saudade”, na sede da Sociedade de Instrução Tavaredense, juntaram-se, para recordar tempos idos, os componentes do Grupo Os Inseparáveis ainda vivos e alguns convidados.


Do programa, distribuido aos presentes, constava uma romagem ao cemitério para deposição de flores nas campas de “Os Inseparáveis” já falecidos, seguindo-se o tradicional almoço de “raia de pitáu com batatas cozidas”.


Como introdução ao programa, escrevi, então, a seguinte “Evocação”:

“... já a música afinou os instrumentos. Potes floridos riem e bailam nas cabeças das raparigas. O ar está cheio de cor e de perfumes. Formou-se o cortejo. Tudo pronto!... Vamos! Vamos! Siga o rancho até à fonte, a cantar e a dançar e a dar a volta à Figueira!... Lá vai! Lá vai o Rancho do 1º. de Maio, lá vão os potes floridos da terra do limonete!... (De “O Chá de Limonete”)

Esta era uma das tradições do 1º. de Maio da nossa terra. Outra. também este dia, era o da reunião de “Os Inseparáveis”. Também tínhamos foguetes!... Também tínhamos música!... Mas, sobretudo, tínhamos a alegria, filha de uma sã e indesmentível amizade.

Depois do almoço, na quinta do sr. José Duarte


Sempre desejado por todos, ainda o sol não era nascido já nós acorríamos ao local da reunião, na esperança de mais um dia feliz. E essa esperança, ano após ano, sempre se tornou uma realidade.


Acabou o grupo! Porquê?... “Os Inseparáveis”, desmentindo o seu nome, separaram-se porque foram vencidos pela morte. Partiram alguns para a grande viagem sem fim. Era impossível a continuação sem eles.


Hoje, resta-nos a saudade. E foi essa saudade que deu origem a esta reunião. Vamos visitar, à sua eterna morada, os nossos queridos companheiros já falecidos. As flores da nossa terra, desta Tavarede que eles tanto amaram como nós amamos, serviam neste dia para enfeitar os “potes floridos”. Servem-nos agora para testemunhar a nossa saudade. Depondo-as sobre as campas dos que já partiram e evocando a sua memória, confirmamos que a amizade, tal como a saudade, ainda existe porque é eterna.”

Deixo aqui, e antes de resumir a história do grupo, o nome de todos aqueles que, por mais ou menos tempo, fizeram parte de “Os Inseparáveis”:

“Adriano Augusto Silva, Alexandre Simões, Alberto Ferrão, António Augusto de Figueiredo, António Migueis Fadigas, Augusto Marques Pereira, Augusto da Silva Jesus, César Fernandes, Elói Domingues, Fernando Machado, Fernando Severino dos Reis, Fernando da Silva Ribeiro, Francisco de Carvalho, Isolino da Silva Proa, João Medina, João Nogueira e Silva, João Renato Gaspar de Lemos Amorim, João da Silva Cascão, Jorge Medina, José Fernandes Mota, José Francisco da Silva, José Nunes Medina, José Russo, Manuel Duarte Gomes, Manuel Fernandes Pinto, Manuel Nogueira e Silva, Manuel de Oliveira Cordeiro, Olívio Domingues, Pedro Nunes Medina, Ricardo Nunes Medina e Virgílio Ramos”.

Destes, restam ainda vivos, felizmente, cinco: Fernando Machado, Manuel de Oliveira Cordeiro, Olívio Domingues, Ricardo Nunes Medina e Virgílio Ramos.


Como começou?


Em meados dos anos vinte, meu pai, Pedro, e seus primos Jorge e João Medina, resolveram criar o costume de fazerem uma almoçarada no dia 1º. de Maio. Almoçar e confraternizar nesse dia festivo. Logo no primeiro ano chamaram para junto de si o irmão e primo Ricardo, ainda sem idade para trabalhar e, portanto, como convidado.


Estabeleceram desde logo a tradição do principal prato do almoço ser “raia cozida com molho de pitáu”. Vendo o prazer e satisfação daqueles familiares ao combinarem todos os pormenores, a irmã e prima Violinda, um pouco mais velha, logo se dispôs a lhes proporcionar uma singela sobremesa do tradicional arroz doce.


Mas eram poucos e, tendo tantos e tantos amigos seus conterrâneos, familiares ou não, logo nos anos seguintes, uns por convite e outros por iniciativa própria natural foi o aumento do grupo.


Não há elementos que permitam estabelecer a composição do grupo nas diversas reuniões. Para esta compilação, socorri-me do meu tio Ricardo (um dos cinco sobreviventes) e das fotografias, bem velhinhas, que existem.


Alvorada, na Rua Direita


Tomaram o nome de “Os Inseparáveis” e, efectivamente, formavam um grupo em que a amisade era nobre e verdadeira. Como exemplo, anota-se que, houve dois casos de conterrâneos inscritos mas que só lá estiveram um ou dois anos. Os seus feitios não se coadunavam com o espírito de “Os Inseparáveis” e, antes que houvesse problemas indesejados, foram convidados a abandonar o grupo.


Quando começaram a ser sete ou oito, houve que fazer algumas alterações ao sistema anterior. A raia de pitáu e o arroz doce já era pouco. Contrataram uma cozinheira: a Alice Fernandes, irmã do César. Consigo, e como ajudante, levou o Fernando, ainda muito novo e que, como paga do seu trabalho, participava nos “comes e bebes” gratuitamente, isto até se tornar sócio efectivo.


O “menú” foi reforçado. Além da raia, que sempre foi o prato forte, passou a haver ao almoço um prato de carne, normalmente bifes de cebolada.


Para o financiamento das despesas cada sócio comparticipava com uma quota semanal de um escudo (dez tostões!), o que dava cinquenta e dois escudos por ano e por sócio. Pois com este valor compravam o necessário para o pequeno almoço, almoço e jantar. E como compravam sempre os géneros em abundância, ainda iam jantar no dia seguinte. Era sempre uma fartura!


E como passavam o dia?


Manhã cedo, a alvorada. Foguetes e fanfarra na rua, acordando alegremente a aldeia com o acorde das violas, flauta, bandolim e outros instrumentos.


Seguia-se o pequeno almoço. Pão acabado de sair do forno, manteiga, café com leite...


Eram, então, distribuidas as tarefas: uns iam ao mercado, à Figueira, fazer as compras, outros preparavam as instalações. Nos últimos anos era em casa do Zé Duarte, pai do sócio Manuel, que a cedia de boa vontade. E nos dias de sol, o almoço era na eira, da parte de cima da casa, onde, perto, havia um enorme pinheiro manso, que dava uma sombra mesmo convidativa.


Depois do almoço havia que fazer a digestão: “bem digerir o que bem comeram e melhor beberam...”. Jogos de futebol, jogos de malha, sestas, cartas tudo servia para passar a tarde alegremente. Várias fotografias recordam estas tardes!


Chegada a hora do jantar, eis que se sentavam à mesa, prontos para o ataque. O almoço já lá ia. Arroz de ervilhas com galinha, coelho à caçador, era o costume. Mais sobremesa. Mais uns copitos. E, claro, para enfrentar a noite que ia caindo, nada melhor que uma “garujada”. E voltavam as violas, guitarras e bandolins a serem dedilhados. Não demorava muito para que meu tio José, músico de alta craveira, levantasse os braços para reger o orfeão. Bem afinadinho que, nessas coisas, ele não era para brincadeiras...


Lá vinha o “alecrim do monte”, a “menina Luísa” e outras tantas que faziam parte da tradição musical de Tavarede, terra de músicos como agora, infelizmente, não há.


Era já noite alta, madrugada adentro, quando tocava a dispersar. Um último copo e, até amanhã ao jantar, para acabar com as sobras e fazer as contas. Os cinquenta e dois escudos, que cada um pagava de quota, davam e sobravam.


E ao despedirem-se, na sua maioria visinhos de todos os dias, fazia-se a habitual promessa: “P’ró ano cá estaremos!...”

O PRIMEIRO DE MAIO DE TAVAREDE


Pote Florido -



P’ra saudar Maio florido,
Tão propício aos namorados,
Vem o cortejo garrido
Com seus potes enfeitados!

E as alegres raparigas,
Contentes com seus amores,
Enchem o ar de cantigas
E do perfume das flores...

E o pote de barro
Tremendo no ar,
Parece bailar
Alegre e bizarro,
Parece brincar
Co’a moça travessa
Que o leva à cabeça,
Feliz, a cantar...

É amanhã o 1º. de Maio. E então as raparigas correm os quintais, vão às leiras ajardinadas, e de toda a parte trazem flores!

Deixando o seu pote enfeitado, a cachopinha foi deitar-se; mas passou a noite em claro, a pensar na alegria da manhã que vai nascer... Ainda escuro, salta da cama, veste a saia ramalhuda e a blusa de rendas, põe na cabeça o cachené lavrado, e pega no cântaro florido, que cheira que consola! Ainda vem longe o dia, mas são horas de ir chamar as mais: - Ó Rosa! Ó Maria José! Ó Joaquina! Vá depressa, raparigas! Daqui a pouco nasce o Maio, e se ele dá com vocês na cama, já sabeis o que vos faz: deixa-vos amarelas todo o ano! Olha, ali vai o Manuel c’o violão... Avia-te, rapaz, que já lá estão os outros... Eia! Aí vem a Laura, mais a Anita, e a Augusta e a Teresa...

Já a música afinou os instrumentos. Potes floridos riem e bailam nas cabeças das raparigas. O ar está cheio de cor e de perfumes. Formou-se o cortejo. Tudo pronto!... Vamos! Vamos! Siga o rancho até à fonte, a cantar e a dançar e a dar a volta à Figueira!... Lá vai! Lá vai o rancho do 1º. de Maio, lá vão os potes floridos da terra do limonete!... (Mutação - Sobre um fundo azul, à luz ainda baça dum alvorecer que apenas se adivinha, mal se destacam os contornos da paisagem. Dois motivos dominam o quadro - uma fonte rústica onde a água não deixou de cantar, e o Sol, emergindo por detrás dos montes distantes. Ouve-se o rancho cantando ao longe a sua marcha tradicional do 1º. de Maio - Só vós ó belas... - enquanto o Sol vai subindo e doirando o ar. As vozes estão já muito perto; distingue-se o toque das rabecas, da flauta e dos violões. Todo o Sol se mostra já, redondo e brilhante, e a fonte está agora em plena luz, - e é quando entra o rancho cantando: - Viva o Maio! Viva o Maio! À frente da tuna o rapaz da pandeireta, depois as raparigas levando à cabeça os potes enfeitados, cada uma com seu rapaz ao lado. O rancho, sempre cantando, deu a volta e seguiu seu caminho, perdendo-se as vozes na distância...)


