E, mantendo a tradição, a tuna saíu no
domingo de Páscoa, em visita aos seus sócios e amigos, deslocando-se à
Figueira, Buarcos e Carritos. Ainda nesse mês, foi levada à cena, na Sociedade
de Instrução, aquela peça que seria uma das mais famosas representadas por esta
colectividade. Foi no dia 28 de Abril a estreia da célebre fantasia O sonho do cavador. O Sonho do Cavador agradou extraordinariamente. A peça é mais opereta
que revista. Tem acção que caminha do 1º. ao último acto, surgindo de longe em
longe, nalguns dos quadros, uma ou outra scena arrevistada, de acentuado sabor
local; e tem, a dar-lhe unidade, uma intenção ideológica e de moralidade que,
graças ao desempenho, foi sentida mesmo pelos espectadores que não puderam
compreendê-la em todo o seu simbolismo.
O sonho do cavador – protagonistas:
Jaime Broeiro (Ti João da Quinta), Emília Monteiro (Rosa) e João Cascão (Manuel
da Fonte)
A
peça encerra a história, que é apresentada com fantasia dentro da qual a
verdade tem lugar, dum cavador que a ambição da riqueza leva a abandonar a
aldeia, depois de atirar fora a enxada e amaldiçoar o trabalho. Como trabalha
desde pequeno, julga ter conquistado o direito à felicidade – e para êle – a
felicidade não se encontra fora da riqueza e esta não se alcança cavando a
terra. Na própria ambição encontra o castigo do seu êrro; vê-se mais pobre do
que era, e as figuras simbólicas dos três Homens Felizes mostram-lhe como os
pobres, os humildes, também podem gozar a felicidade; o cavador regressa à
aldeia, onde o esperam ainda a enxada leal e a noiva fiel – e a peça fecha com
o elogio da vida simples e humilde do campo, na qual a saúde do corpo anda
sempre junta à alegria da alma.
O
Sonho do Cavador tem música lindíssima. É uma partitura em que António Simões
foi muito feliz. As adaptações são perfeitamente ajustadas às personagens e às
situações, como os números originais afirmam as qualidades brilhantes dêste
distinto amador musical. Completam admiravelmente a beleza do conjunto alguns
lindos versos do sr. João Gaspar de Lemos: esplêndido como inspiração os do
final do 2º. acto, e maravilhosos de técnica, de ritmo e de singeleza aqueles
em que o Pagem Amor-Perfeito conta à Rainha das Flores a história ingénua da
andorinha que morreu apaixonada pela canção do rouxinol; As Uvas, e o terceto
do Milho são versos graciosos e dum belo descritivo.
Valorizando
a representação, há os scenários e um vistoso guarda-roupa, no qual se admiram
cêrca de 40 interessantes e muito sugestivas fantasias.
Em
resumo: O Sonho do Cavador marca em Tavarede, que é uma pequena e bem pobre
aldeia, um acontecimento de certo relêvo artístico. Não admira que no próximo
sábado se repita outra enchente, tanto mais que sabemos ser elevado o número de
lugares que já no sábado ficaram marcados para pessoas desta cidade que nesse
dia irão aplaudir os modestos e simpáticos amadores tavaredenses.
O dia 12 de Maio de 1928 foi trágico
para a nossa terra, acabando por influenciar, da forma mais negativa, o
associativismo tavaredense. Numa peregrinação a Fátima, uma excursão de
tavaredenses e figueirenses sofreu um acidente de viação, do qual resultaram
duas vítimas mortais, uma das quais foi o padre Manuel Vicente, que paroquiava
Tavarede desde o início do século. Adiante veremos como influiu no
associativismo, sendo a principal vítima o Grupo Musical Tavaredense.
Entretanto prosseguiam activamente as
nossas associações. Após uma série de espectáculos com O sonho do cavador, sempre com lotações esgotadas, e depois da
costumada interrupção do verão, regressou ao palco, ali se mantendo até fins de
Outubro. E após dar 16 espectáculos na sua sede, realizaram a primeira saída,
com esta peça, a Buarcos, onde obtiveram novo triunfo.
O Grupo, e em benefício do seu cofre,
realizou nova garraiada no Coliseu Figueirense. Aqui deixamos uma breve nota,
especialmente para recordar os intervenientes. Nesta diversão, que promete ser ruidosa e fazer rir o espectador mais
sisudo, tomam parte os melhores artistas da terra do limonete, todos com
vontade de dar o corpo ao manifesto, para o que já fizeram o seguro das
costelas.
