Os
corpos directivos da associação procuravam, sempre com as melhores intenções,
alargar as funcionalidades da colectividade. Além da escola nocturna,
inteiramente gratuita, procuravam ajudar as crianças mais desfavorecidas, às
quais forneciam livros e utensílios escolares e, nalguns casos, ajuda
financeira, também tentaram concretizar uma caixa de socorro mútuo, para
auxílio em ocasiões de doença.
Na assembleia geral convocada para este
efeito, e depois de vários sócios terem procurado demonstrar a utilidade desta
caixa, foi a proposta votada. Procedendo-se
à votação sobre se deveria ou não crear-se a caixa de socorro mutuo, foi esta
rejeitada por grande numero de votos. Respeitando o modo porque os outros vêem
as coisas, temos comtudo a notar que os socios que reprovam a fundação da caixa
foram justamente aqueles que mais careciam d’ela. Sustentaram a opinião a favor
da creação da caixa de socorro, Manuel Cruz, Silvestre Monteiro e João dos
Santos, isto é, os que só contribuiriam, como outros, com a sua quota, tendo
apenas como recompensa a satisfação de impedir que os seus consocios,
acometidos pela doença, tivessem de estender a mão à caridade.
Nota
triste: O dono d’um estabelecimento de vinhos reprovou a creação da caixa
porque o sr. Silvestre Monteiro, falando àcerca do aumento de quotas, disse que
esse aumento seria tão insignificante que representava apenas um copo de vinho
que bebiam a menos, na taberna, aos domingos. Nem todas as verdades se podem
dizer, sr. Silvestre. Por agora apanhou um reprovo rechonchudo; para outra vez
arrisca-se a ser corrido à pedrada. Todavia, não tire o lápis da orelha, pronto
a assinar as subscrições a favor d’individuos prostrados pela doença e na mais
extrema pobreza.
Foi pena, mas, na verdade, não
acreditávamos que fosse possível fazer vingar a pretendida “socorros mútuos”.
Bem sabemos que, sendo a terra pobríssima, poucos recursos se poderiam obter.
Prosseguiram as récitas do grupo cénico
da Sociedade de Instrução Tavaredense. A colectividade, graças à dedicação e ao
esfôrço dos seus dirigentes e associados, estava definitivamente firmada. As
principais actividades desenvolviam-se cada vez mais. Os objectivos que haviam
levado à sua fundação tinham sido conseguidos.
João dos
Santos Júnior -Professor da
aula de ginástica
Antes de terminarmos
a nossa digressão pela primeira década do século vinte, ainda vamos recordar um
espectáculo realizado em fins de Março de 1910, do qual transcrevemos a
notícia. Abriu o
espectaculo com a comedia-drama em um acto, Raros são... mas ainda os há,
desempenhada por Eugenia Tondella, e por Antonio Graça, João d’Oliveira, Jayme
Broeiro e Joaquim Terreiro. Todos se houveram muito bem não lhes faltando por
isso os justos applausos da plateia.
Seguiu-se
o terceto As Tres Coquettes, em que os petizes Antonio Medina, José Cordeiro e
Fernando Ribeiro, souberam arrancar aos espectadores muitas palmas. Antonio
Augusto de Carvalho disse com muita graça a cançoneta Ai, tenho medo, e João
d’Oliveira o monologo Zé Cardina, conservando sempre os espectadores em
hilaridade. Tivémos depois a engraçada comédia em 1 acto, Ambos livres,
desempenhada por Antonio Augusto de Carvalho, Armenio dos Santos e Antonio
Cordeiro, que teve, como era de esperar, bom desempenho, tanto mais que se
tratava da estreia d’estes dois ultimos amadores – Armenio e A. Cordeiro.
Antonio
Augusto tirou partido do seu papel, d’um experiente proprietario de hospedaria,
que de vez em quando não desgostava de ferrar... a unha; Armenio, um bom
Serapião que quis arranjar noiva á força, não pensando nas consequencias do
casorio; soube manter a plateia em vivo interesse pelo desfecho da comedia que,
na verdade, era algo interessante, e de tanta graça que até elle proprio se
esqueceu de que estava no palco, ria ás escondidas pensando na situação critica
em que ia ficar ante o primeiro marido de sua mulher; e A. Cordeiro, um
Pantaleão Tenreiro que nada tinha nem em nada se parecia com Napoleão III,
contente só depois de jogada a carta e dividida a fortuna, despertou risota aos
espectadores.
