A colheita e jantar era um tributo que, todos os anos, o Couto de Tavarede, tal como todos os Coutos da jurisdição do Cabido da Sé de Coimbra, tinham que pagar, em dinheiro e em géneros.
Mas, segundo o Foral que estabelecia esta obrigação, era o Deão da referida Sé que, anualmente e por alturas do S. João, devia visitar os Coutos e receber o dinheiro e os géneros para o jantar, que, segundo dizia o Deão na cena final do primeiro acto do 'Chá de Limonete' "era apenas um farnel".
Ora em 1536 o Cabido resolveu não mandar o Deão mas, sim, três cónegos seus para receber o tributo. E naturalmente, o juiz e os oficiais da Câmara do Couto de Tavarede, escrupulosos cumpridores do legalmente estabelecido, não pagaram, dizendo mesmo aos enviados que só pagariam ao Deão. Estes pediram um documento comprovativo da recusa ed o mesmo foi enviado a El-Rei que, estando em Évora com a sua Corte, ali fez o julgamento ed proferiu a respectiva sentença. Vejamos o processo:
Dom João, por Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio na Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. A Vós, Juizes do Couto de Tavarede, jurisdição do Cabido da Sé de Coimbra e a todos os outros juizes e justiças, oficiais e pessoas dos meus reinos e senhorios a quem esta minha carta de sentença fôr mostrada e ao conhecimento dela por qualquer guisa que seja feita, saúde.
Faço-vos saber que perante mim, nesta minha Corte, e Casa de Suplicação e Juizes dos meus feitos, nela foi apresentado um instrumento de agravo que diante Vós tirou o Cabido, Dignidades e Cónegos da dita Sé, aos oito dias do mês de Julho de presente ano de mil quinhentos e trinta e seis, no q ual se continha, entre outras muitas coisas nele contidas, que os ditos Suplicantes vieram com um requerimento por escrito, a Vós ditos Juizes, dizendo nele que o dito Couto era obrigado pagar de colheita e jantar ao dito Cabido, a seu recado para os visitar e lhes administrar justiça, por serem seus vassalos e sujeitos a toda a jurisdição cível ser sua, e sendo visitadosx em cada ano, até ao S. João de cada ano, e então eram as colheitas seguintes, a saber: dos moradores do dito lugar de Tavarede sem os do termo, pagavam pelos seus livros dos Direitos Alfandegários, seiscentos e oitenta reis da moeda ora corrente, e mais, pelas heranças do lugar da Chã e casais de cada um, dois carneiros e dois cabritos, e seis almudes de vinho da medida corrente, e dez galinhas e um quarteiro de cevada pela medida corrente de Coimbra, e mais cem pães ou por cada pão dois reis da sobredita moeda ora corrente, cinco reis para especiarias ou por elas cinco reis da sobredita moeda ora corrente, e meio alqueire de manteiga e outras coisas e vinagre que baste para as ditas coisas se cozinharem, a qual colheita ou jantar Vós Juizes e oficiais em cada ano fintáveis pelo concelho e pelo povo dele, segundo acima ficava declarado, e era tão antigo que não havia memória dos homens em contrário e o preço era notório dever-se, e assim o tinham por leis na sua Câmara, e ora findo como foram em nome do dito Cabido, Francisco Monteiro e Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos, a visitar o dito Couto antes do S. João, neste ano de quinhentos e trinta e seis, no primeiro dia de Junho da dita era, e visitando e provindo em tudo o que era necessário, os ditos Juizes e oficiais punham dúvida a pagarem e lhe darem a dita colheita e não eram obrigados, pelo que vos requeria lhe desseis a pagásseis a dita colheita e o jantar deste ano de quinhentos e trinta e seis, como em cima era declarado.
E melhor, se melhor de direito lhe pertencesse segundo seu costume, e não querendo lhes fosse dado seu instrumento com sua resposta, ou sem ela se a dar não quizesse, e com fé do tabelião do que no caso se passava e com o teor das visitações aos visitados réus, e protestavam serem privados de tão manifesto agravo, do qual agravavam para mim e meus desembargadores e de haver todas as perdas e custas e danos e interesses por quem de direito fosse, segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido no dito instrumento.
