sexta-feira, 23 de março de 2012

RECORDAÇÕES DE TAVAREDE

Algumas vezes mais visitámos Alexandre em sua casa, depois da celebre noite d’um piteirão transformado em malfeitor.


Encontravamol-o quasi sempre absorvido na penetração das exposições do Piloto instruido, das taboas de Nereie, com presistencia perfurante de quem quizesse em um dia metter nas aguas furtadas toda aquella disciplina de calculos de navegação. Preparava-se para ir a Lisboa examinar-se em piloto.


Conversava-mos a espaços longos que se entremeiavam de uma pregação sobre o... ir com o rumo e distancia buscar lattitude e appartamento. Lá porque uma ou outra vez divergissemos em opinião com relação a um ou outro problema, franzia a testa, zangava-se, largava os livros e remoia á surdina o seu despeito.


Levantava-se então, acendia um cigarro que lhe dava um compasso de espera entre o mau e bom humor, e, sentando-se logo, continuava folheando uma postilha de Moraes! “O raio está para o cosmo assim como a tangente para o raio”. Não é assim, lhe dizemos, - não é assim!


Falando-lhe desta forma, pretendiamos somente despegal-o dos livros, para o alhearmos d’aquelle rude estudo, como é rude e procellosa a vida do mar.


Voltavamos então á conversação amena, distraente, do passado presente e quiçá do futuro, em que Alexandre, pensando, ia-nos acostumando a ideia de vel-o partir, a iniciar os seus estudos na escola polytechnica...


Com pequenas variantes, assim passámos dias, e elle, refazendo-se do seu estado, precario de saude, dispunha-se a partir para a capital.


Chegado esse dia, despedimo-nos, sob intensão de tão de pressa nos não encontrar-mos, mas quiz o acaso que fossemos a Lisboa, e indo ao historico paradeiro dos maritimos da Figueira (casa de João Movilha, Ribeira Nova, nº. 7 e 8) lá encontrássemos o nosso Alexandre, enforcado no seu jaquetão de panno piloto, com uma gola a trepar-lhe pelo pescoço acima, bonet á ingleza, cachimbo apertado nos dentes, e todo contraído, como quem ainda sentia doentiamente o rigor do frio que então fazia.
Alexandre, ao ver-nos se

m esperar, contrahiu n’uma effusão de alegria os braços contra o tronco, sempre imergidos nos insondaveis bolços do sopradito jaquetão, e apertando mais o cachimbo entre dentes, dominado de contentamento, lá proferiu... “Oh, É... tu por aqui agora?!”. “É verdade, lhe respondemos. Graças a uns cobres que temos podido juntar, e umas choradeiras feitas ao velho, pude conseguir arranjar o preciso para vir ver-te e passar uns tres dias em Lisboa”.


Alexandre ficou contentissimo; ter-nos-ia no entanto, de aturar por esses dias, e n’esta supposição, já ruminaria alguma partida que lhe faziamos por esse tempo.


Iamos da provincia e precisavamos alinhar a nossa pouca barba, pelas exigencias da capital. Perguntando ao nosso amigo aonde fazer a barba e n’uma barbaria perto, indicou uma ali perto, um pouco acima da casa do ti João Movilha. Encaminhamo-nos para lá.


O Figaro passeava d’um lado para a estreiteza da sua loja, parecendo querer fixar de memoria quantas polegadas teria de comprimento e quantas de largura. A compasso ia acentando o fio a uma barbara navalha, uma serra, com que depois nos manipulou os queixos. (Gazeta da Figueira 7.11.1896)

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