sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 18


Naturalmente, o visado não podia deixar de responder. Temos procurado evitar pôr á luz do sol os animaesinhos que em pleno seculo XX – é verdade, no seculo das luzes – imitam o vestuario como os homens e que, quando nos apanham distrahidos no meio d’arena, nos levam bravamente d’encontro á trincheira... É pena ser acto deshumano, pois que, pela nossa salvação – se não tivéssemos medo de censura – lhes ferrariamos no lombo com vontade o bello aguilhão que por mais d’uma vez, os tem conduzido ao redondel, onde aprenderam a ser dignos e honestos.
         São animaesinhos, não merecem outra classificação, que ingratamente pagam com pontapés (é para não dizer coices) o único favor que lhe fizémos de perder um precioso tempo, e até a saude, domando-os para os apresentar com agrado duas vezes em publico!!
         A declaração - ignorancia - que pediram ao nosso amigo e sr. redactor da Gazeta, em nome do Grupo Musical Tavaredense, para publicar, é a prova sufficiente de tudo quanto aqui temos affirmado e que toda a gente que nos conhece poude avaliar a canalha que continúa envergonhando uma terra que tem filhos illustres e onde habitam pessoas honradas que desejam o socego e o respeito para se poder viver honestamente.
Os imbecis - tendo à frente os Medinas de Verride, nascidos e creados n’aquella terra como vagabundos - pediram a uma pessoa que devia, pela sua illustracção inhibir-se de escrever as coleras d’uma ignorancia rara, fugindo por completo ao assumpto de que se tratava, mas que nós vamos contar para quem nos lêr admirar os actos que vehementemente combatemos e que nos levou a pedir a demissão de sócio d’aquelle Grupo. Apreciem:
         Quando a Sociedade d’Instrucção Tavaredense abriu a matricula de alumnos para a escola nocturna que sustenta, foram dois rapazes, socios do Grupo Musical, matricularem-se, visto o poderem fazer gratuitamente. No dia seguinte foram, como de costume, passar algumas horas da noite no seu Grupo, quando o Antonio Medina, presidente da direcção, os chamou e lhes disse com uma auctoridade de mandão: “Quem pertencer aqui não póde ser lá de cima!”. Nós, que estavamos presentes, cumprimos o nosso dever: incitando a instruir-se quem d’isso necessite e censurando os ignorantes que não comprehendem o papel que querem desempenhar, pois deviam vêr que sós, sem consentimento d’assembleia geral, não podia expulsar associado algum. Os rapazes, um veiu anichar-se novamente no Grupo Musical e o outro seguiu o caminho da escola, porque pensou que d’esta receberia luz para o cerebro e d’aquelle colheria vicios que são prejudiciaes e vergonhosos a toda a gente.
         Bem, vendo estas coisas, frequentavamos poucas vezes o Grupo Musical, mas sempre que ali iamos admirava-se uma triste scena de taberna: o Medina chegando de casa, naturalmente de cear, pedia com um descaramento tão velhaco, para fazerem uma vaca, um vintem, outras vezes dez reis, etc., a todos os socios que ali se encontravam reunidos e mandava comprar vinho que elles bebiam e mais algumas creanças que se embriagavam de tal maneira que era necessario irem buscal-as para casa.
         Visto tal orientação, deixámos de frequentar o Grupo, mas sendo sempre sócio...