Respondeu o Juiz e vereadores e procurador do dito Couto, dizendo na sua resposta que a colheita ou jantar que no requerimento se dizia, que era devido ao Cabido da Sé no dito seu Couto de Tavarede em cada ano, e que requeriam que o desse ao dito Cabido o ano presente de trinta e seis, por dizer que Francisco Monteiro, Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos dessa Sé, foram visitar o dito Couto, agora no primeiro dia de Julho do presente ano, pelo que diziam eles Juiz e Oficiais que não podiam mandar pagar ao dito Cabido a dita colheita e jantar, que lhes era pedido, pelo dito concelho de Tavarede ter no Foral o contrário.
A saber: dava o dito Foral que, indo o Deão da dita Sé pessoalmente visitar, uma vez por ano, o concelho de Tavarede, os moradores do dito lugar lhe pagassem, a ele Deão, a referida colheita e jantar, e porque o Foral assim o mandava expressamente, sem nenhuma limitação, sempre de tempo imemorial que eles oficiiais se acordavam, e sempre a dita colheita e jantar se dera e pagara ao Deão, que era da dita Sxeé, e se pagavam agora a João Rodrigues Ribeiro, Deão actual da dita Sé, o qual em cada ano pessoalmente a vencia e se lhe pagava sem nunca os do Cabido tal colheita e jantar pedirem senão agora, se eles, do Cabido, tivessem alguma Provisão minha em que mandasse que lhe fosse pago sem embargo do Foral, que lhe mostrassem e a guardariam e cumpririam em tudo, porque o que dizia em seu Regimento não bastava para lhes ser dado o que pediam, pelo dito Foral ser em contrário, pelo que requeriam ao tabelião que nos instrumentyo que lhes havia de passar, tresladasse neles as verbas do Foral que no dito caso falavam, porque eles não tinham em Câmara outra lei por onde se regiam acerca dele, somente estas verbas, que apontavam no dito instrumento eram tresladadas, e sem isto os do dito Cabido se quisessem instrumento de agravo, que pediam lhe fosse dado e contestavam de treplicar, se cumprisse segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido na dita resposta, ao que os juizes, vereadores e procuradoer responderam ao dito requerimento, ao qual outrossim respondeu o Deão, dizendo em sua resposta, que era verdade, que ele, como Deão, estava em posse por dez, trinta, cinquenta, cem anos a esta parte, e por tanto tempo que a memória dos homens não era em contrário, e se nisso houvesse dúvida daria testemunhas no concelho e fora dele, se por si e pelos Deões antepassados e antecessores deverem, em cada ano, ir visitar o dito Couto de Tavarede, o jantar que ora o Cabido dizia e pedia, não indo ele Deão em pessoa se não devia dar a pessoa alguma outra do Cabido, e ficava no concelho, como a todos era notório e muitas vezes ficara , em tempo dele Deão e seus antecessores e assim o tinham muitos jantares noutros lugares em que o Cabido não tinha jurisdição e mesmo noutros em que a tinha.
Como era este por serem prestes do seu Deão, como são a terça da Lousã e de Vradigos, que tinham certas igrejas no Arcediago do Vouga e noutras partes em que o Cabido não tinha jurisdição alguma, pelo que, neste presente ano de trinta e seis, que ao dito Couto de Tavarede de Fora vencera e merecera a dita colheita e jantar, e o foram tirar e mandar a sua casa como sempre fizeram desde o dito tempo, e portanto o Cabido não tinha razão no que pedia nem de sgravar de Vós juizes, segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido na resposta do dito Deão, as quais respostas o Cabido replicou e o Deão e oficiais treplicaram e como tudo o dito Cabido e Dignidades dele pediram o dito instrumento de agravo, o qual lhe foi dado com o treslado das sentenças, o qual instrumento fora nesta minha Corte apresentado em tempo e forma de vida, e foi junto a outros e outros a este, que o dito Cabido tirou doutros Coutos, e deles foi dada vista às partes, e fora por eles tanto de seu Direito e Justiça alegado, que o dito instrumento me foi levado finalmente concluso, o qual foi visto por mim em Relação com os do meu desembargo.
