sábado, 22 de outubro de 2011

TEATRO DA S.I.T. - NOTAS E CRÍTICAS

1915

OS AMORES DE MARIANA – NA FILARMÓNICA FIGUEIRENSE

Conforme noticiámos no penultimo numero do nosso jornal, teve logar no pretérito domingo, no elegante teatrinho da Figueirense, o espétáculo que foi abrilhantado pelo grupo dramatico da Sociedade d’Instrução Tavaredense, que levou à cêna a opereta Os Amores de Mariana.


Não mentimos quando afirmámos que o publico corresponderia com a sua presença, no vasto salão da Figueirense, ao apêlo feito por esta simpatica colétividade, organisando uma récita que, como a de domingo, tarde se nos apagará da memória. E também não mentimos fazendo as mais elogiosas referências ao grupo de Tavarede, que sabe conduzir-se de forma que encanta todos que logram o prazer de o ouvir. Por tal razão os nossos cumprimentos aos briosos rapazes que tão bem aproveitam as suas horas vagas, cultivando sob a diréção d’um habil amador, como o é Vicente Ferreira, uma Arte tão querida do nosso povo: - Arte dramatica.


Os Amores de Mariana agradam pela sua simplicidade e agitam os corações pela boa musica que tem, verdadeiros mimos da nossa fértil canção portugueza. E se nós temos vontade imensa de nos prendermos à Mariana, salta logo essa figura de Zé Piteira, bonacheirão mas amorudo, que não gosta da brincadeira e descarrega traulitada.


É que o nosso camponez ama valentemente como uma vaca, e sendo só pão, pão, queijo, queijo, não consente – e faz muito bem – que o queijo da sua conversada se vá unir a qualquer pão da cidade, que envenena e não quer casar.


E mesmo tem o nosso Zé Piteira carradas de razão nos seus zelos: - é que a srª. Mariana é o beijinho lá da aldeia, une-se, casa-se bem com o pitoresco daquele Minho ridente em que as flôres são belas e teem perfumes estonteantes; e por tal é triste que um jinota todo triques à beirinha venha com forçada meiguice apoderar-se da filha do Manuel d’Abalada, que de bom gosto dá tudo quanto tem e ainda mais à filha ao simplorio Zé Piteira.


A alma é esta, e a poesia ressalta no campo a todo o passo, de maneira que desde o Barnabé Pacóvio, o brazileiro d’agua-doce, até à Morgadinha do Freixo, que já se conheceram... trez vezes, todos à uma anuem ao casamento, e o simpatico Zé lá se abicha com aquela linda Mariana, bem contra a vontade desse Ernesto, o jinota, que queria... que se acabasse esta maçadoria que fica escrita para registo da noite de domingo ultimo. (Voz da Justiça – 05.14)

1916

ENTRE DUAS AVÉ-MARIAS

Por tábuas do “theatro do grupo de Instrucção Tavaredense” – ‘Hi por abas das dez e picos, com a casa á cunha, cheiinha como ovo galado, amigo e mestre Gentil, de seu poiso de maestro, içou batuta e deu signal de começo á funçanata. Subiu o pano no ranger d’uso. E na scena, raparigas em trajes minhotos, com suas saias rodadas, seus colletes de velludo, lenços de ramagens, peitos estrellados d’oiro, desataram c’uma malta de moços de jaqueta e calça afunilada, com camisas de bofes e chapeirões largos de feltro, a farandolar, a cantar qualquer coisa com resaibo popular, assim á guisa de móda de róda em rancho alégre, á volta de fogueira, por noite santa de S. João!


Era esta festança no largo da Aldeia. Á esquerda o tasco do sr. André, à direita a botica de mestre Aniceto.


Menina Rosinha, filha do tendeiro, assomou no riso claro de sua belleza, á janella de sua casa.


Subiu um côro de saudações á mais linda moçoila das redondezas. E ella que por todos é querida, e de todos é graça, entra a lamentar suas desditas, sua escura sorte de namorada, com noivo por terras longes, perdido por Brazis distantes, sem dar novas ou noticias de sua saude e seus haveres.


N’isto, n’uma céga réga, apressurado, mexifo, buliçoso, sórde D. Procopio, mordómo dos srs. fidalgos d’Arrifana. E ali bota dueto por’môr d’um melro que morrera a sua excellentissima ama, com mestre boticario a quem egualmente fallecera certo papagaio excellentissimo.


Ouvem-se toques de corneta. O carteiro anciosamente esperado chega alfim.


E todo o povoléu do logarejo recebe suas cartas, todo. Só Rosa fica sem mandados, só Rosa foi esquecida de quem tanto lhe lembra!


Uma nevoa de tristeza cae com suas queixas, desce com suas maguas d’abandonada. Presentem-se olhos de gentana amiga orvalhados de lagrimas, corações condoídos da negra sorte de Rosinha.


E subitamente, na paz das coisas e das almas, o sino maior do campanario da Aldeia, chora lagrimas de bronze, espaçadamente... Dobram-se joelhos. Descobrem-se cabeças. Balbuciam-se orações. Dentro, um côro de creanças resa uma Avé-Maria, suavemente. E o pano desce na benção do lyrismo que paira em tudo aquillo...