Espetáculo na SIT - 4.2.2004


Da peça 'Chá de Limonete - 1951 - José da Silva Ribeiro

sábado, 23 de abril de 2011

Carlos Lopes Pinto



Natural da freguesia de Tavarede, nasceu a 19 de Outubro de 1927, filho de António Lopes Pinto e de Carmina Pinto. Casou com Arcelina Domingues e teve dois filhos, Carlos e Fernando.


Faleceu no dia 10 de Fevereiro de 1998.


Durante vários anos pertenceu aos órgãos sociais da Sociedade de Instrução Tavaredense, onde desempenhou o cargo de presidente da Direcção nos anos de 1979 e 1980 e de presidente da Assembleia Geral em 1995 e 1996.


Também fez parte do grupo cénico, embora com uma participação muito breve.


Residia no Vila Robim e, profissionalmente, foi técnico de contas.

Caderno: Tavaredenses com história

Guilhermina da Silva Oliveira Neves Cabral

Em 'As duas comadres', da peça 'Sonho do Cavador' - 1928




Natural de Tavarede, filha de Gentil da Silva Ribeiro e de Emília Coelho de Oliveira, nasceu no ano de 1911. Casou, em primeiras núpcias, com João Nunes e, enviuvando, fez segundo casamento com o Eng. Henrique Neves de Cabral, tendo uma filha, Manuela. Faleceu a 26 de Maio de 2001.

Começou a participar no grupo cénico da SIT em 1924, na opereta Noite de S. João, e até 1937, ano em que abandonou a actividade teatral, entrou em diversas peças como Grão-Ducado de Tavarede, Em busca da Lúcia-Lima, O Sonho do Cavador, A Cigarra e a Formiga, Noite de Agoiro, As pupilas do Senhor Reitor, Justiça de Sua Majestade, As tês gerações, Canção do Berço, O Grande Industrial, etc.

Sócia honorária da colectividade em 1929.

Seu marido, Engº. Neves Cabral (1891-1968), também prestou relevantes serviços a esta associação, que, em 1933, lhe concedeu o diploma de sócio honorário.

Caderno: Tavaredenses com história

Manuel de Oliveira (Támau)

Tocando viola num cortejo na Figueira



Natural de Tavarede, filho de Sebastião de Oliveira e de Carlota Vaz dos Santos, Casou com Maria Silva Oliveira e teve três filhos, Helena, Joaquim e Adelino. Morreu em Maio de 1964, com a idade de 72 anos.


Pedreiro de profissão, era vulgarmente conhecido em Tavarede como “Manel Estámau”.
Foi um dos fundadores do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, em Agosto de 1911, ao qual deu a sua colaboração como músico, tocando violão na Tuna. Também o fez, na fantasia “Chá de Limonete”, tocando na tuna que recriava o Rancho dos Potes Floridos do Primeiro de Maio.


Sócio honorário do Grupo Musical em 1937.



Caderno: Tavaredenses com história

Rui Fernandes Martins

Nasceu em Souto, Penedono, no dia 13 de Novembro de 1903, e morreu, na Figueira da Foz, em 5 de Junho de 1974.


“… destacada figura do professorado primário e jornalista vigoroso, sempre fiel ao ideário político a que, muito jovem ainda, se dedicou.


Com 17 anos de idade, obteve o diploma de professor da Escola Normal de Coimbra, com a mais alta classificação do seu curso. Começou por exercer a sua profissão nas regiões de Mortágua, Santa Comba Dão e Arganil, de onde veio, há mais de 40 anos, para a freguesia de Brenha. Depois de passar, também, pela Escola Primária de Tavarede, fixou-se definitivamente na Escola Conde de Ferreira, onde leccionou durante mais de 30 anos.


Paralelamente com a sua actividade de professor, foi elemento preponderante da União dos Professores Primários, revelando-se nos respectivos congressos como um orador entusiasta e intemerato defensor dos mais avançados métodos de ensino, incluindo a escola mista, quase um sacrilégio para a época.


Colaborou em dezenas de jornais portugueses e brasileiros. Deixou publicados: “O esforço português nos descobrimentos, nas conquistas e na colonização”; “Gomes Leal – Breve evocação da sua obra”; “Exortação à mocidade”; “António Aleixo e Calafate – dois poetas do povo”; “A liberdade e os humildes na obra de Eça de Queirós”.


Foi elemento relevante no movimento associativo do concelho, aceitou, por exclusiva intervenção dos seus antigos alunos, a “Ordem de Instrução Pública”, tendo sido também distinguido com a “medalha de Ouro”, de mérito, da Federação das Colectividades de Instrução e Recreio”.


Foi casado com Margarida Gil de Castro, tendo dois filhos, Rui Manuel e José Alberto.


Dedicado de alma e coração ao movimento associativo local foi, durante largos anos, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Boa União Alhadense, da Sociedade de Instrução Tavaredense, do Sporting Clube Figueirense e da Troupe Recreativa Brenhense e presidente da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz.


Na colectividade tavaredense desempenhou sempre uma actividade muito importante, nomeadamente para as obras de reconstrução e remodelação do edifício da sede, inauguradas em 1965, de que foi um dos mais entusiastas elementos.


Caderno: Tavaredenses com história

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Tavarede e a Religião


“... fazemos carta de doação a ti João Gondesindiz do logar de S. Martinho na villa de Tavarede...”




É aqui que aparece, pela primeira vez, o nome de Tavarede “logar de S. Martinho”.





Sabe-se que “a igreja de S. Martinho de Tavarede já existia no século XI, sendo possível, até, que fosse muito anterior (o santo turonense é das mais remotas devoções hispânicas) e tivesse sido destruída pelos mouros e despovoado o seu aro, já que o foi a sua vizinha, de S. Julião da foz do Mondego. O não existir para ela um documento que o diga como há para aquela não prova o contrário, pois podia ter-se perdido, se alguém se ocupava de assinalar o facto”. (Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira).





Na resposta ao inquérito paroquial de 1721 diz-se: “Nesta Igrª. da Freguezia de S. Martinho do Couto de Tavarede Bispado de Coimbra; se achai hum Letereiro posto na Pia da Agoa Benta na porta travessa da mesma Igrª. feito na hera de 1213 annos, que parese ser feita a dita; E litereiro nos principios, que se fes a dita Igrª... Está nesta Igrª. a Reliquia do Sancto Lenho autenticada pello Illmo. Bispo D. An.to de VasConcellos...”





Nas Memórias Paroquiais de 1758, respondendo à pergunta: qual é o seu orago, quantos altares tem, e de que Santos, quantas naves tem...” o pároco respondeu: “Seu orago he S. Martinho Bispo, tem seis altares que são o do orago, o do Santissimo Sacramento, o de Nossa Senhora do Rozario, o de Jesus, o de Martir São Sebastião, e do Senhor das Almas, não tem naves, e só tem huma irmandade do Santissimo Sacramento.





Ainda relativamente à igreja, conta Ernesto Fernandes Thomaz, no seu trabalho Recordações de Tavarede:





A egreja de Tavarede, na sua architectura acanhada e ornatos architectonicos ressentidos do cunho das construcções jesuiticas, é, como todos os outros edifícios, um exemplar dos da época quinhentista. Obedecendo ás pragmáticas e mandados dos frades cruzios, então n’esse caso dominantes, mostra-nos, em um edifício, o obrigativo das suas regras, o seu sello de auctoridade, isto como em tudo que os tivesse de authenticar. Nada sabemos da época precisa da sua fundação.



Um pouco mais adiante, escreve: Devido á obsequiosidade do sr. João Santos, de que já algures fallámos, veio-nos á mão a copia d’uma inscripção que existe no côro da egreja de Tavarede e que reproduzimos:

C O 13
V M

Salvo melhor interpretação cremos que diz: coração de Maria, anno 1:300.



Será esta a era da fundação da egreja, ou a de alguma reconstrucção posterior? Inclinamo-nos mais á segunda das supposições; porque não nos parece plausivel que uma povoação antiquissima de que reza a historia corva da monarchia, estivesse sem um templo religioso até dois seculos depois da sua fundação e demais, em tempo em que a egreja cathequisando e talando montes e valles a espalhar as suas doutrinas em combate ás infieis, não perderia um momento em alçar um campanario aonde houvesse uma lareira - um povo a chamar aos seus reditos.



Em 1565 chegou a Tavarede o pintor Diogo Botelho, afim de pintar o retábulo da igreja de S. Martinho, e no ano de 1600 esta igreja foi tratada por artistas de Coimbra para salvaguardar a decadência da sua capela-mor.



Numa placa, na parede frontal, está gravado: “esta igreja foi mandada construir pelo cabido da Sé de Coimbra com a participação do povo no ano de 1600”. Terá sido mais uma reconstrução.





Mas quem foi S. Martinho que foi escolhido para orago da freguesia?

“Bispo de Tours (actual Szambatkely, Hungria, 316 ou 317 - Candes, França, 8.11.397).
Filho de um oficial do exército romano e nascido num posto militar fronteiriço, após estudos humanísticos, em Pavia, aos 15 anos entrou para o exército quando já a sua vontade o inclinava a fazer-se monge (aos 10 anos inscrevera-se como catecúmeno).
Em Amiens, provavelmente em 338, durante uma ronda nocturna no rigor do inverno encontrou um pobre seminu: não tendo à mão dinheiro para lhe valer, com a espada dividiu ao meio a sua clâmide que repartiu com o desconhecido. Na noite seguinte, em sonhos, viu Jesus, que disse: “Martinho, apesar de somente catecúmeno, cobriu-me com a sua capa”.
Recebeu a baptismo na Páscoa de 339, continuando como oficial da guarda imperial até aos 40 anos. Abandonando a vida castrense, foi ter com Santo Hilário de Poitiers, que lhe conferiu ordens sacras e lhe deu possibilidade de levar vida monacal: nasceu, assim, o famoso Mosteiro de Ligugé.
Em breve ganhou fama de taumaturgo. Eleito, por aclamação, bispo de Tours, foi sagrado provavelmente a 4.7.371.
Ardente propagador de fé, fundou, em Marmoutier, um mosteiro donde saíram notáveis missionários e reformadores. Demoliu templos pagãos e levantou mosteiros como sustentáculos da evangelização. Humilde e pacífico, manteve a sua independência perante o abuso da autoridade civil.
O fascínio das suas virtudes radicadas na generosidade do seu zelo, na nobreza do ser carácter e, sobretudo, na bondade ilimitada mantida para além da morte na prodigalidade dos seus milagres, magnificamente descritas pelo seu discípulo Sulpício Severo, fez com que São Martinho de Tours fosse durante muitos séculos o santo mais popular da Europa Ocidental.
A sua memória litúrgica é a 11 de Novembro”.(Grande Enciclopédia Luso Brasileira da Verbo).