Faço-vos saber que perante mim, nesta minha Corte, e Casa de Suplicação e Juizes dos meus feitos, nela foi apresentado um instrumento de agravo que diante Vós tirou o Cabido, Dignidades e Cónegos da dita Sé, aos oito dias do mês de Julho de presente ano de mil quinhentos e trinta e seis, no q ual se continha, entre outras muitas coisas nele contidas, que os ditos Suplicantes vieram com um requerimento por escrito, a Vós ditos Juizes, dizendo nele que o dito Couto era obrigado pagar de colheita e jantar ao dito Cabido, a seu recado para os visitar e lhes administrar justiça, por serem seus vassalos e sujeitos a toda a jurisdição cível ser sua, e sendo visitadosx em cada ano, até ao S. João de cada ano, e então eram as colheitas seguintes, a saber: dos moradores do dito lugar de Tavarede sem os do termo, pagavam pelos seus livros dos Direitos Alfandegários, seiscentos e oitenta reis da moeda ora corrente, e mais, pelas heranças do lugar da Chã e casais de cada um, dois carneiros e dois cabritos, e seis almudes de vinho da medida corrente, e dez galinhas e um quarteiro de cevada pela medida corrente de Coimbra, e mais cem pães ou por cada pão dois reis da sobredita moeda ora corrente, cinco reis para especiarias ou por elas cinco reis da sobredita moeda ora corrente, e meio alqueire de manteiga e outras coisas e vinagre que baste para as ditas coisas se cozinharem, a qual colheita ou jantar Vós Juizes e oficiais em cada ano fintáveis pelo concelho e pelo povo dele, segundo acima ficava declarado, e era tão antigo que não havia memória dos homens em contrário e o preço era notório dever-se, e assim o tinham por leis na sua Câmara, e ora findo como foram em nome do dito Cabido, Francisco Monteiro e Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos, a visitar o dito Couto antes do S. João, neste ano de quinhentos e trinta e seis, no primeiro dia de Junho da dita era, e visitando e provindo em tudo o que era necessário, os ditos Juizes e oficiais punham dúvida a pagarem e lhe darem a dita colheita e não eram obrigados, pelo que vos requeria lhe desseis a pagásseis a dita colheita e o jantar deste ano de quinhentos e trinta e seis, como em cima era declarado.
E melhor, se melhor de direito lhe pertencesse segundo seu costume, e não querendo lhes fosse dado seu instrumento com sua resposta, ou sem ela se a dar não quizesse, e com fé do tabelião do que no caso se passava e com o teor das visitações aos visitados réus, e protestavam serem privados de tão manifesto agravo, do qual agravavam para mim e meus desembargadores e de haver todas as perdas e custas e danos e interesses por quem de direito fosse, segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido no dito instrumento.
Respondeu o Juiz e vereadores e procurador do dito Couto, dizendo na sua resposta que a colheita ou jantar que no requerimento se dizia, que era devido ao Cabido da Sé no dito seu Couto de Tavarede em cada ano, e que requeriam que o desse ao dito Cabido o ano presente de trinta e seis, por dizer que Francisco Monteiro, Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos dessa Sé, foram visitar o dito Couto, agora no primeiro dia de Julho do presente ano, pelo que diziam eles Juiz e Oficiais que não podiam mandar pagar ao dito Cabido a dita colheita e jantar, que lhes era pedido, pelo dito concelho de Tavarede ter no Foral o contrário.
