Na sexta-feira foi ao Porto realizar um espectáculo em benefício do Asilo de S. João, daquela cidade, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense que representou no Teatro de Sá da Bandeira a opereta Justiça de Sua Majestade.
Temos prazer em registar que os nossos patrícios alcançaram um belo êxito, que os enche de natural satisfação e muito honra o festejado grupo tavaredense.
O teatro encheu-se. Esgotou-se completamente a lotação da plateia e camarotes. E a assistência manifestou o seu agrado de maneira bem expressiva. A representação foi frequentemente cortada de aplausos. Logo no 1º acto, uma calorosa ovação sublinhou a linda Canção dos Beijos; e foram sucessivamente aplaudidas a Canção do Tabaco, o número de Roberta, e o coro final do 1º acto; o belo dueto dos dois criados rústicos no 2º acto, o terceto Açorda do Major, a formosa canção de D. Joana, que a assistência obrigou a bisar, o coro Boas-noites, o dueto de amor e o terceto do 3º acto, etc. No final as aclamações foram calorosas e prolongadas, fazendo-se chamadas que provocaram novas ovações.
E assim, a linda opereta, que no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense alcançou extraordinário agrado, obteve um êxito enorme com os aplausos expontâneos, sinceros, da culta plateia portuense.
Dirigimos ao grupo tavaredense as nossas felicitações cordiais, por este seu novo triunfo, abrangendo nelas o distinto compositor amador, nosso patrício, sr. António Simões, autor da maior parte dos números de música da opereta e que no Porto apresentou e dirigiu uma excelente orquestra.
No jornal do Porto Povo do Norte, de segunda-feira, o seu crítico teatral refere-se à récita dos tavaredenses com palavras de muito elogio. Transcrevemos:
“ Há, no meio jornalístico profissional do Porto, a monomania de ligar pouca importância aos grupos de amadores teatrais da província. Ainda na última sexta-feira, num espectáculo que se realizou, no Teatro Sá da Bandeira, em benefício do Asilo S. João, tivemos o ensejo de verificar esta lastimável verdade. Talvez porque se exibia ali um grupo de amadores de Tavarede, interessante aldeia vizinha da Figueira da Foz, não compareceu, naquele teatro, um único redactor dos diários portuenses a cumprir o dever de apreciar aquela tão simpática festa para, sobre ela, bem informar depois a curiosidade do público. E foi pena que assim acontecesse porque o espectáculo marcou, sem dúvida, uma nota artística digna de registo. Devemos confessar que nos surpreendeu o conjunto, que é mais harmónico que muitas companhias de profissionais que algumas vezes nos têm visitado”.
Depois de se referir à adaptação ao teatro da Justiça de Sua Majestade e ao modo como a opereta foi posta em cena, o crítico do Povo do Norte acrescenta:
“ Não faltou o mais insignificante detalhe de observação nos cenários e guarda-roupa, confeccionados de acordo com as exigências da época. Notou-se nas mais pequeninas coisas que andou ali dedo de quem percebia de teatro... E só assim se compreende o êxito alcançado por um conjunto de amadores, filhos do povo e do trabalho, que nas horas vagas se dedicam àquele modo de se instruírem e civilizarem, em vez de fugirem para os centros maléficos do vício e do crime. A música da peça deve-se aos profissionais Ferrão e Portela e ao maestro-amador do grupo, António Simões, que dirigiu com segurança a orquestra, durante o espectáculo, sendo toda inspirada em motivos populares, cheios de ingenuidade, que soam bem aos ouvidos daqueles que estão habituados a escutar as canções simples mas harmoniosas e sentimentais do povo aldeão.
No desempenho salientaram-se a característica Maria Tereza de Oliveira que, no papel de Roberta, nos deu a impressão de uma autêntica artista. D. Violinda Medina que, com um fiozinho de voz agradável, cantou bem e declamou sempre com muita naturalidade e acerto, dum modo a, por diversas vezes, justamente conquistar aplausos; e Guilhermina de Oliveira, num ingénuo papel de criada, que desempenhou com vivacidade. Muito graciosa, mereceu também as palmas com que os espectadores a distinguiram. Guardamos para o final o trabalho de Emília Monteiro, a triste apaixonada, que soube imprimir sentimento ao decorrer do desempenho do papel que lhe foi confiado.
Do elemento masculino, devemos salientar Jaime Broeiro que, no papel de José Urbano, revelou qualidades artísticas; e os restantes não desmancharam o conjunto. A apresentação do grupo foi feita pelo nosso prezado amigo dr. João Correia Guimarães, a quem José Ribeiro agradeceu num belo improviso as palavras com que a sua gente foi distinguida. Um pequenino educando agradeceu também o benefício que o seu asilo acabava de receber.
Foi comovente o modo como o director do grupo respondeu ao pequenino, dizendo-lhe que nada tinha que lhes agradecer porque estavam todos ali cumprindo um dever de solidariedade humana. A assistência que enchia o teatro sublinhou com uma estrondosa salva de palmas as palavras do nosso colega. Foi uma simpática festa que o Asilo de S. João organizou e que deve repetir-se logo que tenha oportunidade para isso”.
Também o Primeiro de Janeiro se refere elogiosamente à representação da Justiça de Sua Majestade:
“ A récita em benefício da simpática Associação Protectora do Asilo S. João realizada,, sexta-feira passada, no Sá da Bandeira, decorreu com entusiasmo e, por vezes, até com brilho mercê, principalmente, da peça representada e da segurança que mostraram no desempenho dos seus “papéis” os bons elementos que constituem o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, da Figueira da Foz”.
Alude em seguida à adaptação da Justiça de Sua Majestade, e termina:
“ A música traz as assinaturas dos maestros Raúl Ferrão e Raúl Portela e do amador figueirense António Simões, sendo, toda ela, de suave inspiração e melodia. O desempenho foi correcto e homogéneo, procurando todos os amadores concorrer – o que conseguiram – para o sucesso da representação a que o público não regateou aplausos. O grupo coral compartilhou, também, com justiça, desses aplausos, assim como a orquestra, sob a direcção do sr. António Simões. O interessante Grupo apresentou um bom guarda-roupa, à época (1852) e cenários apropriados do cenógrafo Rogério Reynaud e do artista Alberto Lacerda. Pode dizer-se que a récita da Associação Protectora do Asilo de S. João, instituição de beneficência que tantas simpatias conta nesta cidade marcou, este ano, como espectáculo de interêsse”.
A Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense está reconhecidíssima ao Asilo de S. João pelo acolhimento gentil que foi dispensado ao seu grupo cénico, e particularmente ao sr. Rogério Bettencourt, director daquela benemérita instituição, cujas atenções e gentilezas não serão esquecidas.
(A Voz da Justiça - Maio de 1935)
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