A
cavalo, toureiam o menino Antonio Vieira, de Aveiro, que conta apenas 9 anos e
que é uma esperança do toureio portuguez, e o sr. Francisco Pereira da Silva
que, segundo nos disse, está preparado para enfrentar o bicho mais corpulento
do curro que é fornecido pelos irmãos Plácido, de Santo Varão.
Além
destes elementos, haverá numeros cómicos, como o Barco Misterioso, As barricas
encantadas e os Homens da pastagem, O Restaurante modelo, Estatuetas de jaspe,
etc. Muitos outros artistas destemidos, tomam parte nesta garraiada, todos eles
com vontade de desempenhar bem os papeis que lhes foram distribuidos, mas que
nos é impossivel enumerar.
O
que podemos garantir, é que não é facil apresentar um cartel tão completo e
variado de toureiros em bolandas, dispostos a deixarem de si fama imorredoira. O
curro é composto de dois toiros e seis garraios e abrilhantam a diversão,
algumas filarmonicas do concelho.
Infelizmente a receita não foi a
prevista, pois não conseguiram encher a casa, mas conseguiram ainda levar ao Coliseu muitas centenas de aficionados.
Registemos que, como habitualmente, as
escolas nocturnas continuavam a sua missão instrutiva, sempre com elevada
frequência de alunos, adultos e crianças. E queremos prevenir que os últimos
anos desta década, nos obrigam a um muito grande desenvolvimento, pois, e disso
não temos dúvidas, foi durante este período que se registaram acontecimentos
indeléveis nas associações tavaredenses. Teremos de pôr de lado a nossa
intenção inicial de um ‘pequeno caderno’, mas parece-nos que para se contar a
história do associativismo na terra do limonete, é indispensável debruçarmo-nos
mais longamente sobre os acontecimentos nestes anos.
Raul Martins desenvolveu, de forma
notável, o teatro no Grupo. Vejamos esta nota respeitante a mais uma
representação na sede. E visto que os grupos
dramáticos dos clubes figueirenses adormeceram num criminoso far-niente, não ha
remedio senão o amador de espectaculos teatrais - que não estão dispostos a
comer sempre o indigesto acepipe cinematográfico - ir até fóra do burgo aos
domingos divertir-se um pouco nos teatrinhos de aldeia.
E
foi por isso que, no passado domingo, fomos ao teatrinho da Rua Direita, em
Tavarede, assistir á reprise, dada em matinée, da opereta em 2 actos de Raul
Martins, a Noite de Santo Antonio, adubada com versos de Antonio Amargo e
enriquecida com explendida musica de Herculano Rocha - que desta vez ensaiou e
foi reger a orquestra com a sua extraordinaria maestria de artista invulgar.
Nada
queremos dizer da peça, que por varios palcos do concelho tem sido exibida com
geral agrado - como o demonstram as suas multiplas representações - que a
critica local tem sabido merecidamente elogiar pela pêna imparcial dos seus
jornalistas-criticos. Tão sómente desejamos referir-nos ao desempenho.
Incontestavelmente,
o Grupo Musical e de Instrucção Tavaredense possui a dentro da sua secção
dramatica alguns dos melhores amadores do concelho. Desfalcada embora a secção
com a ausência de Antonio Medina Junior e com a perda irreparavel do grande
cómico que foi o saudoso José Medina - apesar de tudo mantem o seu logar de
previlégio com os antigos elementos e com a preciosa aquisição de outros nomes.
A
reprise da Noite de Santo Antonio constituiu mais um triunfo para o grupo, que
caprichou em apresentar-se galhardamente, tanto pela correcção dos amadores
como pelo rigor do guarda roupa, como ainda pelo meticuloso apuro da
mise-en-scéne, para não falarmos tambem da perfeita execução da orquestra.
Violinda
Medina foi a explendida artista de sempre, pelo seu á-vontade em scena, pela
sua impecavel dicção, pelo seu maravilhoso timbre de voz, que a tornam - sem
favor e sem exagêro - a melhor e a mais completa amadora de todo o concelho.
