E se pela época natalícia não foi
representado, pelos amadores tavaredenses, o tradicionalíssimo Presépio nem os Reis Magos, os nossos conterrâneos não perderam a ocasião de
assistir à representação, no Grupo, desta última peça, representada pela troupe
dramática da Sociedade Filantrópica e Instrução, de Buarcos, ‘a qual foi muito
aplaudida’.
Uma das primeiras iniciativas do Grupo, logo após a
inauguração das referidas obras, foi a abertura de aulas de instrução primária. Contra
a nossa espectativa, as aulas de instrução primaria desta florescente e útil
instituição teem cada vez mais concorrência.
Com franqueza, nós nunca pensámos que
o numero de alunos excedesse de 20 a 30. Hoje, porém - e apezar de a escola
apenas funcionar há duas semanas - já se eleva a 60, entre o sexo feminino e
masculino, pequenos e adultos.
Isto prova evidentemente que o Grupo Musical
é bem digno do titulo que tem e que dele não foge. Ou por outra, não
é hoje Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense,
apenas por mera conveniência...
Nada. Propôz-se a uma obra sublimemente bela e
dignificante e eil-o a mourejar quotidianamente, para levar a bom
cabo o seu espinhoso mas simpático desideratum.
Podemos afoitamente dizer - e sem
snobismos... - que o Grupo Musical é hoje uma das mais bem organizadas e progressivas
associações de recreio e instrução do concelho da Figueira da Foz. Não será
isto uma verdade?
Senão, vejamos: - tem em plena actividade uma
escola de instrução primária, dividida em 3 grupos, com 60 alunos; tem uma escola de musica com 30 alunos; tem um bom
grupo dramático; e tem também, pronta a fazer serviço, uma acreditada tuna, que
ainda há bem pouco tempo se exibiu em concerto, sob a direcção do nosso bom amigo
sr. Pinto d’Almeida. Não
cumprirá, porventura, esta colectividade, com o preceituado nos seus estatutos?
Cumpre como poucas.
Continue, pois, a trabalhar assim, para
merecer os melhores elogios e simpatias de toda a gente digna e sensata, são os
votos mais sinceros deste seu devotado amigo, que afinal o é também e muito
principalmente, dos progressos e engrandecimentos de
Tavarede, sua terra natal, para cujo bom nome o Grupo Musical tem contribuído
nos últimos anos com a melhor das
quotas partes.
E de futuro, melhor há-de acontecer, estamos
disso absolutamente certos, se atendermos à forma bizarra como tudo caminha a dentro de tão ótima e benemérita
colectividade, que dia a dia se vai afirmando cada vez mais prospera e engrandecida. Oxalá
os valentes e encorajados amigos do Grupo não saibam nunca o que são desanimos
ou más vontades, para seu prestigio e honra.
Também não podermos
deixar de referir que igual iniciativa tiveram os directores do jovem Grupo
Musical Carritense. Desde há
tempo que aqui se sente bastante a falta de uma escola nocturna, onde aqueles
que de dia labutam no seu árduo trabalho possam, à noite aprender, quanto mais
não seja, as primeiras letras. A Direcção do Grupo Musical Carritense, que tem
sempre em vista zelar o mais possível os interesses dos seus associados, não só
proporcionando-lhes divertimentos, como também tratar de desenvolver o mais
possível a sua cultura física, resolveu levar a efeito aulas nocturnas, que
dentro em breve devem ser inauguradas na sua sede.
Estas
aulas, que podem ser frequentadas tanto por crianças, como por adultos, são de
grande interesse para esta terra, e por este alto serviço é bastante digna de
louvores a Direcção daquela simpática colectividade, que dia a dia vai
mostrando o carinho que nutre pelo lugar onde tem a sua sede. Oxalá veja
coroado de bom êxito este seu esforço.
