Devido a umas buscas que ando a fazer, bastante difíceis por sinal, sobre a história da nossa terra e também da família Quadros, morgados e condes de Tavarede, não tenho grande disponibilidade para continuar, por agora, com estas historietas sobre a minha terra natal.
No entanto tenho muita coisa que ainda queria aqui transmitir, pois Tavarede foi fértil em temas interessantes.
Além de continuar com a publicação de alguns 'Tavaredenses com história', vou publicar algumas notícias, das muiotas que recolhi, e que estão nos 13 ou 14 cadernos que compilei da imprensa figueirense. Julgo que terão interesse. Hoje abri o caderno dos anos 50 do século passado. E lá foi encontrar, entre coisas curiosas, muitos escritos aquando da publicação do livro ' Chá de Limonete ', da autoria de Mestre José Ribeiro, por ocasião das Bodas de Ouro da SIT. Pena este livro estar esgotado. Mas. vejamos duas dessas notas:
Mais e mais temos de nos convencer de que Portugal não é só Lisboa: está ante nós uma xícara do delicioso “Chá de Limonete”, que é uma lição muito para meditar…
Em uma pequenina aldeia, lá para as bandas da Figueira da Foz, existe uma agremiação notável: deve ser pobre, pelo modesto centro onde actua e pela exiguidade das quotas dos seus sócios mas é rica de boa vontade e dedicação; é rica pelo fim que tem em vista e cumpre denodadamente – é a Sociedade de Instrução Tavaredense. A forma de cultura que adotou é a instrução pelo teatro. E assim instrui, educa e distrai.
Mantem o seu grupo cénico mas, para bem cumprir o seu mandato, cada peça a representar é o pretexto para uma alegre e proveitosa lição, desde a explicação dos vocábulos pouco acessíveis aos menos cultos, até ao estudo da divergência de géneros e estilos, ao esclarecimento de épocas, usos e costumes.
E há 30 anos que dura esta acção cultural!
Pois foi ao serviço da simpática e prestimosa Sociedade Cultural de Tavarede que José da Silva Ribeiro colocou o seu mérito de escritor dando ao grupo cénico a fantasia “Chá de Limonete”. E aqui, com esse trabalho, surge outra lição – lição de aprumo, lição de moral. O “Chá de Limonete” prova aos nossos revisteiros, que tão frequentemente recorrem à obscenidade, que se pode fazer trabalho meritório, teatro movimentado, atraente, sem abandonar a linha de decoro, sem esquecer que a principal e mais alta missão da cena é educar e moralizar, que para criar a beleza não é necessário estadear no palco montes de carne nua.
Às qualidades apontadas, o reconfortante “chá” junta ainda a alegria e a arte.
Esta peça tem uma curiosa novidade: é uma proveitosa lição de história. Levezinha, que o público a quem se destinou não está ainda em condições de profundar muito. Poderíamos chamar-lhe revista histórica ou monografia teatralizada.
Os sucessos, interessando o local, desde a sua antiquíssima origem, vão sendo referidos pelo “Velho Tavarede”, o respeitável ancião que tudo presenciou… E os quadros vão-se sucedendo, na mutação de revista e o público vai tomando conhecimento, a sorrir, do que foi a sua terra.
Original e muito interessante.
Mas o “Velho Tavarede” é tão velho, tão velho, que embora sabedor e de memória prodigiosa, já vai tendo lapsos, percalços de senilidade… E, por isso, e só por isso, se lhe teria varrido da ideia aquele convento das freirinhas da Esperança e o outro, o convento quinhentista e ainda, esquecimento de maior monta, o nome do nobre, douto e piedoso Dom Francisco de Mendanha, talvez o mais notável filho de Tavarede, que, depois de ter cursado letras em Paris, como ao regressar à pátria já tivesse falecido seu avô, renunciou ao Mundo procurando a paz do claustro. Mas aí, o douto cruzio, teve de exercer cargos de alta importância na sua Ordem.
Facto interessante: foi D. Francisco de Mendanha quem assistiu como Cancelario da Universidade de Coimbra ao acto de “Mestre em Artes” do infeliz Rei D. António, Prior do Crato.
Mas a mão já trémula do simpático Velho Tavarede deixaria cair de entre os outros o pergaminho onde em letras de oiro estava escrito o nome do culto e piedoso D. Francisco de Mendanha.
Bastaria a cena do acto de “Mestre em Artes” de D. António, com a assistência do Cancelario D. Francisco de Mendanha, para dar um final grandioso a qualquer dos actos da sua fantasia.
E poderia talvez influir com esse trabalho para se dar a uma rua de Tavarede o nome do nobilíssimo e notável padre cruzio D. Francisco de Mendanha.
“Chá de Limonete”… Limonete, Lúcia-lima, erva-luísa, bela-luísa, doce-lima… Chá perfumado que o nosso paladar muito aprecia e que recomendamos como remédio já muito antigo contra as dores de estômago, especialmente as desses estômagos delicados que não conseguem digerir as revistas que por aí pululam…
Muito digno de leitura por elucidativo e bem escrito, o prefácio. (A Voz)
José da Silva Ribeiro é dos homens, neste País tão arredado das coisas da Arte, que mais tem feito pelo teatro de amadores. A ele se deve a actividade constante do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, com uma obra notável de cultura e divulgação teatral.
José da Silva Ribeiro, pelo seu saber, pela sua inteligência, pela sua fé inabalável nos destinos do teatro e da sua magnifica influência no público, pode, com absoluta justiça, considerar-se um mestre. É ao povo que vai buscar os seus colaboradores e dessa gente simples da terra tem sabido arrancar autênticas vocações e sabido moldar comediantes. A propósito do seu grupo, é José da Silva Ribeiro quem escreve: “Tenha-se presente que se trata de um grupo de amadores de uma pequena e humilde aldeia, pobre entre as que mais o são. Aqui se encontram os trabalhadores do campo e da oficina: rapazes e raparigas da enxada, que passam o dia cavando as terras e vêm à noite ao ensaio; operários carpinteiros, pedreiros, serralheiros, raparigas dos alfaiates e das modistas da cidade vizinha, um ou outro empregado de escritório também”.
Agora, José da Silva Ribeiro escreveu para o seu grupo uma fantasia em três actos e 24 quadros, “Chá de Limonete” (histórias de Tavarede), de rara beleza e sabor nitidamente regional, como convinha à intenção da obra. O autor foi à sua “humilde e pequena aldeia” e soube arrancar-lhe tudo quanto em tradição, pitoresco e beleza poderia interessar o espectador. “E se para mais não servir – afirma José da Silva Ribeiro – nem mesmo como espontâneo e franco depoimento de quem vem à barra dizer da sua razão e justiça sobre o teatro de amadores, “Chá de Limonete” ficará como testemunho da nossa dedicação à terra humilde onde nascemos e temos vivido, como hino ao trabalho rural e também como afirmação da simpatia que votamos e da solidariedade que nos liga aos homens da enxada da nossa aldeia, incessantemente cavando o amargo pão de cada dia em terras que não são suas”.
O autor conseguiu, inteiramente, o seu objectivo com a sua obra, quer no palco, em que teve a colaboração de António Simões, que compôs a partitura, e a de mestre Manuel de Oliveira, que desenhou as maquetes dos cenários, quer agora, publicando-a, como um belo documento do seu talento.
José da Silva Ribeiro não merece apenas a gratidão dos seus conterrâneos, da gente simples da sua aldeia, “pobre como as que o são”; merece-a também de todos quantos amam o Teatro. (O Século)
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