Raul
Martins - encarnou bem o papel de galã, embora por vezes nos parecesse um pouco
frio, talvez por temperamento próprio, talvez pela sua preocupação constante de
ensaiador e de alma de todo o trabalho.
Clarisse
de Oliveira tem voz tem gesto, mas... teve mêdo, que a levou a fraquejar em
certa altura. Deve perder êsse mêdo; quando se possuem qualidades reaes e verdadeiras,
como ela possui, não há de que temer e deve-se fazer realçar todos os recursos.
Manoel
Nogueira e Manoel Cordeiro são dois excelentes cómicos, principalmente o
primeiro. São êles a graça e o riso da opereta, nas suas passagens de
gargalhada, que muitas tem e bem interessantes.
Não
nos deteremos na apreciação das personagens uma por uma, o que alongaria
demasiado esta simples noticia sem pretenções a critica que para tanto nos
falta competência. E estamos certos de que os correctos amadores não nos
levarão isso a mal. Bastará a nossa afirmação de que o conjunto - salvas
pequenas falhas, pois nada existe perfeito - foi absolutamente harmónico no
geral como no particular: pode o Grupo Musical orgulhar-se do seu magnifico
nucleo teatral, tão homogeneo, tão estreitamente ligado na mesma amisade pela
arte e no mesmo amor pela sua Associação, que dificilmente encontrará entre nós
outro que se lhe avantage.
Ao
Grupo Musical e Instrução Tavaredense, aos seus belos amadores teatraes, a Raul
Martins e a Herculano Rocha - os nossos sinceros parabéns pelo êxito da matinée
de domingo.
Em Dezembro o Grupo comemorou o seu 17º
aniversário com teatro, música, sessão solene e bodo aos pobres. E no mês
seguinte, a Sociedade de Instrução comemorou as suas ‘Bodas de Prata’. Não
podemos deixar de transcrever uma nota publicada. As previsões que aqui fizemos sobre as festas comemorativas do 25º.
aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense foram inteiramente
confirmadas. Mais ainda: foram excedidas. Na verdade, dificilmente poderá
realizar-se com maior simplicidade, mais alto significado e maior brilhantismo
a comemoração do aniversário duma colectividade cujo programa se subordina a
êste tema geral - Instrução e Educação.
A
benemérita Sociedade de Instrução Tavaredense teve mais uma vez ocasião de
verificar como é admirada e considerada e a sua acção, de tão benéficos efeitos
na população de Tavarede. O primeiro número do programa foi a récita de gala: -
brilhante, com um acentuado cunho de distinção.
As
salas estavam artisticamente engalanadas, com muitas e ricas colchas de damasco
nas paredes. A iluminação eléctrica, tanto na sala como no exterior, produzia
um belissimo efeito. Na sala de espetáculos, êste belo efeito era ainda
realçado por uma lindissima e monumental corbelha, em que as flores e as luzes
de muitas e pequeninas lâmpadas formavam um conjunto artistico verdadeiramente
primoroso.
Abriu
a récita com o hino da Sociedade, executado pela orquestra e cantado pelo
orfeão, e para o qual a distinta poetisa srª. D. Maria de Jesus escreveu a
letra. Seguidamente o orfeão da Sociedade cantou os três números do programa,
que agradaram muito e foram motivo de elogio para o seu regente sr. António
Simões, amador distinto, temperamento de artista, que teve na trabalhosa e
delicada missão de ensaiar a colaboração valiosa do sr. José Nunes Medina.
Na
2ª. parte disseram versos, que a assistência ouviu com agrado, os amadores do
grupo dramático António Broeiro e Maria Teresa de Oliveira, e a srª. D. Maria
de Jesus, que deu à festa uma colaboração gentil, disse os seus belos versos
que hoje publicamos na secção literária. Houve também música: um solo de viola
pela srª. D. Maria de Jesus e dois números de guitarra, que esta senhora
acompanhou, pelo nosso amigo e colaborador sr. José Maria de Jesus. A
assistência aplaudiu calorosamente.
