A minha terra, que outr’ora como no presente foi uma das freguezias que no concelho da Figueira da Foz sempre caprichou em promover as festas annuaes em honra do popular S. João, parece que este anno as deixa ficar no olvido.
Parece, digo eu! É certo. Certissimo. É com imensa mágua que tal noticio. Os affamados ranchos, os praxistas concertos de musica pelas bandas civis d’essa cidade, a festa religiosa, a queima de fogos e, sobretudo, as tradicionaes Cavalhadas, que indubitavelmente eram o clou da festa; as corridas de saccos, de tres pernas, de potes, etc., e a célebre Rosquilhada, em que grande numero de pessoas passava horas e horas envolvido na mais franca e sincera alegria, tudo isto passa despercebido aqui, este anno!
Depois os descantes populares, que attrahiam a Tavarede algumas centenas de forasteiros que jámais se cançavam de dar largas á folia...
Emfim, tudo o que na minha terra se fazia n’aquelles dias para divertimento da mocidade indigena como da que aqui affluia de todos os logares limitrophes, este anno fica, como usa dizer-se, em aguas de bacalhau...
Eu, na minha qualidade de moço, com sanguinho na guelra, podia, conjunctamente com outros, constituir uma commissão e fazermos os alludidos festejos; mas, como a minha, as opiniões partem de todos: - não devemos fazel-os.
E o motivo é explicavel: É que o anno passado, a quando da entrega da Bandeira pela commissão respectiva ao parocho de Tavarede, meu prezado amigo sr. Manuel Vicente, após, claro está, as Cavalhadas terem percorrido pomposa e galhardamente o costumado itinerario, uns cavalheiros d’aqui e d’essa cidade apressaram-se a formar commissão, depois do que foram á egreja, pegaram na Bandeira, na qualidade, bem entendido, de festeiros prematuros d’este anno, e sahiram a percorrer as ruas da localidade acompanhados pela Philarmonica Figueirense, ao mesmo tempo que estoiravam no ar algumas boas duzias de foguetorio rijo.
Precisamente n’aquella altura estava a minha pessoa com uns poucos de rapazes amigos, cá do burgo, a resolver se iriamos novamente fazer a festa, se cederiamos a Bandeira a outros que a quizessem conduzir, mas os corajosos mordomos nem tempo nos deram para reflectir no assumpto, pois, como digo, apressaram-se a ir de vespera fazer a péga da Bandeira.
Ao vêr tal disparate garanti logo que aquelles cavalheiros, a mór parte dos quaes em magnifico estado comatoso, outros illudidinhos com musica e foguetes, não levavam ávante o seu proposito, o que infelizmente succedeu.
E com franqueza, em que cabeça cabe que uns rapazes figueirenses como os em questão, lá por terem muitos conhecimentos na cidade, onde aliás se arranja uma boa verba, fossem capazes de fazer como nós, os tavaredenses – que conhecemos bem a freguezia -, uma relação de todos os fogos respectivos e ir percorrel-os por varias vezes na acquisição dos dinheiros indispensaveis para a festa? Sim, porque não é só com o dinheiro que se aufere no commercio figueirense, que aliás é um optimo auxiliar, que em Tavarede se faz uma festa de S. João. São indispensaveis as voltas á freguezia, na pedincha, porisso que é d’ahi que sahe a maior quota. É d’ella que a gente ouve muitos sins e muitissimos nãos. É d’ella que nós, os tavaredenses e consequentemente os mais relacionados, formulamos e ouvimos muitas exigencias. Com que cara ficariam os rapazes figueirenses ao ouvirem d’um fulano – rico que nem um suino... – na occasião em que lhe pedissem qualquer obulo para a festa de S. João, - “que se se quizessem embebedar fossem primeiro cavar por conta d’elle...”, ou então – “que não estava p‘ra sustentar... animaes á argola”!!
Outro então fez-nos ir bater á porta por vezes varias, e um dia sahe-se com esta:
= Olhem lá, meninos, vocês tambem fazem festa d’egreja?
Depois de resposta affirmativa:
= E de que consta? Quem canta ao côro? De onde é o armador? Quem... – e fez-nos uma série de perguntas que só a paciencia de Job retorquiria. Mas como contavamos com verba taluda, gramámos bem uma bem puchada hora de massada... E sabem quanto assignou? Foram 30 reis, por signal em cobre, porque, dizia elle, agora não tinha mais trocado! Para a outra vez daria mais qualquer coisinha...
É verdade! E foi-nos exigindo um foguete, que então já custava creio que uns seis vintens, e que fossem no dia da festa com o gaiteiro tocar-lhe á porta, como era habito no seu tempo!!
E por estes e outros motivos, eu tenho a firme, a certeza plena de que os rapazes da Figueira perdiam o moral e desistiam por completo, no caso que prosseguissem – como era do seu dever – no que se propuzeram.
Antes que te cases... – e é bem certo.
Soffrem-se muitas decepções, meus caros, acreditem. As luzidas festas que vós todos os annos haveis apreciado custa muito aos que a emprehendem. Sua-se muito e dão-se milhares e milhares de passadas.
Eu, com os meus 23 annos, já sei muito bem o que ellas custam. No emtanto inda lá ia outra vez, inda estava no firme proposito de trabalhar com a mesma boa vontade, com o mesmo amor proprio, conjunctamente com rapazes da minha terra, para a realisação de tão sympathicos festejos, se vocemecês, na qualidade de inexperientes no assumpto, me não alliviassem d’esse pesado fardo.
E para quê? Para agora um dos commissionados – talvez com o criterio espicaçado pelo arrependimento – me vir offerecer vinte mil reis para eu ficar por elle!
Pobre d’espirito!
E aqui teem explicado o motivo por que os rapazes de Tavarede capricharam em não levar a effeito este anno os tradicionaes festejos ao Santo Casamenteiro.
Oxalá semelhante facto se não repita, pois, que diabo, cá na terra ainda há gente competente para fazer os festejos ao S. Joãosinho – os festejos que dão honra á Tradição e sobretudo ao perfumado Canteiro de Limonete...
No emtanto, para aquelles dias este anno aqui não passarem despercebidos, e instados pelas moçoilas, um grupo de rapazes, possuido da melhor boa-vontade, realisará nos proximos sabbado, domingo e segunda-feira uma modesta festa, uma festa de um cunho accentuadamente familiar, a qual constará do seguinte:
= De sabbado para domingo, no Largo do Forno, rancho de descantes populares, abrilhantando parte da tuna do Grupo Musical Tavaredense;
= Domingo, á tarde, continuação do mesmo rancho, destinando-se um premio para o par que se apresentar em rigoroso ponto em branco;
= Na segunda-feira, de manhã, desafio de malha entre oito dos melhores batedores do burgo, no pittoresco quintal do estabelecimento commercial dos successores de F. Cordeiro, sendo disputado um leitão, o qual será pago pelos vencidos e papado pela assistencia;
= No mesmo dia, á tarde, corridas varias e a indispensavel Rosquilhada – um dos numeros que chama a Tavarede dezenas e dezenas de pessoas, principalmente d’essa cidade.
= Á noite, danças populares.
E d’esta fórma tenho a certeza que não deixará de divertir-se toda a gente de Tavarede e a que cá affluir n’aquelles dias.
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