Estoiram palmas. Pano arriba, pano abaixo, e o theatro despe-se de machos. Cá fóra o mulherio das freiras de milho, faz negocio largo. E no Zé Maria e no Francisco, não há mãos que cheguem, a medir copos com vinho p’rá basta fréguezia.


Içam de novo o pano. Agora a scena tem ao fundo um carro de bois de toiço baixo, c’um casco no leito. Fazem róda vindimadores e vindimadeiras encostados a seus poceiros vindimos. Cantam. ‘Té que seu patrão André os enxota p’r’ó serviço.


Amigo Zé Cochicho, zagorro vivo e moço decidido, promette ir consultar certa bruxa, sabida e mestra em adivinhas e feitiços, por’môr de averiguar do paradeiro de Jorge, querido e sonhado noivo de Rosinha.


Parte a realisar sua ideia. Mestre André vae à sua obrigação, - vêr se a gente que traz lhe dá conta do trabalho.


E é então que o sr. fidalgo e seu mordómo apparecem em cata da linda moça do logar. Cynicamente, o fidalgo confessa que quer para serva de seus desejos. Quasi lhe impõe a venda de sua carne, - que ou ella lhe pertence, ou o pae é entregue á justiça por suas dividas.


Um desconhecido que surge e tudo aquillo ouve, e que tem tentado saber com certas móstras de interesse o que a rapariga sente, põe ponto final na questão, saldando a divida com dez contos de reis, despresadoramente atirados ás ventas do fidalgo e de seu mordómo, em bellas notas de cem milhos (palavra d’honra que até pareciam das bôas... – aquillo por mais que me digam, foi abono do João dos Santos).


Fogem corridos, amo e lacaio. E o desconhecido faz evocar a Rosinha coisas velhas, recordações de sua infancia, e certa canção de Jorge, dos tempos distantes de sua felicidade.


Annuncia-se o regresso breve de seu noivo. Junta-se a gente do casal. Cantam, dançam, e o pano desce sobre o segundo acto na alegria d’uma grande festa.


Abre o terceiro c’um côro em surdina, por gentes enfeitando o largo onde d’ahi a momentos deve ser recebido Jorge de regresso de suas viagens. Zé Cochicho volta, a affirmar que a bruxa lhe predisse as maiores venturas para os dois que vão acasalar-se. Mas o fidalgo e seu mordómo travam crimes graves de desasocego e arrelia. E combinam fazer passar por moedeiro falso o desconhecido, fazer prender por cumplice o pae de Rosa. Certo aldeão que os escuta tudo descobre. Correm a informar a justiça do que se cuida fazer. E o fidalgo é preso. O mordómo é preso. Jorge chega. Noivo e noiva abraçam-se no grande contentamento de todos. Ali se combina o casamento proximo. Podre de rico, Jorge, offerece a locanda do sogro a Zé Cochicho, seu fiel amigo. Tudo ri, tudo canta. Uma alegria d’oiro faulha, vibra em falas e cantares.


... Mas subitamente, sinos tamgem de novo. Corta o arruido da festa uma rápida transição de recolhimento. Creanças ajoelham. Voltam a cantar-se Avé-Marias. E o pano desce...

Que dizer do desempenho? – Quasi nada. – A peça é um bocado de vida rustica, cortada de typos authenticos.


Claro que não é opereta. Certo que não tem valor como theatro. Mas é um pretexto para encaixilhar em motivos populares meia duzia de typos caseiros de nossas aldeolas. E vae d’ahi, os amadores de Tavarede ali achados como peixe n’agua, em coisinha suave e facil, perfeitamente á altura de seus créditos, lindamente se houveram em seu desempenho.


Já de certa vez de lá vim arripiado, a quando d’um tal dramalhão de faca e alguidar que ali bispei. Agora não, agora satisfez-me aquillo, e sinceramente d’aqui os incito a novas proezas, com comedias ligeiras, operetas leves, theatro assim á altura dos seus merecimentos, coisas assim da egualha d’esta.


Devo notar que a marcação de José Ribeiro mais uma vez vincou o valor d’este moço intelligente e estudioso, que conseguiu distribuir regularmente as figuras, sem marcas monotonas e pesadas que vulgarmente se topam em pisos d’amadores.


Salientarei ainda a graça, a leveza, a frescura com que Helena de Figueiredo se incarnou em papel de aldeã. A vivacidade, a naturalidade de Francisco Carvalho no Zé Cochicho. E a superior interpretação de Broeiro, no D. Procopio. Antonio Graça a meu contento se houve no tio André. E os outros, sem desprimor, egualmente me agradaram. (Gazeta da Figueira – 02.02)

FESTA DA ÁRVORE

Domingo esteve em festa a pitoresca localidade de Tavarede. Realisou-se a festa da Arvore, promovida pela professora oficial srª. D. Maria José Martins Santos, com a cooperação da Sociedade d’Instrução, Grupo Musical Tavaredense e várias pessoas d’esta freguezia que souberam dar, com o seu louvavel gesto, mais um exemplo de abnegação e civismo.