A
récita terminou com a opereta em 2 actos As Duas Mantas do Diabo, em cuja
partitura, da autoria do sr. José Lopes Pessoa, há números de efeito e boa
expressão, nomeadamente o côro de abertura do 1º. acto, alegre e pitoresco, o
dueto do 1º. acto de Joana e José, que é lindo e o côro final. O desempenho
agradou inteiramente, não obstante os poucos ensaios, brilhando e confirmando
as suas qualidades de bons amadores, em papéis principais, Jaime Broeiro, João
Cascão, António Broeiro, Maria Teresa de Oliveira, Emília Monteiro, Idalina de
Oliveira e Maria José da Silva. Todos os outros formaram um conjunto agradável
que bem mereceu os aplausos da assistência.
Tocou
uma excelente orquestra, sob a regência de António Simões. Num dos intervalos
executou a dificil sinfonia da ópera Fra Diavolo que arrancou palmas às pessoas
que a escutaram.
No
domingo de madrugada, uma grande fanfarra percorreu as ruas de Tavarede
executando o hino da Sociedade de Instrução, estralejando os foguetes.
A
sessão solene realizou-se pelas 15 e meia horas, com um brilhantismo invulgar.
Assistência numerosissima, enchendo a sala e o palco e comprimindo-se no átrio
e corredores.
A
distinta banda 10 de Agôsto e a excelente tuna do Grupo Instrução e Recreio
Quiaiense dão uma nota especial de alegria naquele ambiente de festa.
Na
mesa estavam os srs. dr. Manuel Gomes Cruz, tavaredense ilustre e respeitado e
sócio dedicado da Sociedade de Instrução, que presidia; Pedro dos Santos
Moreira, professor oficial de Tavarede; Rui Fernandes Martins, professor
oficial de Brenha; David Monteiro de Sousa, pela Filarmónica 10 de Agôsto e
Manuel Lontro Mariano, pelo Grupo Instrução e Recreio de Quiaios. No palco,
além dos corpos gerentes, estavam muitas pessoas da Figueira e localidades do
concelho entre outras os srs. dr. Manuel Gaspar de Lemos, dr. José Cruz,
António Felizardo, Manuel J. Cruz, engenheiro Rebêlo da Silva, José Amora,
Manuel Santos, Eugénio Gomes Luiz, Oliveira Santos, etc. O aspecto da sala é
imponente, dando-lhe uma nota de beleza e frescura a presença de muitas
senhoras.
Ao
ser aberta a sessão a 10 de Agôsto executa o hino da Sociedade. E segue-se a
leitura de numeroso expediente.
O
sr. presidente dá a posse aos novos corpos gerentes, que são recebidos com
palmas, e a seguir faz a entrega de diplomas às pessoas que na última
assembleia geral foram nomeadas sócios honorários, acto que foi coroado com
muitas palmas.
O
sr. dr. José Cruz pronunciou um discurso em que pôs em relêvo os serviços
prestados ao povo da sua terra pela Sociedade de Instrução Tavaredense e
dirigiu homenagens ao grupo dramático, ao qual a Sociedade fica devendo o maior
quinhão das suas prosperidades.
Extintos
os aplausos que coroaram o discurso do sr. dr. José Cruz, é dada a palavra ao
nosso amigo Manuel Lontro Mariano, inteligente e distinto aluno de Direito, que
falou com brilho e entusiásmo, apresentando à Sociedade de Instrução Tavaredense
as saudações calorosas do Grupo Instrução e Recreio de Quiaios, que na sua
terra natal procura exercer a mesma acção educativa que há 25 anos a Sociedade
de Instrução desenvolve em
Tavarede. O belo discurso de Manuel Mariano foi aplaudido com
uma ovação calorosa e prolongada.
E,
após algumas palavras de José Ribeiro, nas quais especialmente aludiu à
iniciativa tomada pela Sociedade de Instrução Tavaredense de promover um
certame horticola-pomícola, o sr. dr. Manuel Gomes Cruz encerrou a sessão com
um discurso interessante, cheio de vivacidade e de conceitos morais, focando
nos seus vários aspectos a obra de educação e de instrução daquela agremiação a
que muito se orgulhava de pertencer, e termina com vivas à Sociedade de
Instrução e ao povo de Tavarede, que foram entusiasticamente correspondidos. A
10 de Agôsto e a tuna de Quiaios executaram alternadamente o hino, e a
assistência começa dispersando, levando no espírito as melhores impressões
daquela imponente e brilhante sessão solene.
À
noite, o baile de gala, no qual tocou um excelente jazz. Uma animação enorme,
uma alegria intensa que só se apagou quando se calou a orquestra, depois das
duas da madrugada.
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