O episódio da capa é popularmente narrado na seguinte versão:

Caminhava um dia o virtuoso santo em direcção á sua cidade de Tours, e tinha já dado aos pobres todo o dinheiro que levava consigo. Apparece lhe no caminho um mendigo andrajoso e faminto, supplicando uma esmola.
Martinho, que não tinha mais que dar, rasgou a meio a capa em que se embrulhava e deu metade ao pobre.
Este, cheio de fome, entrou n’uma locanda e pediu alguma coisa para comer, mas como não tinha com que pagar, deixou em penhor a parte da capa que o santo lhe tinha dado, promettendo vir resgatal-a quando podesse.
O taberneiro atirou desdenhosamente com ella para cima d’uma das pipas d’onde tirava vinho para os freguezes, e passados dias notou com espanto que o vinho não diminuia no casco. Tirando a capa de cima da vasilha, acabava logo o vinho; tornava a collocal-a, e o divino licor jorrava logo espumante da torneira.
Eis porque os amantes do sumo da uva, escolheram para seu patrono o santo e caridoso bispo.(Gazeta da Figueira - 9.Novembro.1907)

No dicionário Focus, encontra-se a seguinte alusão ao santo:

“Como o dia de Todos-os-Santos, é também uma ocasião de magusto, e que parece relacioná-lo originariamente com o culto dos mortos. Mas ele é hoje sobretudo a festa do vinho, a data em que inaugura o vinho novo, se atestam as pipas, celebrada em muitas partes com “procissões de bêbados” de licenciosidade autorizada, parodiando cortejos religiosos, em versão bàquica, que entram nas adegas, bebem e brincam livremente, e são a glorificação das figuras mais notadas da bebedice local, constituidas em burlescas “irmandades”, por vezes uma de homens e outra das mulheres; em alguns casos a celebração fracciona-se em dois dias: o de S. Martinho para os homens, e o de Santa Bebiana para as mulheres (Beira Baixa). As pessoas dão aos festeiros vinho e castanhas. O S. Martinho é também ocasião de matança do porco”.

Também queremos aqui incluir outra lenda sobre o nosso Santo :

A lenda do verão de São Martinho

Resa assim a lenda:
No alto de uma montanha agreste, despovoada e nua, vivia um monge miseravelmente... Alimentava-se de raizes, mortificava-se de jejuns e só de raro em raro descia às aldeias a mendigar... Um ano, porém, o inverno veio cedo, e os primeiros dias de Novembro foram de temporaes pegados, bramiam ventos uivando pelas penedias, rugiam coleras de raios as tempestades, urravam medonhamente os temporaes!...
Chuvas cantarejavam ás enxurradas, e a neve, como um lençol imenso de linho purissimo cobria tudo...
Entrou então a fome e o frio na choupana humilde de Martinho, e o pobre monge, acoçado pela inverneira, resignou-se a vir ao povoado pedir uma codea de pão que o alimentasse e uma acha de lenha que o aquecesse...
E embrulhando-se n’um farrapo esburacado, que era o seu unico manto, arrimou-se ao bordão, e pôz pés ao caminho...
Entresilhado de frio, tiritando, atravessava o bom do monge uma leiva em poisio, quando topou, desmaiado na neve, um caminhante velho, rôto e descalço como ele...
Condoeu-se, e tirando das costas o migalho de pano, todo de remendos, embrulhou n’ele o desgraçado...
Dos ceus, Deus, que tudo mira c’o seu olhar onipotente, sorriu...: e chamando o sol que beijava a lua sob a protéção das nuvens, mandou aproximar o Destino e escreveu no seu livro azul com letras d’oiro: -”Que todos os anos, por estes dias, o sol aqueça os que teem frio...”
O sol doirou a terra, nos roseiraes abriram-se botões de rosas, cravos exangues mostraram a chaga rubra da sua côr, trinaram rouxinoes, cantaram cotovias, assobiaram melros, voltaram andorinhas...
... E foi assim que nasceu o verão de S. Martinho!...(A Voz da Justiça - 13.Novembro.1914)

Acabam-se estas considerações do santo patrono de Tavarede com a seguinte ladainha encontrada no jornal “Gazeta da Figueira”, de 12 de Novembro de 1902:


Viva S. Martinho...
Reine a santa frescata... e chova vinho...
Ajoelhemos, tirando a barretina,
Ante o Santo que a todos nós domina.
Juremos, pondo a mão sobre o barril,
De fazer das guelas um funil
Quando o vinho corra... Viva! Viva
S. Martinho qu’os bebedores captiva!...
* * *




Perto da igreja, na rua de cima, encontra-se uma antiga capela chamada de Santo Aleixo.





Segundo a tradição, pertencia ao cabido da Sé de Coimbra e servia de hospício e acolhimento aos peregrinos. Com o correr dos anos, a capela foi-se degradando de forma a que, nos finais do século passado, restavam dela as quatro paredes “que formam o rectangulo em superficie e tem ainda a porta sobrejudada por uma pequenissima janela; lá dentro uma vegetação robusta e espessa de silvas, crescendo e elevando-se acima da altura das paredes circumdantes ao recinto”.





Antes de construído o cemitério da freguesia no caminho para o Saltadouro, em 1875, os enterramentos dos falecidos eram feitos na igreja e na capela de Santo Aleixo.





No inquérito paroquial de 1721, o pároco da freguesia, relativamente a esta capela, escreveu:
“Ha outra hermida de Sancto Aleixo, na qual tem os Freguezes hûa Irmandade para se enterrarem e he mto. antigua, que se lhe não sabe prinçipio, E tem hum hospital, pª. agazalhar os perigrinos, e pobres, que he do pouo”.



Presentemente, o edifício encontra-se totalmente remodelado e ao serviço da igreja.





Queem foi, em vida, o santo que deu o nome a esta capela? No dicionário “Focus” encontra-se o seguinte:
“Aleixo - Santo - Asceta que, entre 412 e 435, teria vivido como mendigo anónimo em Edessa. Depois da morte descobriu-se que era de família senatorial romana. Na primitiva narrativa siríaca, elaborada 50 anos após os factos, se inspirou a lenda grega e, mais tarde, a lenda latina.Segundo esta, Aleixo abandonou secretamente a casa paterna na noite de núpcias e dirigiu-se a Edessa. Decorridos 17 anos, revelou-se a santidade do mendigo. Aleixo então regressou a Roma, apresentou-se na casa dos pais como pedinte e, sem que fosse reconhecido, aí viveu outros 17 anos. Junto do corpo do defunto encontrou-se um escrito que o identificava. O seu culto tornou-se muito popular na Alta Idade Média”.

* * *
Ainda existente, e muito bem conservada, pois foi há relativamente pouco tempo reparada e caiada, encontra-se a capela de S. Paio.



Em “Recordações de Tavarede”, obra já citada e de que nos socorremos bastantes vezes para alinhavar este capítulo, descreve-se assim:
“Para o nordeste da povoação, a perto de quatro kilometros, e na proximidade do regato que corre ao fundo do Valle de Sampaio ou de S. Paio, existiu em tempo uma capellita com a invocação do Santo que deu o nome ao valle. Pequena, acanhadinha, abrigava o santo a quem os visinhos dedicavam extremosa devoção. Sampaio ou S. Paio, era remedio infalivel para a cura de varios achaques, especialisando - o desapparecimento rapido das verrugas d’aquelles a que a elle recorriam com a necessaria fé. N’uma ribanceira, erma, lá estava o santinho solitario, posto n’um terreno pertencente aos frades cruzios de Coimbra.
O tempo foi fazendo dos seus fregueses uns descrentes desleixados, e a capella foi-se arruinando a pouco e pouco até deixar apenas o vestigio de alicerces.
Tendo sido comprada mais tarde a propriedade pelo fallecido sr. Caetano Gaspar Pestana, d’esta cidade, mandou este, obedecendo a uma obrigação antiga escripturada, levantar de novo a capella e refazer o santo.
S. Paio, era e é de pedra, e andando por uma adega da propriedade a servir, profanamente, de calço a pipas, foi-se aos poucos deteriorando, até que, o sr. Pestana, o mandou concertar collocando-o em seguida na capella em que hoje é venerado.

Pertence hoje a capella e terra circumjacente a António Monteiro, canteiro de Quiaios.



Ha coisa de quatro annos ainda lá foi feita festa ao santo pelo povo da freguesia”



Tem esta capela para nós especial significado. Todos os anos, no primeiro domingo de Julho, fizesse sol ou chovesse, era dia de peregrinação da família até lá, para cumprimento de uma promessa de meu Pai. Por acharmos interessante, na parte “Costumes e tradições”, inserimos uma despretenciosa descrição desta festa, pois, para nós, era um dia de verdadeira festa.



Deveria, esta capela e este santo, ter bastantes devotos em Tavarede. No ano de 1564 o Cabido da Sé de Coimbra enviou uma carta de confirmação para haver licença de bôdo, junto à ermida de São Paio, no Couto de Tavarede.



E... quem foi S. Paio. Aqui tivémos uma surpresa. Segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira, é esta a história do santo deste nome:

“Pelágio ou Paio (S.) - Mártir; festa litúrgica na diocese de Coimbra, a 26 de Junho. Era, ao que parece, originário de Tui. Tendo ficado cativo na batalha de Val de Junquera seu tio Hermoíglo, bispo de Tui, foi o jovem Pelágio, que contava apenas 10 anos de idade, dado em reféns pela sua libertação. Enviado para Córdova, esteve encarcerado três anos, ao fim dos quais foi martirizado por ordem de Abderramão III. As actas do martírio foram escritas por um presbítero chamado Ragnel, pouco depois do acontecimento.Aí se diz que o menino passava o tempo na prisão lendo as “Escrituras” e conversando com outros cristãos cativos ou que iam visitá-lo. Um dia foram ao cárcere uns ministros de Abderramão que, encantados pela sua beleza, falaram nele ao califa. Mandou este que o levassem à sua presença e tentou convertê-lo às práticas muçulmanas e atraí-lo a actos desonestos. Como o menino resistisse, mandou-o matar. Os algozes cortaram-no aos pedaços, ainda vivo, em horroroso suplício que durou três horas, das 11,30 h. da manhã às 2,30 h. da tarde, no domingo 25.VI.925. Os cristãos de Córdova recolheram as relíquias, colocando a cabeça na igreja de S. Cipriano e o resto na de S. Gens. A fama do martírio espalhou-se rapidamente por toda a Península e em breve ultrapassou as fronteiras. Pelo ano de 960, uma poetisa, de origem saxónica, chamada Rowinta, consagrou-lhe uma composição em versos latinos. O culto de S. Paio tornou-se muito popular em Portugal, passados poucos anos depois do seu martírio. Há umas sessenta e cinco igrejas paroquiais que o têm como titular”.