Tiveram muito impacto os espectáculos
que foram preparados e levados à cena, pouco tempo depois, pelas duas
associações tavaredenses. Na Sociedade, um original do poeta figueirense,
radicado em Tavarede, João Gaspar de Lemos Amorim, com música de António Maria
de Oliveira Simões, que havia tomado a direcção musical desta colectividade, e
que se intitulava Em busca da Lúcia Lima, e no Grupo, também original de um outro poeta
figueirense, António Amargo, musicada pelo regente da tuna, Eduardo Pinto de
Almeida, a opereta chamada Ninotte,
espectáculos estes que acabaram por gerar uma pequena polémica entre os
correspondentes locais de jornais figueirenses. A ‘coisa’ começou com uma nota
publicada em “A Voz da Justiça”.
No florescente Grupo Musical Tavaredense,
que todos os dias regista novos progressos e que assim conseguiu passar de – a
melhor colectividade do concelho – para a melhor do distrito – e em breve será,
possivelmente, a melhor do país, vão adiantados os ensaios para a récita da
Páscoa, na qual a secção dramática fará uma brilhante afirmação do seu notável
valor scénico. Só o corpo coral é composto de 20 das nossas mais esbeltas
raparigas, não falando nos rapazes.
António
Amargo foi duma rara felicidade, revelando o seu arreglo do João Ratão os seus
conhecimentos da técnica teatral. A Ninotte tem todas as condições para ser
representada por amadores com muito agrado. Há scenas muito bem traçadas e
figuras desenhadas com vigor. O José Serrano (João Ratão), é explêndido, como
explêndida é a scena na associação, quando se inaugura o teatro do herói. Emfim,
Tavarede vai ter pela Páscoa duas magníficas récitas. Não temos senão que
regosijar-nos com o facto.
António
Amargo não gostou e, claro, logo respondeu. Se andam a bulir cá com o rapaz, que
tinha recolhido à privada e metido a viola no saco, também eu tenho o direito de meter a minha colherada.
Discutem periódicos se a minha dramatúrgica
pessoa empalmou "João Ratão", que é português e macho metamorfoseou
em "Ninotte", que é francesa e fêmea. Mas que teem eles com isso? A
"Ninotte" é tão minha filha que até uma das minhas filhas tem
uma boneca preta, a quem baptisou de "Ninotte". É imitada do "João Ratão"? Mas isso
mesmo já se disse e redisse - e eu escrevo o que me apetece. Roubei? Pois
chamem para o caso a atenção da polícia e espetem comigo na cadeia!
Mas
pelo amor de Deus não me macem...
Que culpa tenho eu que os dois grupos
dramáticos de Tavarede andem de candeias às avessas e que eu ande metido
na baila como Pilatos no credo? Lá se avenham um com o outro, mas deixem-me em
paz. O sr. que da terra da srª D. Lúcia Lima manda lerias para "A
Voz da Justiça" entretenha-se lá com as intrigas do burgo tavaredense e faça referências à
"Ninotte" e a mim... depois da opereta ir à scena. É boa? É má?... O
futuro a Deus pertence... Então não querem lá ver? Eu a apanhar por tabela e
a servir de pim pam pum no meio de rivalidades com que eu nada tenho! O diabo não tem sono!...
E para recordarmos estas
peças, aqui reproduzimos duas das muitas notícias publicadas na Imprensa da
Figueira e relativas às mesmas. Da Ninotte
escolhemos esta: Como havia sido largamente noticiado, a secção dramática do Grupo
Musical Tavaredense levou á scena no Teatro Parque, a opereta em 3
actos, Ninotte, da auctoria do
nosso ilustre colaborador António Amargo.
Não procurou ele na Ninotte,
apresentar uma peça de pulso, não só pelo meio a que ela foi destinada,
mas também por ser representada por um grupo de amadores. A peça é uma imitação livre da conhecida opereta
"João Ratão", já nossa conhecida, que a companhia Santanela -Amarante
tem no seu reportorio e constitue sempre um agrado.
Fez uma opereta leve, polvilhada de graça
natural e soube manter no enredo, fácil e interessante, uma feição simples, que não tem frases metidas ad hoc, nem personagem que não tenham
uma razão de existir, e que não exista em qualquer
aldeia. A Ninotte é, pois, uma
excelente peça para o meio em que o auctor a faz decorrer, e marca como mais um
trabalho, embora simples e modesto, em que António
Amargo se afirma e se impõe.
