sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

RECORDAÇÕES DE TAVAREDE

Rua Direita acima e caminhando até o Paço, encontra-se á esquerda o caminho chamado da Varzea, no começo do qual procurámos, para o lado do nascente, uma capella que o falecido João Anselmo da Silva Soares havia mandado erigir, um pouco adiante da sua casa de quinta, de que já fizemos mensão no principio d’este escripto. A capella era no estilo gothico, com a frente forrada a cantaria, tendo de extensão pouco mais de quatro metros e de largura uns tres. João Anselmo quiz ali dar repouso eterno a um filhinho, unico, cremos, que lhe havia morrido em tenra edade, não havendo conseguido isso por se oppôr o prelado diocesano d’essa epocha.


Aonde julgámos encontrar ainda o pequeno monumento, só encontramos os restos das paredes, de pouco mais de oitenta centimetros de alto acima do terreno. O camartello demolidor, que não o tempo, havia ali empregado a sua acção.


Pela frente da capella via-se uma vasta eira, que nos deu a entender que, ella, não tendo chegado a servir para o fim piedoso a que o seu fundador a havia destinado, tinha acabado por servir de... palheiro.


E visto que fallamos d’esta capella recorda-nos uma outra, que existiu, tambem para o lado poente de Tavarede. Era situada no cruzamento do caminho directo d’esta cidade aos Condados, e que d’aquelle que vae de Tavarede a Buarcos, proximo da quinta de Luiz Antonio de Sousa e a uns quatrocentos metros para o lado do poente de Tavarede.


Existiu sob a invocação do Senhor da Arieira ou do Arieiro, naturalmente por ser edificada em um logar aonde o povo ia extrahir areia ou saibro para construcção de alvenarias. Em 186.. só existiam d’ella, no local, uns restos de alicerces e algumas pedras apparelhadas, soltas. Mais nada.


Contava-se na povoação que havia sido interdicta e depois demolida em virtude d’um sacrilegio commetido: Um desvairado qualquer foi em uma noite pendurar um enxalavar de carangueijos sobre uma cruz que lá existia, profanando assim aquelle logar sagrado, e d’ahi a interdicção.


O povo de Tavarede attribuiu o sacrilegio a algum pescador de Buarcos.


Ao certo nada sabemos d’esta narrativa, contentando-nos apenas da dicção da tradicção como era contada entre o povo das proximidades da capella.


* * *

Voltando ao local da capella de João Anselmo, de que antes fallámos, e andando um pouco para sul no caminho da Varzea encontra-se uma azenha, que é movida pelas aguas vindas do lado da egreja de Tavarede, as quaes atravessam todos os quintaes das casas situadas do lado do sul da rua Direita.


A azenha de que fallamos é antiquissima, não sendo fora de proposito assignar-lhe a provecta edade de tres a quatro seculos de existencia. Dão-lhe actualmente a denominação de azenha do Cascato, pelo seu arrendatario ter um appellido similhante; anteriormente habitava n’ela José Cordeiro, que por muitos annos a trouxe de arrendamento.


* * *

Devido á obsequiosidade do sr. João Santos, de que já algures fallámos, veio-nos á mão a copia d’uma inscripção que existe no côro da egreja de Tavarede e que reproduzimos:

C O 13
V M

Salvo melhor interpretação cremos que diz: coração de Maria, anno 1:300.


Será esta a era da fundação da egreja, ou a de alguma reconstrucção posterior? Inclinamo-nos mais á segunda das supposições; porque não nos parece plausivel que uma povoação antiquissima de que reza a historia corva da monarchia, estivesse sem um templo religioso até dois seculos depois da sua fundação e demais, em tempo em que a egreja cathequisando e talando montes e valles a espalhar as suas doutrinas em combate ás infieis, não perderia um momento em alçar um campanario aonde houvesse uma lareira - um povo a chamar aos seus reditos. (Gazeta da Figueira - 24.06.1896)

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