Mas, a imagem que representa o santo na capela não é, de forma alguma, o de um menino de treze anos! Já homem de idade e com cerrada barba preta, não nos parece representar este santo.

No “Focus” aparece um Pelágio, ou Paio, como tendo sido: “Monge irlandês que, tendo ido para Roma por volta do ano 400, entrou em controvérsias com Santo Agostinho a respeito da doutrina sobre o pecado original”. No “Lello Universal, a descrição deste Pelágio é: “heresiarca bretão (360-449). Relacionou-se com Santo Agostinho e foi fundador do pelagianismo, doutrina que atribuía, na questão da graça, uma parte escessiva à liberdade humana”.



Não nos parece este Pelágio como o S. Paio de Tavarede. Mas ainda temos outra hipótese: “Pelágio ou Paio (Frei) Primeiro prior do convento de S. Domingos, de Coimbra. Os cronistas dominicanos tratam-no por santo, mas da sua vida nada contam de concreto. Alguns supõem-no falecido cerca do ano de 1240, enquanto Frei Luis de Sousa prefere a data de 1257”.


Apesar de tudo, inclinamo-nos que, quando os frades crúzios mandaram construir a capela e a dedicaram ao S. Paio, seria ao primeiro, ao menino martirizado em Córdova. A imagem não corresponderá à realidade ou, aquando da sua reconstrução, após descoberta na adega da quinta, terá sido deturpada ou substituída a imagem anterior.

* * *
Outras capelas existiram em Tavarede, como locais de culto e muita devoção.



Na Informação Paroquial de Tavarede, de 1721, diz-se existiram mais:

“...Ha nesta Freguezia huma hermida na Entrada da terra da parte do Oriente do S.or Cruçificado, posto em huma Coluna, que fes Frz. Arnaut, e sua Molher Catherina Frz. e he hoje Fabricario della, M.el Frz. Miranda. Esta fechada.



Ha Outra Cappella En Casa de Pº. Lopes de quadros, E souza Fidalgo Comendador da Ordem de Christo; Ereta por bulla de Roma, que foi Juis della o Illmº. Bispo de Leiria, Como Consta das Liçinssas que estam no Cartorio da mesma Caza que he sua.



Estaua antiguamente hum Nicho com S.or Cruçificado, no fim da terra pª. a parte do Oçidente, que Reprezentaua ser mtº. antiguo; que hoje esta Fechado Com porta, e Con toda a deçensia; que tem obrado M.tos milagres; E uaj obrando; Suando a sua Sancta Imagem, e a Coluna em que esta posto, Como se tem uisto Certos dias.



Ha outra Irmida de Nossa Senhora da Esperança, pª. a mesma parte Oçidental que tambem tem feito m.tos milagres, e fas Como se acham na sua Sancta Caza, e he do pouo; ha de ssima do S.or he Fabricario, e fundador de hoie pella fazer Antº. Gomes Mascarenhas.



Ha Outra Cappela na mesma parte Oçidental desta mesma freguezia de S. João bautista Fechada que foi instetuidor João de quadros Clerigo, e hoie sam instetuoidores os herd.os do D.or Duarte Ribrº. que assistio em Villa Verde Bispado de Coimbra...”.



Nas “Memórias Paroquiais de 1758”, O cura Anacleto Pinto, diz que a paróquia tem “tres ermidas, da Senhora da Chaã, fora da Parrochia, do Senhor dos Milagres ou Arieira, contigua à mesma terra; de Santo Aleixo, dentro da Parrochia, digo, da terra”.

Continuando a utilizar as “Recordações de Tavarede”, fômos lá rebuscar:

“...Chegados a este ponto é occasião de fallarmos da existencia d’uma pequena capella, que demorava a uns cinco minutos da egreja, no antigo caminho da Chan de que já fallámos. Não teria mais de quatro metros de comprido por dois de largo, estando quasi de todo em ruinas, na epocha em que a vimos, 1864.



Restavam d’ella sobre o lado norte da estrada, alguns metros acima, a parede de traz, com a respectiva empena, a que estava ligada uma pedra que havia servido de altar, e as paredes lateraes e da frente, dessiminadas em escombros. Era conhecida pela denominação - do Senhor da Chan.

Se estava em ruínas a verdade é que, na “Gazeta da Figueira” de 25 de Agosto de 1923, se anunciava: “É amanhã que tem logar no Senhor da Chã, desta freguezia, o rancho de descantes populares a que, por vezes, nos temos referido. É de esperar farta concorrência, devido ao logar ficar muito proximo desta localidade”.

Não encontrámos mais nada, desconhecendo, até, a localização exacta da capela.

“...recorda-nos uma outra, que existiu, tambem para o lado poente de Tavarede. Era situada no cruzamento do caminho directo d’esta cidade aos Condados, e que d’aquelle que vae de Tavarede a Buarcos, proximo da quinta de Luiz Antonio de Sousa e a uns quatrocentos metros para o lado do poente de Tavarede.



Existiu sob a invocação do Senhor da Arieira ou do Arieiro, naturalmente por ser edificada em um logar aonde o povo ia extrahir areia ou saibro para construcção de alvenarias. Em 186.. só existiam d’ella, no local, uns restos de alicerces e algumas pedras apparelhadas, soltas. Mais nada.



Contava-se na povoação que havia sido interdicta e depois demolida em virtude d’um sacrilegio commetido: Um desvairado qualquer foi em uma noite pendurar em enxalavar de carangueijos sobre uma cruz que lá existia, profanando assim aquelle logar sagrado, e d’ahi a interdicção.



O povo de Tavarede attribuiu o sacrilegio a algum pescador de Buarcos.



Ao certo nada sabemos d’esta narrativa, contentando-nos apenas da dicção da tradicção como era contada entre o povo das proximidades da capella...”.

Foi assim que nas “Recordações de Tavarede”, se descreveu a capela do Senhor (ou Senhora) da Arieira, também conhecida por Senhor dos Milagres.



Relativamente a este santo, encontrámos a seguinte notícia: “...referindo-se à imagem do Senhor d’Arieira disse mais o sr. vigário que, se effectivamente ela estava exposta no cemitério occidental d’essa cidade, fôra para lá por algum tempo, voltando para Tavarede logo que isso fôsse exigido. E agora, visto que se vae tratar d’acabar a capella do nosso cemitério, e que é para ali que o Senhor d’Arieira está destinado, elle viria imediatamente da Figueira...” (Gazeta da Figueira, 22.Novembro.1899).



Igualmente temos notícias de outra outra capela, de acanhadas dimensões, edificada pelo sr. Francisco Affonso Dias, quando veio do Brasil, situada no caminho que segue dos Quatro Caminhos para a serra da Boa Viagem, na proximidade do palacete dos Condados. Era devotada a S. Francisco e a Santa Ana.


A capela de S. João Batista, falada na “Informação Paroquial de 1721”, deveria ser situada no local posteriormente chamado Alto de S. João, hoje urbanização do Alto de S. João.



Falta-nos falar um pouco da capela de Nossa Senhora da Esperança, num convento de recolhidas com o mesmo nome.

“... No livro de cizas do couto de Tavarede, descreveu Leonor Migueis esta marinha com o nome de “Esperança”, que parece palavra simbolica nesta família: a avó chamou Esperança à propriedade que adquiriu; a mãe deu o nome de Esperança ao recolhimento que fundou.




A um kilometro aproximadamente para o norte do convento de Santo António, no alto de S. João, pelo nascente da estrada de Tavarede e Figueira e dentro da propriedade que hoje pertence a José Joaquim Alves Fernandes, existia, no século 18º. outro edifício religioso: era o recolhimento de N. Senhora da Esperança.



A sua fundação datava do século anterior. No testamento de Fernão Gomes de Quadros, feito em 1665, foi deixada a esmola de 2$000 réis a N. S. da Esperança, para as suas obras, o que indica que o edifício do recolhimento estaria então a construir-se.



Compunha-se o edifício de casa em que habitavam as recolhidas e de uma capela...(Materiais para a História da Figueira - Santos Rocha).



D. Catharina Rosana, filha de D. Leonor Migueis, mandou construir esta capela a que deu o nome de sua filha, Esperança, que, entretanto morrera jovem. Do recolhimento e da capela já nada existia nos finais do século passado.

Terminamos este capítulo sobre a religião na nossa terra com um resumo, que nalgums casos repete o atrás escrito, mas que nos parece importante aqui deixar e que tem o título de “Notícias das Igrejas do Bispado de Coimbra”, (nos livros manuscritos do dr. Mesquita de Figueiredo).

A igreja de Sam Martinho do Couto de Tavarede, curato anual, e anexo da igreja de Sam Pedro de Buarcos. Há nesta freguezia huã ermida do Senhor Crucificado posto em huma coluna que instituio Domingos Fernandes Arnaut e sua mulher Catherina Fernandes, de que hoje he administrador Manuel Fernandes de Miranda.



Ha outra ermida de Santo Aleixo na qual tem os freguezes huma irmandade para se enterrarem, e tem hum hospital para agazalhar os peregrinos e pobres, que he do Povo. Ha outra capella em caza de Pedro Lopes de Quadros e Souza, Fidalgo Comendador da ordem de Christo, erecta por bula de Roma de que foy juiz o Illustrissimo Bispo de Leyria. Havia antigamente hum nicho nesta freguezia para a parte do Occidente com o Sor. Crucificado que reprezentava ser muito antigo e hoje se acha fechado com porta, com toda a decencia que tem obrado, e obra muitos milagres quando a sua imagem e a coluna em que está sua como se tem visto em muitas occaziões. Há outra ermida de N. Sª. da Esperança que tambem faz muitos milagres e he do Povo.



Ha outra capella na mesma parte occidental de Sam João Baptista de que foy Instituidor o Padre João de Quadros de que hoje são administradores os herdeiros do Dr. Dm.os Duarte Ribeyro. Nesta Igreja ha huma reliquia do Santo Lenho authenticada pelo Illmo. D. Antonio de Vasconcellos e Souza. Tem esta freguezia 425 pessoas de Sacramento. Ha um hospital para pobres de cuja fundação não há tradição.



Ha nesta freguezia hum livro de Batizados, Cazados e Defuntos que principiou no anno de 1684 que de prezente serve.

