sábado, 29 de dezembro de 2012

O Associativismo na Terra do Limonete - 4


As primeiras notas do Associativismo


 Terceiro Conde de Tavarede, fundador do Teatro Duque de Saldanha
  
         O ano de 1865 é aquele que, posteriormente, Ernesto Tomás nos descreve a visita que fez a Tavarede. É mais ou menos a data em que se iniciaram, na Figueira da Foz, publicações de jornais locais, em que começam a surgir notícias dos seus correspondentes nas diversas freguesias. Nota-se, ao longo dos anos, que, relativamente à nossa terra, ocasiões há em que abundam as notas enviadas pelos correspondentes locais, alternando com outros períodos em que escasseiam ou não há mesmo quaisquer novidades da nossa terra. Mesmo a maioria das locais publicadas, embora tenham algum interesse para a história próximo passada, pouco se referem ao assunto que estamos a tratar.

         Mas, escasseando-nos as notícias da imprensa, vamos ainda recorrer a Ernesto Tomás para mais umas notas sobre o teatro na nossa aldeia que, no período entre 1865/1868, trazia à nossa terra “uma troupe de rapazes d’aqui (Figueira), que até nas mais caliginosas noutes de inverno, tinha a coragem de ir a Tavarede, a um teatro ou a um presépio”. E aproveitemos para ler a descrição que nos deixou de um espectáculo a que assistiu:

         Estava vae não vae a levantar o panno. Os rapazes da Figueira, tendo invadido o palco, graças á bonhomia da companhia dramatica, deixem lhe chamar assim, trataram de collocar-se á primeira voz nos papeis de contra-regra, carpinteiros de urdimento, etc., etc.,. Os que haviam de entrar em scena estavam a estas horas reunidos em um telheiro que a casa do theatro tinha ligado pelo lado de traz. Estavam á beira do supplicio, de umas rugas feitas a ferro quente no rosto, que, depois, era afogueado mediante a despeza d’uma forte pintura a tinta nova. Rompia o espectaculo com uma comedia que se bem nos recorda se intitulava - Os dois rivaes - que nos dava em exhibição no principio um velho vegete, enamorado d’uma creada, fresca e rosada, que tentava a carne mais aphatica.

         O papel de velho havia sido distribuido a Jozé do Ignacio, de quem fallámos ha pouco, e que, appareceu em scena risonho a mostrar-se á rapaziada da Figueira. Ainda o panno não havia subido e na plateia o fóra, fóra, fóra, ribombava atroador soltado por dezenas de gargantas tonificadas pelo bom sol e bom ar dos campos. De subito ouviu-se uma voz: - Panno acima! A rapaziada da Figueira pespegou com o Jozé do Ignacio dentro de um caixão (cousa da peça) o qual, depois iria subindo, puxado pela creada namorada, que assim o subtrahia ás vistas dos amos que eram peticegos.

         Mettido no esconderijo e sem mais preambulos, panno acima, elle ia subindo, subindo, e o caixão dando balanços desencontrados, fazia com que o Ignacio pensasse mais do que uma vez que a comedia descambaria em tragedia. Gargalhadas e mais gargalhadas da plateia, ditos, assobios - um inferno; - e lá dentro clamava voz em grito: - panno abaixo! panno abaixo! panno abaixo! Caiu o panno. Sabidas as contas, todo este desastre scenico não foi mais do que uma partida que antes havia sido combinada entre a troupe da Figueira.

         Efectivamente, em todos os jornais figueirenses publicados e a que tivemos acesso, a primeira notícia sobre associativismo encontrada, tem a data de 21 de Outubro de 1877, no jornal “Correspondência da Figueira”, e refere que “Em Tavarede houve ontem à noite uma récita dada por alguns curiosos da localidade. Subiu à cena o “Último Acto”, do sr. Camilo Castelo Branco, e uma comédia”. Nada mais, nem sequer o local ou a associação que promoveu o espectáculo.

         Só cerca de ano e meio depois encontramos nova notícia sobre o tema. É no mesmo jornal, em Fevereiro de 1879 e diz: “No próximo sábado, dia 15, duas sociedades de curiosos da localidade tencionam dar, cada uma em seu respectivo soi-disant teatro, duas récitas. Uma das sociedades, a sociedade antiga, leva à cena o drama em 3 actos “A escravatura branca”; a outra, a sociedade nova, representa o drama em dois actos intitulado “Cravos e Rosas”, a comédia em um acto “Mulher por duas horas” e a comédia “Mulher que perde as ligas” também num acto.

         Nós aplaudimos sinceramente esta ideia dalguns rapazes daquela localidade. Sempre é melhor ouvir a declamação de uma peça de teatro por um actor gauché e o desempenho comprometido de uma actriz de aldeia, de que dizer bisbilhotices por casas alheias e a gastar a dignidade por tabernas imundas. Honra pois àquela gente de Tavarede que, apesar de não conhecerem as doces caturras da bisca-sueca e as impressões melancólicas da leitura de um romance reles, nem por isso tentam passar menos sensaboronamente estas longas e tristes noites de Inverno.

         Em todo o caso, sempre rogamos ao digníssimo administrador deste concelho para que dê as providências necessárias para se não dar, durante as representações, algum conflito desagradável entre os curiosos da plateia dos referidos teatros”.

         Esta nota sugere-nos dois comentários. Primeiro, não sabemos qual era a sociedade antiga ou a sociedade nova.  Inclinamo-nos, embora sem qualquer confirmação, para que a sociedade antiga fosse na Casa do Terreiro e a sociedade nova, no Palácio dos Condes de Tavarede. No entanto, também não excluímos a hipótese de uma delas estar instalada no velho teatrinho que Joaquim Águas construiu na sua casa na Rua Direita. Segundo, a notícia dá a entender a possibilidade de desacatos entre os assistentes. Seriam rivalidades artísticas ou associativas? Não nos podemos esquecer que, poucos anos depois, o Governador Civil do distrito mandou fechar uma “associação” em Tavarede, devido às constantes desordens que nela se verificavam.

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