A enriquecer a peça, está a musica, linda e agradável, que Pinto
d’Almeida com o seu reconhecido savoir
faire nos apresenta. Tem alguns
números excelentes, que se ouvem com prazer pela suavidade e encanto do tema –
genuinamente português.
* * *
A secção dramática do Grupo Musical
Tavaredense é um agregado de rapazes e raparigas com extraordinária habilidade
e vocação para pisar taboas de palco. Pelo que se vê, o teatro em Tavarede é um
culto que paes, filhos e avós praticam, com uma boa vontade de louvar, e uma
perseverança digna de registo.
Não ha ninguém, naquela terra, que não tenha já
representado. Antes assim: - o teatro cultiva e educa o espírito, e os
tavaredenses só terão a lucrar com isso. No
primeiro plano, destaca-se D. Violinda Medina, uma distincta amadora, dotada
dos melhores recursos para afirmar
dia a dia os seus progressos. Não temos melhor na Figueira. E as deficiências
que lhe notámos cremos que facilmente lhe desapareciam, se
houvesse
um ensaiador de largos conhecimentos que a orientasse. Na Ninotte dá-nos uma Alice comme
il faut, viva, alegre e insinuante, marcando excelentemente o seu lugar.
A sua voz é sã e agradável. Se se dedicasse á arte de Talma, seria uma
distincta artista.
Violinda Medina, à data desta representação
José Medina, no Serapião Bento dos Anjos, revela-se-nos um autentico sacristão.
É um amador seguro, de boa mascara e dicção clara, que impõe a sua
figura no decorrer de toda a peça, sem uma falha ou uma indecisão, e muito
menos sem exageros. No Zé
Serrano, o valente soldado regressado de França, teve António Medina
Júnior uma boa interpretação. Exagera
por vezes o papel, prejudicando-se por não vincar melhor o tosco francez, com que mete seu palão, com frequência. De resto, sabe pisar o palco e tem
habilidade para o teatro.
Helena Gomes, na fidalga, D. Josefa, soube vencer as
dificuldades do seu papel, e Clarisse Santos, na Maria, a noiva do Serrano, também se houve por uma forma agradável, salvo pequenas
deficiências. Celeste S. Amorim, na falsa Ninotte, falseou um pouco o seu papel, pois não soube vencer bem
a figura estouvada da falsa franceza, deixando-a passar quasi apagada, o que
não devia ser.
António Medina, (cabo d’ordens), José Silva
(Elias, o professor), Adriano Silva (Morgado), Faustino Ferreira (regedor)
e Manuel d’Oliveira e Silva (Pancracio Brasileiro), desempenharam os seus
papeis com sofrível correcção. Aquele Napoleão Valente, major reformado,
que certa vez, do Quilombo fez qualquer coisa que não se chegou a saber,
mas que devia ser acto heróico, foi o peor de todos os amadores, no que também
tiveram culpa os restantes.
No conjuncto, o desempenho agradou, tendo o
publico, nos finais dos actos e em algumas scenas de maior agrado,
aplaudido com entusiasmo. Os coros, embora algumas vezes fugissem um pouco á
orquestra, não desmancharam o conjuncto. Em
nosso entender, a peça devia ter sido um pouco mais ensaiada, para depois a
representarem aqui. O publico da Figueira é
um pouco mais exigente e conhece alguma coisa (pouco, é certo) de teatro. Em
sintese: é um bom grupo de amadores, que trabalha e progride.
Vicente Ferreira, que ensaiou e marcou, revelou-se uma boa vontade
a aproveitar.
***
António Amargo, Pinto d’Almeida e Vicente
Ferreira, receberam do publico as palmas merecidas pelo seu bom trabalho. Aqui os felicitamos sinceramente bem como o
grupo de amadores, pela excelente noite que nos proporcionaram, e pela
boa assistência que tiveram e que os aplaudiu merecidamente.
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