* * * * *
Achase na Igreja do dito Couto uma pia de agua benta da porta travessa perto hum letreiro feito na era de 1213 annos.



Há na dita Igreja de portas adentro 6 capellas das quais a maior e principal he do Cabido da See de Coimbra senhoria da mesma terra; as capellas do Senhor e de N. Sª. do Rosario e de Jesus e de Sam Sebastião são do Povo; a capella das Almas instituio Apolonia d’Azambuja e sua irmã Maria d’Azambuja por ordem do Illmo. D. João de Mello Bº. conde de Coimbra, da qual he administrador Miguel Rodrigues Couto.



Há nesta freguezia hua hermida de Santo Aleixo que he do Povo e tem sua Irmandade e he tam antiga que se não sabe o seu principio. Há neste Couto huma capella da invocação do Senhor dos Milagres da Arieira, que ha pouco se instituio por Antonio Gomes Mascarenhas que a administra.



Há outra capella distante dous passeios, aonde chamam o Senhor da Chã, que administra Manuel Fernandes Miranda. Há outra capella de N. Sª. da Esperança que está na mesma distancia. Há outra capella no mesmo sitio chamada Sam João, de que são administradores os herdeiros de Domingos Duarte Ribeiro.




Há outra capella de Santiago, distante deste povo hum quarto de legua que administra Manuel Carvalho.



Nesta igreja de São Martinho do Couto de Tavarede ha alguas sepulturas, huãs dentro da capella mor, digo de fronte da capella mor, que parece segundo sua antiguidade ter armas reais; outra he de letra gothica feita em pedaços, que já se não pode ler, e outra de Miguel da Cruz e de Martinho da Cruz, e outra que não tem mais que huas armas e senão sabe de quem seja, sem seus herdeiros.


Livro: Tavarede - Terra de meus avós 1º.

sábado, 16 de abril de 2011

ASCENÇÃO E PRIMEIRO DE MAIO

QUINTA FEIRA DE ASCENÇÃO


Pela tradição do costume foram ranchos de pessoas pela fresca manhã de quinta-feira d’Ascenção colher ás cearas raminhos de espigas de trigo e ramadinhas d’oliveira para que o anno corrente seja prospero e feliz. Grupos de raparigas entoavam canções alegres fazendo um maravilhoso conjunto com os seus maviosos trinados dos rouxinoes e d’outros passarinhos que saltitavam nas ramadas das floridas arvores do campo.

Á tarde merendaram muitas pessoas á sombra saudavel de pinheiros e um rancho de raparigas, acompanhado d’um grupo musical, foram ás Caldas d’Amieira, dançando ali e regressando a Tavarede á noitinha. Ao Bussaco tambem foi bastante gente d’aqui. (Gazeta da Figueira)


1º DE MAIO


Sim, minha amiga, póde chamar-lh’o, é um costume feliz da minha terra. Sempre assim foi acolhido aqui o primeiro dia de Maio, entre risos e cantares, na folga d’umas danças vermelhas, junto á fonte d’agua clara da varzea de Tavarede.

...Este uso lindo que tanto a maravilhou e tanto a seduziu, é um velho uso que vem de muito longe. Teria, a minha deliciosa amiga, de volver os olhos para os luminosos tempos do paganismo, se a sua curiosidade irrequieta e nervosa lhe quizesse conhecer a origem. Era-lhe preciso evocar um quieto e calmo canto do socegado Lacio. Seria n’uma azulada paysagem d’ecloga. D’entre arvoredos longos, ver-se-ia surgir a cabeça velha de Pan, seguida da montada madraça de Silêno. Rondas de Nimphas, ligeiras como azas, bailariam dançares de belleza e graça n’algum tranquillo valle. Por bosques de loureiros, em florestas de platanos, por rentes de araucarias e romanzeiras em flôr, olhos vivos de Satyros espreitariam cubiçosos, carnes perfeitas de Deusas confiadas. Faunos, caprinos, hirsutos, cornicabros, pulariam pela macieza dôce dos pomares. E Venus, coroada de rosas, á frente d’uma procissão lasciva e devota da sua côrte suprema viria, ao som lento de citharas d’oiro, proclamar a chegada do Amor e da Primavera...

...Deve ter sido assim o inicial começo d’este costume feliz da minha terra...

E pela conta dos annos, sempre que chegado é o feliz dia d’hontem, se formam n’aquella estrada calma, junto á fonte d’agua clara da varzea, por entre os campos ferteis e humidos de Tavarede, as rodas largas de namorados que a minha excellente amiga encantadamente viu... N’uma viola, em violões floridos e afestoados de fitas, alguem faz vibrar, zangarrear as notas vermelhas e fortes do Vira. Vozes limpidas de raparigas, atiram ao alto, ao vasto ar perfumado a cravos, limpidas cantigas de Amor e Desvario. E no sacudido, no lesto farandoral da dança rubra, enquanto no ar volteiam petalas de rosas e tilintam sonoras risadas de crystal, corpos juntam-se, mãos enclavinham-se, boccas approximam-se, e é assim, - como os seus lindos olhos deslumbrados viram, - que a gente moça da minha terra festeja e acolhe a primeira alvorada de Maio florido, o mez das Rosas e do Amor!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Limonete


Arbusto muito aromático.

Nome vulgar da “Lippia Cítriodora”, arbusto da família das verbenácias, tribo das verbenas, verde papilhoso - áspero, com aroma lembrando o da lima, de folhas ternadas ou quartenadas, com pecíolo curto, lanceoladas, agudas, inteiras; flores ternadas ou binadas, dispostas em espigas frouxas verticiladas, formando panícula piramidal eneos e cálices puberulento - pubescentes; cálice subbilabiado e corola esbranquiçada. Originária da América do Sul é cultivada nos jardins de Portugal e conhecida também pelos nomes de lúcia - lima, bela luísa, doce - lima, verbena e na ilha da Madeira pelo de pecegueiro - inglês.(Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura) Segundo a descrição acima, o limonete é originário da América do Sul. Mas, com a fantasia que o teatro permite, na peça “Em busca da lúcia-lima”, diz-se: “arbusto verbanáceo, de perfume agradável e intenso, vegetando bem nos terrenos frescos. Foi importado do Malabar em 1502 pelo capitão-mór D. Sancho Fagundes de Encerrabodes, que residiu em Tavarede há mais de trez séculos. Serve para dar cheiro aos bahus de roupa e é muito uzado para fazer ramos nas burricadas de Buarcos. Há quem dele faça chá contra as prisões de ventre”...

Da América do Sul ou das costas do Malabar, na India, talvez até das duas regiões, a verdade é que o arbusto encontrou na nossa terra as condições ideais de propagação.

Como curiosidade, aqui deixamos como se cantava o limonete naquela peça:

Coro


Das plantas que tem a aldeia

Outra não há de mais gala;

E em noites de lua cheia

Tem um cheiro que regala.


Quem fizer um ramalhete

Para dar à sua amada

Se el’ não tiver limonete

É coisa desconsolada.


Uma voz


Nas burricadas lusidas

Da festa de S. João

Trazem as moças garridas

Um grande ramo na mão.



Coro


O limonete caseiro

É talvez neto da lima...

Quem quiser sentir-lhe o cheiro

Basta pôr-lhe a mão por cima.


Se uma donzela travessa

Quer-se com ele enfeitar

Com três folhas na cabeça

Fica bonita a matar.


Uma voz


Eu não sei de flor mais bela

De quantas há no jardim.

Anda sempre na lapela

De quem suspira por mim.


Coro


Veio das matas frondosas

Da costa do Malabar

Para as donzelas vaidosas

Cheirarem bem ao seu par.


Mas isto é pouco para descrever a história do limonete na nossa terra que tem, até, o nome de Terra do Limonete... Agora, já nem tanto, mas, antigamente, em todos os recantos ajardinados que os tavaredenses tratavam, junto de suas casas, ou nas terras que amanhavam com o maior carinho, abundava com fartura o arbusto. É credível que, há umas dezenas de anos, quando a aldeia ainda estava liberta da poluição que agora tudo invade, nas noites quentes do verão o perfume do limonete se sentisse, com agrado, por toda a aldeia.

Há, também, uma lenda, linda como todas as lendas. A lenda da moira encantada, como, aliás, não podia deixar de ser.

Conta-se que aquando do cêrco do Castelo de Montemór-o-Velho pelos muçulmanos, a quem tinha sido tomado, no ano de 848, pelo rei de Leão, Ramiro I, e depois deste ter entregue o governo do castelo ao Abade D. João de Montemor (famoso abade do Mosteiro do Lorvão, que ficou célebre pelas suas vitórias sobre os moiros), quando já os sitiantes julgavam que o castelo se iria render, brevemente, pela fome, eis que o referido abade saíu do castelo com a gente de que dispunha e, travando batalha, conseguiu vencer e repelir os muçulmanos, perseguindo-os até Seiça.

Um dos chefes moiros, que detinha o poder do encantamento, temeroso que as suas oito filhas caissem em poder dos cristãos, lançou sobre elas um feitiço: “por mil anos estarão presas nesta gruta de Santa Olaia, enquanto não surgir alguém capaz de quebrar o encanto”.

A uma delas, Katija, disse que o seu encantamento seria quebrado quando um cristão se aproximasse dela e lhe dissesse por três vezes: “sois bela como o sol”...

Mas o encantamento também previa: “A terra para onde te levar aquele que vier desencantar-te, será uma terra aprazível, opulenta de galas da natureza, rica de plantas aromáticas, entre as quais uma, de cheiro rústico e agradável, persistente e suave, lhe dará nome e alcançará fama”...

Depois da tomada de Coimbra pelo Conde D. Sesnando, este enviou para Tavarede, como já se referiu anteriormente, Cidel Pais, com o fim de reconstruir e repovoar a vila.

Vários cavaleiros acompanharam este moçábare para o ajudar naquelas tarefas. Um deles, ao passar por Santa Olaia, viu, com admiração, oito moiras encantadas junto a uma gruta e que fugiram quando o viram aproximar-se.

Uma delas, Katija, ficou um pouco atrás das irmãs. Alcançando-a, o cavaleiro, que ficou extasiado pela sua beleza, não se conteve e disse-lhe: “sois bela como o sol”... Sem dar por isso, repetiu a frase várias vezes. O encantamento desfez-se!

Katija, grata pela quebra do encanto que tinha durado dois séculos, perguntou ao cavaleiro para onde a levava, ao que este respondeu que iria para Tavarede. Sem mais, a moira seguiu o seu libertador, lembrando-se das palavras de seu pai: terra aprazível, rica de plantas aromáticas, de cheiro rústico e agradável, persistente e suave...