Terminou
o espectaculo com a comedia em um acto O Tio Matheus, desempenhada por Eugenia
Tondella, e por Antonio Medina, João d’Oliveira e Jayme Broeiro, sendo tambem
novamente applaudidos. A orchestra, que estava excellente, tocou algumas lindas
peças de musica, sob a direcção do habil amador sr. Gentil da Silva Ribeiro.
Felicitamos
os amadores, especialisando os debutantes, e a direcção da Sociedade
d’Instrucção Tavaredense por levar a effeito tão agradavel récita.
Chegou, entretanto, o dia 5 de Outubro
e a implantação da República. Até então, todas as ideologias estavam esquecidas
ou adormecidas. A única luta que a colectividade desenvolvia era contra o
analfabetismo e pela cultura e educação dos tavaredenses. Mas, com a liberdade
que o novo regime trouxe, foi inevitável o ressurgimento de tais ideologias e a
propagação dos ideais de cada um. Relativamente ao Associativismo, atrevemo-nos
a dizer que as convulsões provocadas na nossa terra, acabaram por ser
benéficas, pois trouxeram um incremento notável nos campos sociais e culturais.
Adiante procuraremos esclarecer esta nossa afirmação.
Não queremos, contudo, deixar estes dez
anos sem mais uma transcrição. É do jornal ‘Gazetas da Figueira’, do dia 12 de
Novembro de 1910. - O CAVADOR E A SIT -
O
trabalhador é o braço forte do rico proprietario, porque este sem elle não terá
o celleiro e a adega a trasbordar. É do cavador que eu quero falar, d’esse
operario que nenhuns direitos tem, o que menos instruido é, o que trabalha
incansavelmente para garantir á familia o pão d’ámanhã. D’esse operario que
cava a terra para fazer sahir d’ella loiras estrigas e que tem por lar uma casa
infecta, onde vê morrer de fome os filhos.
Por
toda a parte o cavador é dos operários que mais vive nas trevas da ignorancia,
sendo raro o que frequenta a escola e o que manda para ella os seus filhos. A
escola d’elles é a taberna, esse covil de vicios e de crimes, onde todas as
noites se juntam para jogar.
Já
o temos dito muitas vezes e hoje repetimol-o: a taberna é o grande mal das
classes trabalhadoras, porque é n’ella que o operario vae gastar – jogando e
embriagando-se – o que ganha durante uma semana para sustentar a sua familia,
que, faminta, se vê morrer n’uma casa infecta, victimada pela terrivel
tuberculose.
Os
meus patricios, esses escravos que de madrugada, descalços, de enxada ao
hombro, encolhidos de frio, caminham para o seu trabalho, não comprehendem bem
o que é a taberna, porque se o comprehendessem veriam n’ella todos os males da
sociedade, todas as ruinas do operariado, e trabalhariam logo para a demolir.
Quereis
passar bem as aborrecidas noites de inverno? Ide para a associação, porque
n’esta localidade há uma, que muitas terras mais civilisadas do que a nossa,
não possuem. Terão n’ella uma escola para aprenderem a lêr, arrancando se assim
da sombra da ignorancia em que se envolvem, e para então comprehenderem os
vossos deveres; terão um bom theatro para passarem algumas noites com vossas
familias em fraternal alegria, como tambem se instruem, porque o theatro é uma
escola.
É
a Sociedade d’Instrucção Tavaredense a única associação que temos aqui, por
isso todos os trabalhadores devem dar-lhe o seu apoio, reunindo-se n’ella todas
as noites e fazendo os seus filhos frequentar a escola, affastando-os o mais
possivel das casas dos vicios.
Sabemos
que esta benemerita aggremiação dará esta época uma série de récitas aos seus
associados, sendo muito breve a primeira com o sensacional drama – A Filha do
Saltimbanco, que será desempenhada por alguns moços d’esta localidade e da
Figueira.
A
boa vontade da direcção da Sociedade d’Instrucção Tavaredense merece os
applausos de todos aquelles que desejam vêl-a progredir. Para a Associação,
pois, trabalhadores, porque é ella a nossa escola, onde devemos, primeiro de
tudo, instruirmo-nos para que, n’uma patria nova, como a nossa, possamos ser
cidadãos conscientes!
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