         Ha dias queixam-se-nos alguns moradores de Tavarede, porque todas as noites não os deixavam descançar alguns rapazes do Grupo Musical que faziam arruaças a certas e determinadas pessoas com as chamadas serenatas, dizendo-nos que para os outros estavamos logo promptos para os verdascar quando erravam, mas que para os nossos bons consocios havia a maior benevolencia. E nós, com bons modos para evitar que elles estendessem a perna, pedimos que tivéssem mais senso e vergonha. Mas, o que fômos dizer!... Os animaesinhos já não nos conheciam como domador. Olhavam-nos cynicamente...
         Passaram-se alguns dias, gritam-nos contra o Grupo que consentia sahir da sua séde a altas horas da noite uns malvados que arrombaram a porta da casa d’uma pobre mulhersinha, caso que mencionámos indignados na Gazeta da Figueira, pedindo ás auctoridades locaes ou administrativas sevéra lição a quem assim procede.
         Se elles já nos não olhavam com bons olhos, depois até chegaram a organisar um complot, do qual faziam parte elementos da gente do bunho, para nos darem uma tareia de esticar o pernil. Percebemos a marosca e eis nos immediatamente perante o casco do rijo craneo da alta personagem do sr. presidente da direcção do Grupo Musical, pedirmos que nos riscasse do numero dos seus socios.
         Decorridos meia duzia de dias apparecem nas paredes d’esta povoação o menú para um lauto jantar que lhes vamos offerecer pelos actos que nem, talvez, garotos o fizéssem e que promettemos, sem faltar a esta responsabilidade, de lhes encher a barriga até fartar. Ora, agora digam-nos as pessoas conscienciosas, se temos ou não razão? Se era ou não cabida a nossa declaração, publicada no dia 16 do corrente?
* * *
         Em vista das graves affirmativas que ali se fazem a nosso respeito, em vez de deixar ao arbitrio das pessoas de bem a nossa resolução em desprezar os grosseiros insultos de taes infames, vimos por este meio emprazar os animaesinhos d’aquelle Grupo a dizerem-mos:
         1º - Qual a calumnia que nós levantámos a um rapaz digno e que era a causa de nos expulsarem do Grupo?
         2º - Quaes as sociedades onde temos sido desconsiderados?
         3º - As provas em como nós frequentavamos na Figueira os sitios mais vergonhosos, praticando acções ridiculas, a ponto de usurpar ás infelizes algum dinheiro?
         4º - Qual a infamia praticada por nós no dia 10 do corrente?
         Nada mais queremos saber! O resto - prosa d’arrieiro - devolvo-lh’o escorrendo a fectida lama com que pretendiam sujar-nos... Felizmente, estamos bastante acima para que possamos livrar-nos mais uma vez d’esses machos de almocreves e sentimo-nos mais uma vez honrados pelo proceder digno da nossa familia - que os deixou entrar em sua casa, julgando-os qualquer coisa honesta - os mandou já arranjar as albardas para que no proximo dia 1 de Janeiro de 1913 irem em marcha aux flambeau... em procura de abrigo. Annibal Cruz
* * *
         P.S. - Como se annuncia para ahi á bocca cheia que, apenas se publique esta resposta, a nossa morte será fatal e, em vista de não termos meios de fortuna, appellamos para os corações generosos para nos enviarem qualquer quantia para o nosso caixão e para darmos uma pinga aos socios do Grupo Musical Tavaredense para solemnizar esse funesto dia. Desde já agradecemos, pedindo tambem ao Diabo - já se vê, porque creaturas da nossa força não podem ter lugar no Céu de Deus - que nos feche, para nunca mais de lá sahirmos as portas do Inferno, porque se nos deixam voltar a este miseravel mundo, onde ha tanta gente velhaca, teremos de usar esporas e um bom marmelleiro para passearmos na nossa terra sem receio.