Foi assim que, segundo a lenda, Tavarede ficou para sempre ligada ao limonete.

Ainda se mantém o seu culto na terra. É que, além do perfume, também é utilizado para se fazer chá. Chá de Limonete, que “se não faz bem, também não faz mal, embora a alguns possa amargar...”

Como não podia deixar de ser, socorremo-nos de mestre José Ribeiro que, na sua peça “Terra do Limonete” encerra, apoteoticamente o primeiro acto com a canção:


Limonete!

Eu sou rei

Da aldeia tavaredense!

O nome à terra, eu o dei!

Essa glória me pertence.

Embora velho par’cendo

O meu tronco é sempre novo,

Pois a raiz vem do povo:

Vigoroso vou crescendo.

(entram os ramos do limonete)

A seiva, meu pão e vinho,

Dá-me em ramos os meus braços,

Que se estendem como abraços

Ao muro tosco e velhinho.

(entram as folhas do limonete)

E vêm folhas viçosas,

Verdes, esguias, cheirosas,

Dar alegria e frescor

Ao jardim do cavador.

(entram as flores do limonete)

Então, nas pontas franzinas

Dos meus ramos verdejantes

Despontam flor’s pequeninas

Como estrelas cintilantes.

Coro de todos

-Limonete!

Rústica planta plebeia

Que na nossa terra cresce!

-Limonete!

Por toda a parte floresce

E dá cheiro à nossa aldeia...

-Limonete!

De tão viçosa verdura,

A Tavarede dás graça,

-Limonete!

Dás alegria e frescura

E perfumas a quem passa...

-Limonete!

-Limonete...


(Livro: Tavarede - Terra de meus avós - 1º.)

QUINTA DA BORLATEIRA

CASAL DA VALARTEIRA – 1713 Do nascente, parte do caminho que vai da Figueira para Tavarede e daí atravessa a estrada que vai de Tavarede para Buarcos e sobe pela mesma estrada junto da capela do Santo Cristo da Arieira, a qual estrada vai para a Serra de Santa Marinha, até chegar onde chamam os Condados; do norte, parte com dos ditos Condados, que possue Esperança de Oliveira, viúva, deste lugar, e com o reverendo padre Belchior Monteiro, de Tavarede, até chegar a outra estrada que vai de Buarcos para a Serra e dali vira para poente pela dita estrada para o sul, por onde vai demarcando com a estrema deste Couto e terra de Santa Cruz, e tornando atravessa a estrada que vai de Tavarede para Buarcos e corre por outra estrada até dar no sítio da Abadia; e pelo sul, parte com terra da mesma Abadia. E tem de comprido, pelo nascente, 1º34 varas, e pelo norte, 315 e meia e pelo poente 1088 e pelo sul 715 varas. (Nota – vara: antiga medida de comprimento equivalente a um metro e dez centimetros)






Quinta da Borlateira, actual - Vista do lado dos Condados


TERRAMOTO DE 1 DE NOVEMBRO DE 1755

Manda V.Exª. que individualmente dê eu conta do que nesta freguesia de Tavarede se observou nos terramotos passados. Respondendo distintamente aos interrogatórios de um papel, que da parte de V.Exª. me foi entregue, e deixando de expressar os movimentos do fluxo e refluxo do mar, pois neste ponto era V.Exª. informado pelo padre Teles, pároco da Figueira e Buarcos, terras a ele mais vizinhas, só dou conta a V.Exª. do que nesta freguesia se observou:

Ao 1º. – O terramoto sucedido em o primeiro de Novembro, teve o seu prinxcípio das 9 para as 10 horas da manhã, e sentiu-se lentamente tremer a terra, se foi aumentando o tremor com maior impeto, de sorte que abalando os edifícios, por forma que mostravam que iam arruinar-se, obrigaram a que seus habitantes se recolher à Igreja a orar a Deus, e chegando a maior parte deles à mesma, ainda dentro do tempo da duração do terramoto (cujo, pouco mais ou menos, existiria por espaço de um quarto de hora), se viu também tremer em tal forma, que as lâmpadas, com os seus vais e vens, chegavam quase a tocar as paredes, caindo a este mesmo algumas “esquírolas” de pedra do fecho do arco da capela-mor.

Ao 2º. - Quanto aos impulsos do dito terramoto, só se sentiram maiores do norte para o sul, ou pelo centro, nesta parte não houve pleno conhecimento, e só se viu que o tremor vinha da parte do sul.

Ao 3º. – Nesta dita freguesia não houve edifício que experimentasse ruína maior e só um em todos se divisam “vimolas”, mais ou menos, de sorte parecer que não ficaram necessitando ser especados, nem dão motivo aos seus habitadores se saiam deles a assistir no campo.

Ao 4º. – Não morreu nesta freguesia pessoa alguma nem tão pouco experimentou o menor dano.

Ao 5º. – Nas fontes não se viu mais do que turvação das águas.

Ao 7º. – Não rebentou fonte alguma de novo nem mesmo a terra abriu brechas e só se viu correr das mesmas fontes água em mais abundância.

Ao 8º. – Não houveram providências pelos militares e ministros por não haver necessidade que a tanto os obrigasse e da parte do culto só estive a intimar que o sucedido era ira do Altíssimo e provocar o povo a penitência e preces, que executaram e continuam.

Ao 9º. – No primeiro dia de Novembro, depois do terramoto já expressado, se sentiram mais dois de menos força. A 14 do mês de Janeiro, pela uma para as duas depois da meia noite, se sentiu um terramoto mais violento que o primeiro e obrigou auqse todo o povo a sair das casas para o monte, porém com menos duração, e finalmente, desde aquele primeiro dia de Novembro até ao presente tempo, não tem passado noite em que se não tenham percebido lentos terramotos, uns maiores outros menores e alguns deles quase imperceptíveis, por não terem dos mesmos conhecimento algumas pessoas, e não se tem experimentado dano em todos estes que ao primeiro se têm seguido.

Ao 10º. – A este não respondo por dizer respeito a lembrança de algum terramoto antigo e seu dano, do que não tenho notícia.

Ao 11º. – Há nesta freguesia 504 pessoas de um e outro sexo, sendo grandes e pequenos, a saber do sexo masculino 249 e do femínino 247, em cujo número se incluem 4 escravos e 4 escravas. Ao 12º. – Não se tem experimentado nesta freguesia falta alguma de mantimentos, antes com comodidade se têm comprado e compram.

Ao 13º. – Não houve incêndio algum.

É só o que se me oferece dizer a V.Exa. sobre os interrogatórios a que me preceitou responder e o faço dentro do tempo que me foi constituído. Deus guarde a V.Exa. como deseja e lhe com um que a Sua Graça para o bom regime dos seus súbditos.


Tavarede, 6 de Março de 1756. De V.Exa. muito atento e fiel súbdito. O cura, Manuel Gomes Chumbo.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Virgínia Monteiro Fadigas

Filha de Joaquim Migueis Fadigas e de Mariana Fernandes Monteiro.

Nasceu no dia 19 de Junho de 1904 e faleceu a 13 de Novembro de 1998.

Amadora do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense. Começou como figurante e teve o seu primeiro papel, em 1924, na opereta Os Amores de Mariana, a que se seguiram Noite de S. João, Em busca da Lúcia-Lima, Má Sina, Os Mentirosos, Pátria Livre, O Sol de Ouro, Uma Teima e Simão, Simões & Cª.

O seu papel mais destacado terá sido o de Capitolina, na opereta Em busca da Lúcia-Lima. “… é uma promessa. Tem vivacidade. Tem alegria. Se estudar e não se deixar tomar pela vaidade, pode vir a ser uma boa amadora”.

Terminou a sua carreira teatral em 1927.

Foi nomeada sócia honorária da colectividade.


Caderno: Tavaredenses com história

José Maria de Almeida Cruz

Natural da freguesia de Santa Cruz, Coimbra, “pintor, casado com Maria Guilhermina de Sousa Monteiro, governanta de sua casa e natural deste lugar e freguesia de Tavarede, aqui recebidos, aqui paroquianos e aqui moradores”.

Faleceu em 27 de Agosto de 1918. “Na idade avançada de 85 anos, finou-se na pretérita quarta-feira o nosso amigo sr. José Maria de Almeida Cruz, pai do nosso ilustre conterrâneo António de Almeida Cruz, actor-cantor da Companhia de Opereta do Teatro Avenida, de Lisboa.

O extinto, que foi durante largos anos empregado na Escola Industrial dessa cidade, gozava em Tavarede de geral estima, pelas excelentes qualidades de que era dotado, causando a sua morte a mais profunda consternação em todos que o conheceram e que com ele conviviam”.

No ano de 1897 havia sido nomeado regedor da paróquia de Tavarede. Foi dedicado e interessado associativista, presidente da assembleia geral da Estudantina Tavaredense, em 1900, colaborou com a Sociedade de Instrução e, desde a sua fundação, esteve ligado ao Grupo Musical e de Instrução, de que foi o primeiro presidente da assembleia geral eleito.

Possuidor de uma vasta colecção de peças de teatro, dramas e comédias, legou as mesmas à Sociedade de Instrução, onde se encontram guardadas na sua biblioteca.


Caderno: Tavaredenses com história

António da Silva Coelho

Amador dos mais antigos do grupo cénico da Sociedade de Instrução, já tinha representado sob a direcção de João dos Santos no antigo teatro do Terreiro. Em 1905 já o seu nome aparecia numa notícia como um dos amadores.

Na colecção de programas existente, aparece, pela primeira vez, no drama A Mãe dos Escravos, em 1912. Participou em João José, Os Amores de Mariana, Amor de Perdição, Entre duas Ave-Marias, no ano de 1922, e depois de uma longa ausência da terra, regressou em 1953, para participar em Chá de Limonete, Horizonte, Frei Luís de Sousa e Serão Homens Amanhã.


Por ocasião das Bodas de Ouro, em 1954, reviveu o seu papel de Zé Piteira, na opereta Os Amores de Mariana, que havia interpretado 40 anos antes, protagonizando esta opereta com Helena Figueiredo.


(Caderno: Tavaredenses com história)

Tavarede - Doações

Referimos atrás a possibilidade de Tavarede ter sido povoada pelos fenícios. Outros povos, posteriormente, conquistaram e dominaram a Lusitânia, até que, no ano de 711, se iniciou o domínio muçulmano na península ibérica. “ Poucos anos depois da invasão muçulmana, os cristãos (hispano-godos e lusitanos-suevos) acantonados nas serranias do norte e noroeste da península, iniciaram a reconquista do território, formando novos reinos que se foram estendendo sucessivamente para o sul.