Às 15 horas inaugurou-se na casa da escola oficial a bandeira nacional, entoando as creanças a Portugueza. Organizou-se depois o cortejo com os alunos, associações e seus estandartes, orquestra composta dos elementos locaes sob a diréção do sr. Paula Santos e muito povo, dirigindo-se ao Largo do Paço, onde plantaram duas arvores, tendo n’essa ocasião a professora oficial usado da palavra para afirmar ser necessário acabar com a guerra à arvore e incutindo no espirito da assistencia o amor que ela a todos deve merecer.


D’ali veio o cortejo ao Largo do Forno, onde plantou quatro arvores, realisando-se em seguida o jantar oferecido na séde do Grupo Musical a todas as creanças, ato a que assistiram, comovidos, muitos dos paes, comoção que era maior certamente por ser para eles desconhecido até ali o sentimento de tão bela confraternização.


À noite, no teatro da Sociedade d’Instrução, efétuou-se o sarau, que começou pela Portugueza cantada pelas creanças, acompanhadas pela orquestra, depois do que o sr. dr. José Gomes Cruz felicitou as associações locaes por se terem congraçado n’este momento, e mostrou a grave situação em que se encontra a pátria. É preciso reunir todos os esforços para a sua defeza. Por último, o orador põe em relevo as vantagens da plantação das arvores e a sua importancia na nossa vida. Conclue com vivas a Portugal e à República, que foram entusiasticamente correspondidos.


Segue-se Marcial Ermitão que, a propósito da marcha que ouvira às creanças com uma estrofe dos Luziadas, explica quem foi Camões como poeta, como soldado, como altissimo patriota que deixou o seu nome assinalado para todo o sempre na história da nacionalidade. Fala da heroicidade dos portuguezes, cujos soldados foram elogiados pelo proprio Napoleão, incute no espirito dos novos o amor pela defeza da nossa independencia auxiliando os que lutam contra as prepotencias da Alemanha e morras à barbara nação teutónica.


A assistência, que por vezes interrompeu o orador, dedica-lhe muitas palmas no final das suas calorosas palavras.


Cabe agora a vez a José Ribeiro. Felicita as creanças, pelo brilhantismo da sua festa e pelo entusiasmo com que n’ela colaboraram. Define o significado de cada frase da Portugueza. Refere-se à entrada de Portugal na guerra, afirmando ser preciso que n’ela tomemos parte para manter a nossa honra, para que não se diga apenas que os portuguezes foram heroes, mas se prove que ainda o são. É preferivel morrer com honra do que ser apodado de infames e cobardes. É militar e será dos primeiros a marchar para onde a Pátria reclamar os seus serviços. Quer que as creanças que ali vê apenas lhe lancem e aos seus camaradas, muitas flôres, certos de que, quando regressarem, não carecerão já de mais flôres, porque hão-de vir cobertos de louros de glória.


É tambem vivamente aplaudido.


O último orador foi o sr. dr. Manuel Gomes Cruz, que principiou por se congratular por vêr cruzadas as bandeiras das duas sociedades da sua terra e felicitar os promotores da festa da arvore, cujo alcance só pode trazer-nos beneficios.


Fazendo tambem a nota da beligerancia, relata os termos em que a Alemanha declarou guerra a Portugal. Se não tivéssemos procedido como procedemos na aquisição dos navios alemães, não estariamos hoje ainda em guerra com a Alemanha, mas estariamos certamente em luta com a Inglaterra, nossa aliada de sempre. Rebate as insinuações caluniosas e torpes dos que atribuem ao sr. dr. Afonso Costa qualquer gesto impensado no modo como procedeu na requisição dos navios. O grande estadista tudo previu e soube acautelar todos os interesses dos proprietarios d’estes barcos. A guerra que a Alemanha move é a guerra de ódio a todas as nações que lutam pela liberdade e pela paz da Europa e todas as mães devem animar os seus filhos para que não nos deixemos insultar de braços cruzados! Recorda o procedimento que tivémos para com o ministro alemão e o modo incorrecto como foi tratado o nosso representante em Berlim. Saúda as nações aliadas e põe termo nas suas considerações com vivas a Portugal, a que a assistencia correspondeu com entusiasmo.


O sr. Marcial Ermitão propõe então que ao sr. Presidente da República seja dirigido o telegrama congratulatório a que já démos publicidade na ultimo numero e que o povo aclamou delirantemente.


Nos intervalos dos discursos foram recitadas lindas poesias e cantados varios numeros de musica pelas creanças das escolas, tendo terminado o sarau com a comedia-drama As Arvores, pelos meninos João e Aurelia Cascão, apoteose à Arvore, com coro da Sementeira, acompanhados pela orquestra regida pelo sr. Paula Santos, creanças lançando flôres, etc., tudo n’um conjunto de belo e sugestivo efeito que tornou a festa uma das mais lindas e entusiasticas que se teem levado a efeito n’esta localidade.


Os nossos melhores elogios a quantos para ela contribuiram. (Voz da Justiça – 03.24)

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