A saber: dava o dito Foral que, indo o Deão da dita Sé pessoalmente visitar, uma vez por ano, o concelho de Tavarede, os moradores do dito lugar lhe pagassem, a ele Deão, a referida colheita e jantar, e porque o Foral assim o mandava expressamente, sem nenhuma limitação, sempre de tempo imemorial que eles oficiiais se acordavam, e sempre a dita colheita e jantar se dera e pagara ao Deão, que era da dita Sxeé, e se pagavam agora a João Rodrigues Ribeiro, Deão actual da dita Sé, o qual em cada ano pessoalmente a vencia e se lhe pagava sem nunca os do Cabido tal colheita e jantar pedirem senão agora, se eles, do Cabido, tivessem alguma Provisão minha em que mandasse que lhe fosse pago sem embargo do Foral, que lhe mostrassem e a guardariam e cumpririam em tudo, porque o que dizia em seu Regimento não bastava para lhes ser dado o que pediam, pelo dito Foral ser em contrário, pelo que requeriam ao tabelião que nos instrumentyo que lhes havia de passar, tresladasse neles as verbas do Foral que no dito caso falavam, porque eles não tinham em Câmara outra lei por onde se regiam acerca dele, somente estas verbas, que apontavam no dito instrumento eram tresladadas, e sem isto os do dito Cabido se quisessem instrumento de agravo, que pediam lhe fosse dado e contestavam de treplicar, se cumprisse segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido na dita resposta, ao que os juizes, vereadores e procuradoer responderam ao dito requerimento, ao qual outrossim respondeu o Deão, dizendo em sua resposta, que era verdade, que ele, como Deão, estava em posse por dez, trinta, cinquenta, cem anos a esta parte, e por tanto tempo que a memória dos homens não era em contrário, e se nisso houvesse dúvida daria testemunhas no concelho e fora dele, se por si e pelos Deões antepassados e antecessores deverem, em cada ano, ir visitar o dito Couto de Tavarede, o jantar que ora o Cabido dizia e pedia, não indo ele Deão em pessoa se não devia dar a pessoa alguma outra do Cabido, e ficava no concelho, como a todos era notório e muitas vezes ficara , em tempo dele Deão e seus antecessores e assim o tinham muitos jantares noutros lugares em que o Cabido não tinha jurisdição e mesmo noutros em que a tinha.
Como era este por serem prestes do seu Deão, como são a terça da Lousã e de Vradigos, que tinham certas igrejas no Arcediago do Vouga e noutras partes em que o Cabido não tinha jurisdição alguma, pelo que, neste presente ano de trinta e seis, que ao dito Couto de Tavarede de Fora vencera e merecera a dita colheita e jantar, e o foram tirar e mandar a sua casa como sempre fizeram desde o dito tempo, e portanto o Cabido não tinha razão no que pedia nem de sgravar de Vós juizes, segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido na resposta do dito Deão, as quais respostas o Cabido replicou e o Deão e oficiais treplicaram e como tudo o dito Cabido e Dignidades dele pediram o dito instrumento de agravo, o qual lhe foi dado com o treslado das sentenças, o qual instrumento fora nesta minha Corte apresentado em tempo e forma de vida, e foi junto a outros e outros a este, que o dito Cabido tirou doutros Coutos, e deles foi dada vista às partes, e fora por eles tanto de seu Direito e Justiça alegado, que o dito instrumento me foi levado finalmente concluso, o qual foi visto por mim em Relação com os do meu desembargo.
SENTENÇA
Acordei, visto os requerimentos feitos pelo Cabido da Sé de Coimbra aos Juizes e Oficiais dos Coutos nestes instrumentos contidos e as respostas dos ditos oficiais e assim as respostas do Deão, sentenças dadas sobre a jurisdição dos ditos Coutos e como se mostra pelas ditas sentenças a jurisdição dos ditos Coutos ser julgada ao dito Cabido, por respeito da igual jurisdição e visitação se dão os jantares e colheitas nos Coutos da contenda, o que tudo visto com o mais que dos autos consta, declaro os ditos jantares e colheitas pertencerem ao dito Cabido e mando aos juizes e oficiais dos ditos Coutos, que lhe acudam e façam acudir com eles, segundo forma de suas doações, porque os ditos jantares e colheitas lhes são concedidos e esta declaração e sentença servirá a todos os Coutos nos ditos instrumentos contidos, e os mando que assim cumpram, guardem e façam em tudo muito inteiramente cumprir e guardar como por mim é julgado, acordado, mandado e determinado.
E mando que esta sentença se cumpra e guarde com efeito realmente como da maneira que nela é contido, e porquanto o Cabido pagou parte do Deão cento e sessenta e sete reis, vos mando que requereis que os pague, e se pagar não quiser, o fareis penhorar em tantos dos seus bens móveis e de raíz e lhos façais vender e rematar, de acordo com as minhas ordenações, de maneira que o dito Cabido haja pagamento dos ditos cento e se4ssenta e sete reis, o que assim deve cumprir.
Dada na minha cidade de Évora, onze dias do mês de Agosto. El-Rei o mandou pelo licenciado Álvaro Martins, do seu desembargo e juiz de seus feitos em sua Corte e Casa de Suplicação. Francisco Pires a fez por Afonso Ferandes de Toar, escrivão. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e trinta e seis.
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