O primeiro reino cristão foi o das Astúrias fundado por Pelágio (718-737) e depois denominado de Oviedo e mais tarde Reino de Leão. Nos princípios do século X a província de Navarra tornou-se independente, formando o Reino de Navarra. Os reis astur-leoneses foram alargando os domínios cristãos que atingiram o rio Mondego (Afonso III), e, ao mesmo tempo, iam repovoando terras e reconstruindo igrejas e mosteiros, ficando célebre na parte ocidental o Mosteiro de Guimarães - com grande propriedades rústicas e muitos castelos por todo o norte do país. Porém, (no século X) as discórdias entre os chefes cristãos enfraqueceram o reino, e Almançor tomou a ofensiva destruindo Leão, a capital, e reduzindo o reino cristão ao último extremo.


No século XI, Sancho, rei de Navarra, anexou o condado de Castela e por sua morte os seus estados foram divididos pelos três filhos, sendo nessa altura os condados de Aragão e Castela elevados à categoria de reinos. O reino de Castela coube a Fernando, mas este em breve se apoderou também do reino de Leão. Fernando I, o Magno, rei de Leão e Castela, notabilizou-se na luta contra os muçulmanos recuperando muitas terras, entre as quais Coimbra (1064), alargando assim definitivamente os limites da reconquista até ao Mondego. Este monarca desenvolveu o território entre Douro e Mondego, o qual aparece designado por Portucalle, separadamente da Galiza, com dois distritos ou condados - Portugal e Coimbra - gozando de autonomia administrativa com magistrados próprios”. (História da Civilização Portuguesa). Caída a cidade de Coimbra em poder dos cristãos, Fernando I, o Magno, entregou o seu governo ao moçárabe Sisnando Davidiz (chamavam-se moçárabes os cristãos que viviam entre os árabes muçulmanos e tomavam os seus usos e costumes), que havia nascido em Tentúgal, cerca do ano de 1025. “...Com o governo da cidade de Coimbra passou, então, a usar o título de conde. Casou com Ourovelido Nunes, filha do conde Nuno Mendes, ligando-se assim à mais alta nobreza do ocidente peninsular. O conde Sisnando teve intervenção importante na rendição de Toledo, depois da qual parece ter sido seu primeiro governador cristão. Morreu no ano de 1091 e o seu túmulo encontra-se no claustro da Sé de Coimbra. (elementos extraídos da Grande Enciclopédia Luso-Brasileira)


Esta breve resenha histórica parece-nos importante para este trabalho, pois, a primeira vez que, em documentos até hoje encontrados, aparece o nome de Tavarede, é numa doação que em 1092, D. Elvira, filha do conde Sisnando, e seu marido, o então governador de Coimbra, fazem “de loco sancti Martini in villa Tavaredi” ao prócer D. João Gosendis, opulento senhor que era especialmente herdado na Beira Alta (actual concelho de S. Pedro do Sul), mas que foi um dos magnates da corte do conde Sisnando.


Carta de doação


Em nome da Santa e indivisa Trindade, eu servo de Deus Martine Moniz, juntamente com minha mulher Gulvira Sesnandiz, poique desde remotos tempos é costume dos nonre paternos, levados pelo afecto do amor, distribuirem alguma parte dos seus próprios benefícios pelos seus amigos fieis cujos serviços lhes comprasem, porisso também nós benevolamente commovidos pelo favor da vontade, de bôa mente e de motu próprio fazemos carta de doação a ti João Gondesindiz do logar de S. Martinho na villa de Tavarede. Pelo oriente está aquella varzea que parte com a villa de Tavarede pela penna de Azambujeiro e d’ahi corta no Sovereiro Curvo em direcção à Mamõa; pelo occidente a villa de Emide; pelo sul estão as saLinas junto do rio Mondego; pelo norte a villa de Quiaios. Concedemos-te na mesma já mencionada villa de S. Martinho todos que outrora ahi recebem Cidel Paiz do Conde D. Sesnando, que Deus tenha, e estão situados no territorio de Montemor para o lado da praia occidental, para que tenhas e possuas estes bens que te damos n’essa villa tu e os teus filhos e toda a tua descendencia depois de ti, e d’elles faças tudo quanto te aprouver de pacifico direito por todos os seculos. Se contudo, o que não podemos acreditar venha a fazer-se, alguns dos nossos estranhos pu parentes tentar infringir este nosso acto, pela simples tentativa dos seus próprios recursos seja obrigado, em juizo legal, a dar-te outro tanto quanto a ti te tiver querido tirar e tu sempre destas coisas mantenhas a posse. Foi feita esta carta de doação no quarto dia dos idos de Fevereiro da era de 1130 (10 de Fevereiro de 1092). Nós os supraditos Martim Moniz e minha mulher Gulvira Sesnandiz, esta carta de doação, que voluntariamente mandámos fazer, firmando com a nossa própria mão roboramos com estes signaes + +. Belidi justiz esteve presente, Mitus david esteve presente, Garcia Paiz testemunha, Notarins Christoforis esteve presente, Guterre Menendes testemunha, Petrus Christoforis testemunha, Suarius Adefonsi testemunha, Pelagius escrevi.


“... Nesta doação dá-se um informe precioso: a dádiva compreende no perímetro referido tudo o que o conde Sisnando havia confiado a um Cidel Pais, cujo primeiro nome denota um moçárabe: “omni que ibi obtinuit Cidel Pelagiz in antondo de consule domno Sesnandus”, havia pouco falecido. Este Cidel Pais talvez tivesse sido o povoador e reedificador de Tavarede e sua igreja, por incumbência do “cônsul” que não deixou de ter aí a plena propriedade, ao que tudo indica - até porque os doadores, se assim não fosse, ao citarem Cidel Pais, diriam que dele tinham ganho o que doavam a D. João Gosendes. A este é permitido deixar Tavarede à própria progénie e de qualquer forma dar ao doado o destino que entendesse: “facies inde omne quod tibi placuerit”.



Ora nisto parece estar precisamente a origem dos direitos locais, desde o de padroado, da Sé de Coimbra, pois D. João Gosendes foi um dos maiores benfeitores dela, a favor da qual fez testamento nos princípios do século XII”. (Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira). Mais tarde, em 1191 da era de Cristo, nova doação é feita. Desta vez, foi o segundo rei de Portugal, D. Sancho I e sua mulher, a rainha D. Dulce, que coutaram e doaram à igreja de Santa Maria de Coimbra a “villa que se chama Tavarede e está situada na borda do mar.



(Chá de Limonete - cena da doação)


Doação do Couto de Tavarede


Em nome de Deus esta é a carta de doação e de perpétua duração que faço eu Sancho pela graça de Deus rei dos Portugueses com minha esposa, rainha dona Dulce e com meus filhos e filhas, à igreja de Santa Maria de Coimbra da vila chamada Tavarede, a qual fica situada na borda do mar. Assim damos à memorada igreja aquela vila e tudo quanto na mesma temos por tal condição que os cónegos de Santa Maria a tenham para sempre por direito hereditário com obrigação de um aniversário e finalmente mandamos que nunca mordomo nosso ou algum outro dos nossos vassalos tenham poder de morar nela ou alguma coisa ahi fazer que seja contra a vontade dos conegos mas os conegos ela tenham livremente sem alguma regia ou episcopal exacção. E isto fazemos por amor da beata e gloriosa sempre Virgem Maria e na esperança da futura remuneração portanto todo aquele que aguardava por inteiro e inviolado este nosso feito seja bendito de Deus amen. Mas aquele que o quizer infringir seja maldito e tudo quanto fizer fique por irrito. Feita esta carta de testemunho aos 6 dias dos idos de Novembro na era de 1229 (1191). Nós sobrenomeados reis, que mandámos fazer esta carta, perante testemunhas adiante assinadas, a ratificamos. Estiveram presentes: Conde D. Mendo, mordomo da corte, confirmo; D. João Fernandes, alcaide de Coimbra, confirmo; D. Pedro Mendes, védor da casa real, confirmo; Egas Pelagio, testemunha; D. Osório, testemunha; Martinho, arcebispo de Braga, confirmo; Martinho, arcebispo do Porto, confirmo; Soeiro, bispo de Lisboa, confirmo; Julião, notário do senhor rei escrevi.


Foi assim que, a partir do ano de 1191, a vila e couto de Tavarede ficaram na posse da igreja de Santa Maria de Coimbra. Esta posse foi, posteriormente, confirmada pelo rei D. Pedro I, no ano de 1358, em que, na sua carta de confirmação de Coutos e jurisdições da Sé de Coimbra, referia: “... mando que na vila de Tavarede tragam a jurisdição civil e que os feitos criminais os ouçam e livrem em Momtemor-o-Velho...”.


Como donatária, a Sé de Coimbra passou a usar do seu direito de dispôr dos bens doados, de que é exemplo a doação feita em 21 de Junho de 1309, mediante fôro, no reinado de D. Diniz, de um cortinhal em Tavarede: ( Cortinhal, segundo o elucidário das Palavras, de Viterbo, é terra lavradia, aproveitada, rôta e fructifera, mas pouco extensa; e cercada de paredes altas, a modo de horta, jardim ou pomar, a que tambem antigamente chamarão Côrte ou Almerinha.


