As
primeiras notas do Associativismo
Terceiro Conde de Tavarede, fundador do Teatro Duque de Saldanha
O ano de 1865 é aquele que, posteriormente,
Ernesto Tomás nos descreve a visita que fez a Tavarede. É mais ou menos a data
em que se iniciaram, na Figueira da Foz, publicações de jornais locais, em que
começam a surgir notícias dos seus correspondentes nas diversas freguesias.
Nota-se, ao longo dos anos, que, relativamente à nossa terra, ocasiões há em
que abundam as notas enviadas pelos correspondentes locais, alternando com
outros períodos em que escasseiam ou não há mesmo quaisquer novidades da nossa
terra. Mesmo a maioria das locais publicadas, embora tenham algum interesse
para a história próximo passada, pouco se referem ao assunto que estamos a
tratar.
Mas, escasseando-nos as notícias da
imprensa, vamos ainda recorrer a Ernesto Tomás para mais umas notas sobre o
teatro na nossa aldeia que, no período entre 1865/1868, trazia à nossa terra
“uma troupe de rapazes d’aqui (Figueira), que até nas mais caliginosas noutes
de inverno, tinha a coragem de ir a Tavarede, a um teatro ou a um presépio”. E
aproveitemos para ler a descrição que nos deixou de um espectáculo a que
assistiu:
Estava vae não vae a levantar o panno. Os rapazes da
Figueira, tendo invadido o palco, graças á bonhomia da companhia dramatica,
deixem lhe chamar assim, trataram de collocar-se á primeira voz nos papeis de
contra-regra, carpinteiros de urdimento, etc., etc.,. Os que haviam de entrar
em scena estavam a estas horas reunidos em um telheiro que a casa do theatro
tinha ligado pelo lado de traz. Estavam á beira do supplicio, de umas rugas
feitas a ferro quente no rosto, que, depois, era afogueado mediante a despeza
d’uma forte pintura a tinta nova. Rompia o espectaculo com uma comedia que se
bem nos recorda se intitulava - Os dois rivaes - que nos dava em exhibição no
principio um velho vegete, enamorado d’uma creada, fresca e rosada, que tentava
a carne mais aphatica.
O papel de velho havia sido distribuido a Jozé do Ignacio,
de quem fallámos ha pouco, e que, appareceu em scena risonho a mostrar-se á
rapaziada da Figueira. Ainda o panno não havia subido e na plateia o fóra,
fóra, fóra, ribombava atroador soltado por dezenas de gargantas tonificadas
pelo bom sol e bom ar dos campos. De subito ouviu-se uma voz: - Panno acima! A
rapaziada da Figueira pespegou com o Jozé do Ignacio dentro de um caixão (cousa
da peça) o qual, depois iria subindo, puxado pela creada namorada, que assim o
subtrahia ás vistas dos amos que eram peticegos.
Mettido no esconderijo e sem mais preambulos, panno acima,
elle ia subindo, subindo, e o caixão dando balanços desencontrados, fazia com
que o Ignacio pensasse mais do que uma vez que a comedia descambaria em
tragedia. Gargalhadas e mais gargalhadas da plateia, ditos, assobios - um
inferno; - e lá dentro clamava voz em grito: - panno abaixo! panno abaixo!
panno abaixo! Caiu o panno. Sabidas as contas, todo este desastre scenico não
foi mais do que uma partida que antes havia sido combinada entre a troupe da
Figueira.
Efectivamente, em todos os jornais figueirenses
publicados e a que tivemos acesso, a primeira notícia sobre associativismo
encontrada, tem a data de 21 de Outubro de 1877, no jornal “Correspondência da
Figueira”, e refere que “Em Tavarede houve ontem à noite uma récita dada por
alguns curiosos da localidade. Subiu à cena o “Último Acto”, do sr. Camilo
Castelo Branco, e uma comédia”. Nada mais, nem sequer o local ou a associação
que promoveu o espectáculo.
Só cerca de ano e meio depois
encontramos nova notícia sobre o tema. É no mesmo jornal, em Fevereiro de 1879
e diz: “No próximo sábado, dia 15, duas sociedades de curiosos da localidade
tencionam dar, cada uma em seu respectivo soi-disant
teatro, duas récitas. Uma das sociedades, a sociedade
antiga, leva à cena o drama em 3 actos “A escravatura branca”; a outra, a sociedade nova, representa o drama em
dois actos intitulado “Cravos e Rosas”, a comédia em um acto “Mulher por duas
horas” e a comédia “Mulher que perde as ligas” também num acto.
Nós aplaudimos sinceramente esta ideia
dalguns rapazes daquela localidade. Sempre é melhor ouvir a declamação de uma
peça de teatro por um actor gauché e
o desempenho comprometido de uma actriz de aldeia, de que dizer bisbilhotices
por casas alheias e a gastar a dignidade por tabernas imundas. Honra pois
àquela gente de Tavarede que, apesar de não conhecerem as doces caturras da
bisca-sueca e as impressões melancólicas da leitura de um romance reles, nem
por isso tentam passar menos sensaboronamente estas longas e tristes noites de
Inverno.
Em todo o caso, sempre rogamos ao
digníssimo administrador deste concelho para que dê as providências necessárias
para se não dar, durante as representações, algum conflito desagradável entre
os curiosos da plateia dos referidos teatros”.
Esta nota sugere-nos dois comentários.
Primeiro, não sabemos qual era a sociedade
antiga ou a sociedade nova. Inclinamo-nos, embora sem qualquer
confirmação, para que a sociedade antiga
fosse na Casa do Terreiro e a sociedade nova, no Palácio dos Condes de Tavarede. No entanto, também não excluímos a
hipótese de uma delas estar instalada no velho teatrinho que Joaquim Águas
construiu na sua casa na Rua Direita. Segundo, a notícia dá a entender a
possibilidade de desacatos entre os assistentes. Seriam rivalidades artísticas
ou associativas? Não nos podemos esquecer que, poucos anos depois, o Governador
Civil do distrito mandou fechar uma “associação” em Tavarede, devido às
constantes desordens que nela se verificavam.
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