         Como dissemos, a questão passou para o tribunal, tendo a acção, posta pelo Grupo, sido julgada em 1914. Infelizmente não conseguimos saber qualquer coisa sobre a sentença.

Mas a Sociedade, a quem esta questão não dizia respeito, prosseguia a sua acção teatral com a apresentação de alguns dramas e diversas comédias, que sempre agradavam e dispunham bem. Por sua vez, a escola nocturna registava sempre mais alunos a frequentarem as suas aulas.

Segundo os elementos que  conseguimos reunir, foi em Janeiro de 1913, no programa comemorativo de mais um aniversário, que começaram a ter lugar as chamadas sessões solenes que, a partir daquele ano, passaram a fazer parte regular das festividades comemorativas dos aniversários, e que atraíam a Tavarede imensas pessoas da Figueira e de outras localidades.

Às 15 horas começou a plantação de árvores no largo pertencente ao edifício, formando-se seis grupos, por tantas serem as árvores.Cada um destes grupos de rapazes encarrega-se do tratamento da planta que lhe coube em sorte e no fim do ano serão premiados os que maior zelo manifestarem no cumprimento da sua missão.
         A este acto, a que assistiu uma multidão de povo, vimos, com prazer, alguns homens, velhos, lançarem mão das pás e enxadas, ajudando afanosamente os rapazes na sua árdua tarefa. Belo exemplo!
         Às 16 horas, achando-se a sala repleta de espectadores, procedeu-se à sessão solene para a distribuição de prémios aos alunos mais aplicados e posse ao novo corpo gerente.
         Proposto pelo sócio sr. João dos Santos, para presidir à sessão, o sr. Dr. Manuel Gomes Cruz, iniciador da primeira escola nocturna em Tavarede há mais de treze anos e que posteriormente ficou a cargo da Sociedade de Instrução, foi por uma unânime salva de palmas aprovada esta proposta.
         Tomando lugar, o sr. Dr. Cruz nomeou para secretários os cidadãos João dos Santos e Manuel Jorge Cruz e, aludindo à criação da primeira escola nocturna em Tavarede, pôs em relevo os generosos serviços que a ela prestou o sr. João dos Santos. Prosseguindo no seu pequeno mas brilhante discurso, louvou as direcções que têm trabalhado pelo progresso da Sociedade de Instrução, enalteceu o valor da festa da árvore e incitou os que o escutavam a cooperarem sempre em obras de instrução, educação e civismo como aquela que ali se celebrava e que muito honrava Tavarede. Uma salva de palmas cobriu as suas últimas palavras.
         Erguendo-se para falar o sr. Dr. José Gomes Cruz, produziu-se na sala um grande silêncio. Começou por dizer que, sendo convidado para tomar parte numa festa tão simpática, na sua terra, acedeu da melhor vontade, e limitando-se apenas a dar uma lição de botânica. Não podemos, por falta de tempo e espaço, acompanhar o ilustre conferente que, durante mais de uma hora, prendeu, com bastante interesse, todo o auditório, usando de uma linguagem de fácil compreensão para todos. Concluiu por um apelo patriótico aos seus conterrâneos para que trabalhassem sempre no sentido de serem úteis a si e à Pátria. Ao terminar o conferente foi calorosamente ovacionado.
         Tomando a palavra o sr. Manuel Jorge Cruz, congratulou-se por assistir a tão simpática festa e por ter ensejo de ver que não foi inutilmente que ali, em algumas sessões idênticas, a que presidiu, aconselhou aos seus consócios a trabalhar pelo desenvolvimento daquela colectividade, que continuava a sua marcha desassombradamente, derramando a instrução nas classes pobres. Terminou incitando as crianças no estudo e mostrando-lhes as vantagens que obtinham instruindo-se, e recomendando-lhes com instância a guarda e tratamento das árvores que acabavam de plantar. Palmas da assistência.
         Fazendo de novo uso da palavra o sr. Dr. Manuel Cruz, refere-se ao carinho com que em algumas nações se tratam as árvores e elogia a dedicação de José da Silva Ribeiro pelo seu trabalho em prol da Sociedade, acabando por erguer um viva ao povo de Tavarede, que foi entusiasticamente correspondido.
         Encerrada a sessão, os alunos entoaram o hino escolar, ouvindo-se depois muitos vivas aos srs. Drs. Afonso Costa, Bernardino Machado, Manuel e José Cruz, Sociedade de Instrução, República Portuguesa, etc.

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