Em nome de D.s amen Conhoscam quantos esta carta virem que nós Cabido da See de Coimbra damos e outorgamos para todo o sempre a vós Matheus Affonço, e a vossa molher Maria bertholameu, e a todos os vossos sussessores aquele nosso Cortinhal que nós avemos no nosso Logar de Tavarede, com sós casas o qual soya de nós em outro tempo teer vicente godyus, o qual cortinhal é apar da azenha damos ele a vós, e outorgamos, e a todos os vossos sussessores que o tenhades, e ajades em todolos dias da vossa vida e dos vossos sussessores, e façades del quequer que vos aproyver. E devedes ende a nós dar e fazer foro como feseram vossos vesinhos de tavarede a nós e a Eygreja de Coimbra das sas herdades e devedes a faser e refaser as ditas casas no que for meester, mantelas em seo bom stado e sacontecer que nos Cabido de suzo dito queyramos faser, ndita asenha que é do dito Logar de Tavarede, vós devedes a nós dar carreiro para aduzer agua pelo d.to Cortinhal para a d.ta asenha, E carreira pª. irem e virem aaquelles que queserem moer, e ir a d.ta asenha sem contenda nenhuma E nom devedes vender o d.to Cortinhal com sas casas a moesteiro, nem a cavaleiro, nem a dona nem a outro homem poderoso, nem a creligo mais devendolo a vender a tal homem vilão que faça a vós o foro que vós nos feserdes assim como feserem os moradores de tavarede A parte de nós q. contra esto veer preite a outra parte que os aguardar em nome de pêa quintandolos a dr.a da moeda usada em Portugal E eu davondito matheos affonso louvo e outorgo todas as cousas de suzo ditas, e para esto comprir obligo todos meos beens moves, e de raiz avidos e por aver. Em testimonio destas cousas mandamos ende serem feitas duas cartas partidas por A b c pormão de Stevão pires tabeliam de Coimbra. E eu devondito tabeliam, a estas cousas presentes fuy e rogo das ditas partes duas cartas partidas por A b c com minha mão propria screvi, e em cada huma delas meu sinal fugy e en testimonio de verdade que tal é. Esto foi feito no Cabidoo da see de Coimbra vinte e hum dia de Jynho Era mil tresentos quarenta e sete annos. E presentes forão João pires Prebendeiro Gonçalo eanes porteiro do Claustro da see francisco eanes scrivão do Vabido e outros. (José Jardim - Notas d’um figueirense - Documentos para a historia regional)(Gazeta da Figueira - 8.Agosto.1923)


Também o mesmo cabido tinha certos privilégios, alguns dos quais serão tratados noutros capítulos. Transcrevemos, aqui, o de cobrar portagens, conforme a provisão de 15 de Fevereiro de 1397: Provisão da Rainha D. Filipa de Lencastre, esposa do rei D. João I e Senhora de Montemor o Velho, auctorisando o cabido da sé de Coimbra a cobrar portagem no couto de Tavarede Saibam quantos este estromento virem como dez dias de Novembro da era de mil quatro centos quarenta e dous annos na Cidade de Coimbra no adro da see sendo hi o honrado Baram Pay Martins conego da dita See vigario geral do honrado Padre e Senhor Dom João Arcebispo de Santiago e Amenistrador da ditta Igraja e Bispado de Coimbra Outro sim estando hi Martim Martins Conego da ditta See e Procurador do Cabido da ditta see em presença de mim Pedraffonso publico tabalion por El Rey na dita cidade e das testemunhas que adeante som escritas pello dito Procurador foi logo hi mostrada huma carta de nossa Senhora a Rainha donna Phelipa Rainha de Portugal escrita em progaminho aberta e sellada nas costas do sello redondo e maior da ditta Senhora de cera vermelha e assinado no fundo por mam de Rodrigues Annes ouvidor da ditta Senhora e que nas costas da ditta carta andam feitos escritos dous estromentos da publicaçom dellas hum feito e assinado por mam de Lourenço Affonso tabaliom da ditta villa de Nontemor o Velho e outro feito e assinado por mão de Martim Esteves tabalion polla ditta Senhora na ditta villa segundo em nos ditos estromentos e carta paressia das quaes o theor he como se segue. Donna Phelipa pola graça de Deos Rainha de Portugal e do Algarve A vos nosso Almoxarife da nossa villa de Montemor o Velho e a quaesquer outros nossos Almoxarifese justiças a que esta carta for mostrada saude sabede que o Deám e o cabido da see da Cidade de Coimbra nos inviaram diser que estando elles em posse de grande tempo a aco de levar Portagens e mordomados do seu couto de Tavarede termo dessa Villa por bem de Doaçam que lhes do ditto lugar e direitos e pertenças del fora feito por El Rei Dom Sancho e a Rainha Donna Doçe que vos nosso mandado çhe tomarades as dittas portagens e mordomados esbulhando o delles sem ceendo elles a ella chamados nem ouvidos com seu direito e pedimentos por merçe que os mandassemos tomar à dita posse de que assim foram esbulhados como ante estavam e nos vendo o que nos pediam e por havermos certa informaçam se hera assim como elles desiam foi vos mandado por nossa carta que soubeçedes por verdadeiras informaçam e testemunhas antigas e dignas de fee se os dittos Deam e cabido estavam de posse de levar as dittas portagens e mordomado antigamente ou se a começaram de levar ora de nova como nos fora ditto; pela qual carta vos tirastes a ditta Inqueriçom a qual vista em Rallaçam por nos com os do concelho de meu Senhor El Rey acordamos que se provava por ella que os dittos Deam e Cabbido do tempo antigo levavam sempre e ouveram a ditta portagem e çordomado e que estavam elles em posse do tempo que por vos e vosso mandado foram esbulhados salvo da portagem do sal que sahir pela foz do Mondego, outro sim da disima do pescado que os moradores do ditto logo pescarem no Rio Mondego que pertençe a nós e que porem deviam ser tomados à posse da ditta portagem e mordomado pela guisa que ante estavam. Porem vos mandamos que logo vista esta carta os tornades a ditta sua posse como ante estavam e lhes façades entregar todo aquelle que lhes tendes tomado por nosso mandado do tempo que lhes asim foram tomadas por vós a ditta portagem e mordomado a tao tempo que por vertude desta nossa carta forem a posse delles restetuidos e deixadevos usar della assim e pella guisa que ante usavam recadando para nós a portagem do sal que sair pelo Mondego e a disima do pescado que os moradores do ditto logo pescarem em no ditto Rio; por quanto pella ditta inqueriçam se provava que pertencia a nós hende al nom façades. Dantes eu na Cidade de Evora quinze dias do mez de fevereiro, a Rainha Mandou por Rodrigue Annes scholar em leis vassalo del Rey e ouvidor do dito Senhor. Vasco Annes a fez. Era de mil quatro sentos e trinta e cinco annos. Rodericus Joanni (1397)(Gazeta da Figueira - 22.Agosto.1923) Saibam quantos este estromento virem como na Era de mil quatro sentos e trinta e cinco annos onze dias do mez de março em Montemor o Velho do arente da Igreja da Sam Martinho Pero Gonçalves chantre da see de Coimbra e Pay Martins conego da ditta see e Procuradores que desiam do Deam e Cabbido da ditta see que presentes estavam outro sim estando hi Joam Domingues Almoxarife da Rainha desta Villa, os sobreditos Procuradores mostaram e ler fiseram ao ditto Almoxarife esta carta desta outra parte escrita aqual vista pello ditto Almoxarife, o ditto Almoxarife obedecendo à dita carta disse que el aqueria comprir pella guisa que com ella era comtheudoe em comprimento della disse que el ditto Almoxarife mandava a Affonso Esteves Gago morador em o ditto logo de Tavarede que todolos dinheiros que el recebeo por seu mandado del ditto Almoxarife assim na ditta portagem e mordomado que os entregasse logo aos dittos Pero Gonçalves Chantre e Pay Martins pela guisa que em esta carta he contheudo E que outrosim que mandava e requeria da parte da Rainha ao juiz do ditto logo de Tavarede que cumpra esta carta como em ella he contheudo e leixe os dittos Deam e cabbido usar da ditta posse e haverem a ditta portagem e mordomado pella guisa que em a ditta carta he contheudo testemunhas Affonso Martins e Affonso Annes e João Gonçalves moradores em a ditta Villa e outros e eu Lourenço Affonso publico tabaliom por a ditta Senhora Rainha em a ditta Villa e termos que este estromento escrevi e em el meu sinal fiz que balhe sabbam os que este estromento virem como aos onze dias do mez de Março da Era de mil quatrocentos e trinta e cinco annos em Tavarede termo de Montemor o Velho ante as casas dalvaro vizente scendo hi Pero Gonçalves chantre da see de Coimbra e Pay Martins conego da mesma em presença de mim Martim Esteves Tabaliom de Nossa Cenhora a Raynha na ditta villa e termo e das testemunhas adeante escritas e estando hi outro sim Affonso Giraldez juiz do ditto logo e Affonso Esteves Gago morador outro sim no ditto logo os sobredittos Pero Gonçalves e Pay Martins mostraram e por mim ditto Tabaliom ler e publicar fiseram esta carta desta outra parte escrita outro sim este estromento suzo escrito so quaes lendos e publicados como ditto he logo por elles foi ditto e requerido ao ditto juiz e a Affonso Esteves Gago que lhe comprissem e aguardassem a ditta carta e estromento como em elles era comtheudo e mandou logo ao ditto Affonso Esteves que entregasse logo todolos dinheiros que elle tinha da ditta portagem e mordomado aos sobredittos e lhes defendeu que daqui em deante anontolhesse mais por mandado do ditto Almoxarife e aleixasse colher para o ditto cabbido como na ditta carta fora contheudo e o ditto Gago disse que lhe prasia e desto pediram os sobredittos Pero Gonçalves e Pay Martins este estromento feito dia, mez, era e logo suzo ditto testemunhas os dittos Alvaro Vicente e Francisco Matheus e outros e eu Tabaliom sobreditto que esto estromento escrevi e em el meu sinal fiz em testemunho da verdade. E logo pelo ditto Procurador do ditto Cabbido foi ainda mais mostradas duas cartas del Rey Dom Affonso que foi de Portugal escritas per latim em progaminhos abertas e seeladas de seu verdadeiro seelo das quinas de cera vermelha um colgado em cordam de retroz branco de fios brancos outro emtrena de retroz de fios pretos Segundo em ellas e em cada huma dellas parecia das taes o theor a tal he = (José Jardim - Notas d’um figueirense - Documentos para a historia regional)(Gazeta da Figueira - 25.Agosto.1923)


Mas, curiosamente, não foi só o cabido que fez doações. No ano de 1406, houve uma “doação de Marinha Affonso, de Tavarede, com autorização de seu marido, pela qual deu ao Mosteiro de Ceiça todos os seus bens moveis e de raiz, que tinha nesta freguezia e em outras partes, reservando para si o usufruto delas em vida, sob condição dos frades a receberem por familiaira, e façam participante de todas as boas obras que no mosteiro se fizerem, e seja sepultada com honra pelos monges, se no seu mosteiro eleger sepultura”.


O Mosteiro de Ceiça era, então, de grande devoção e respeito na região. Poucos anos depois surge nova doação pelo “testamento de Senhorinha Giraldes natural de Tavarede, e juntamente com o seu codicílio, pelo qual deixava a terceira de todos os seus bens à Virgem Maria de Seiça, sem dizer quais nem onde eram, com obrigação de a encomendarem a Deus e a seus Pais e marido”.(cadernos manuscritos do dr. Mesquita de Figueiredo).


Foi pouco depois que, com a instituição da casa de Tavarede, começaram as lutas pela posse de privilégios sobre o couto de Tavarede que a igreja de Coimbra, como donatária, queria manter, e de que os fidalgos, pelo seu poderio, se consideravam isentos. Como sempre acontece nestas situações, quem sofreu foi o povo. Mais lá para diante voltaremos, noutros capítulos, a estes assuntos.


(Tavarede - Terra de meus avós - 1º.)