A propósito da local aqui publicada no último número sobre o célebre caso da “Voz da Justiça”, enviou-nos o sr. José da Silva Ribeiro o seguinte esclarecimento:
“Tavarede, 26 de Março de 1977
Prezado Amigo Sr. Anibal de Matos
No seu jornal de ontem li uma notícia sensacional, publicada em bom relevo e com um título também sensacional: Encerrado o caso da apreensão das máquinas e material que levou à extinção da tipografia do jornal “A Voz da Justiça”.
O quê?! Teria sido finalmente concluido o processo que corre pela 2ª Secção da Comissão Nacional de Inquérito do Ministério da Justiça?! O meu espanto logo se desfez à leitura das primeiras linhas. Não, não era nada a conclusão do processo: apenas um equívoco baseado numa nota publicada pela Comissão Administrativa da Junta Distrital de Coimbra.
Dê-me licença, amigo Anibal de Matos, que o esclareça e lhe dê elementos com que possa corrigir o erro da notícia e informar com segurança os seus leitores.
O caso da “apreensão” que o título da notícia refere é o do roubo da Tipografia Popular, Lda pela gente de Salazar, praticado há quase 40 anos. É verdade – quase 40 anos. E não está nada “encerrado”!.
Mergulhado naquele esquecimento que era norma do Salazarismo, dali o foi arrancar, pouco depois do 25 de Abril, precisamente a 22 de Junho de 1974, o meu velho amigo e patrício António Medina Junior, trazendo-o para a luz no seu Jornal de Sintra daquele dia. Foi ele, o Medina – não o esqueçamos, - quem deu origem ao processo a que atrás me refiro. O Medina foi notificado para fornecer à Comissão Nacional de Inquérito todos os elementos relacionados com os factos referidos no Jornal de Sintra. Em consequência, foram chamados a prestar declarações o dr. Rafael Sampaio, o dr. Adelino Mesquita e o Valdemar Ramalho. A estas declarações assistiu o advogado dr. Luis de Melo Biscaia. Se alguma vez (quando?...) o processo encerrar com sentença digna, que os herdeiros dos Sócios já falecidos fixem estes dois nomes – do Medina e do dr. Biscaia: o primeiro porque veio lembrar o que estava esquecido, o segundo porque, como figueirense, como simples cidadão democrata e depois como Deputado, tomou iniciativas para que não morresse definitivamente o caso da Voz da Justiça.
Perdoe esta digressão por águas passadas, que não desejo estagnadas.
Concretamente quanto às máquinas que estão em Semide: Não são todas as que, por ordem de Salazar, a polícia levou da tipografia da Figueira. O bolo, para além de contemplar Bissaia Barreto, que era então dono e senhor do distrito de Coimbra, foi distribuido por outras partes. Na acção civel que contra o Estado, a Polícia (PVDE) e outros foi posta no Tribunal desta cidade, indicava-se no artº 16º que “o réu Leitão transportou na sua caminheta, diz-se que para Lisboa, uma das melhores máquinas da autora” e no artº 17º referia-se que o réu Balsas e por ventura outras pessoas transportaram para vários locais quanto existia na Tipografia Popular, Lda. O processo desta acção, posta pela Tipografia Popular Lda descobriu-o o dr. Luis de Melo Biscaia, que tanto e tanto se tem interessado por não deixar esquecer o caso da Voz da Justiça. A esta acção foi dado o valor de 1.200 contos. No inventário sumaríssimo feito pela Policia quando do encerramento da tipografia, a todas as máquinas que ali havia foi atribuida a verba de 219 contos. Ora, as máquinas que estão em Semide de modo algum podiam considerar-se como indemnização do roubo feito à Tipografia Popular Lda. Porque, amigo Anibal de Matos, o roubo praticado não constou apenas de algumas máquinas que estão em Semide – constituem somente uma parcela muito pequena -, o roubo foi total: máquinas (uma nova, a mais valiosa, que nem sequer ainda estava paga, foi levada para Lisboa), armazém de papéis, colecções de tipos comuns e de fantasia, enorme variedade de outro material gráfico, biblioteca, valiosas colecções de jornais, os próprios livros de actas e da escrita da Empresa, numa palavra – tudo, só ficando as paredes do edifício, e estas mesmo depois de lhes terem arrancado os lavatórios. Eram instalações modelares, bem apetrechadas, salas próprias para impressão e para composição, salas de redacção e administração, etc.
Os valores que estou a referir são os de há 40 anos! Em linguagem monetária de hoje em quantos milhões de escudos deveremos traduzi-los?
Não, deixe-me repeti-lo. As máquinas que estão em Semide ninguém as aceitaria como indemnização daquele roubo para encerrar o caso. E não deve esquecer-se que os sócios ainda vivos da Tipografia Popular Lda são apenas dois; mas os sócios falecidos deixaram herdeiros. Os dois sobrevivos estão muito velhos; os herdeiros dos falecidos, esses são novos ainda e talvez tenham suficiente paciência para esperar a conclusão do processo que o Sr. Ministro da Justiça, respondendo ao requerimento do Deputado dr. Luís de Melo Biscaia, disse estar para breve... Isto foi em 9 de Março do ano passado...
Desculpe-me ter roubado tanto espaço a “O Figueirense”, se entender que deve publicar este esclarecimento; mas permita-me ainda que reafirme o meu louvor e agradecimento à Comissão Administrativa da Junta Distrital de Coimbra, que honradamente veio a Tavarede, onde sabia que residia um dos dois sócios ainda vivos da Tipografia Popular Lda, dar conhecimento da existência das máquinas na instituição que administra. Regosijo-me com a sua resolução de dar total aproveitamento às obras de assistência que tem a seu cargo, nomeadamente admitindo um monitor tipográfico que possibilitará, agora, arrancar do túmulo em que enferrujavam as máquinas que foram da “Voz da Justiça” e na Escola Profissional de Semide bom serviço podem prestar na preparação de bons trabalhadores das artes gráficas. Penso que, dadas as circunstâncias, deixar as velhas máquinas da “Voz da Justiça” a trabalhar naquela instituição, é mais digno e proveitoso destino que se lhes poderia dar.
Grato se confessa o que já foi seu camarada, José da Silva Ribeiro-
'O Figueirense - 1977-04.01'
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