Pouco depois do grupo cénico da Sociedade ter ido à Figueira dar
um espectáculo com O sonho do cavador,
surgiu, num novo jornal figueirense declaradamente assumido como conservador,
uma crítica verdadeiramente ferocíssima. Esta colectividade, sempre defensora
do regime republicano, foi apelidade de loja
da maçonaria e, como tal, contrária ao novo regime político. Mas, vejamos a
tal crítica. O Sonho do Cavador é uma revista-fantasia, em 3 actos
e 10 quadros, da autoria de João José, com musica de Antonio Simões. Foi para
assistir a esta peça levada à scena pelo grupo dramático da Sociedade de
Instrução Tavaredense que quasi toda a Figueira acorreu no dia 26 passado, ao
Peninsular. Não me permite esta secção, nem mesmo as normas estabelecidas em
obediencia às velhas praxes jornalisticas para récitas de amadores, que façâmos
a analise critica dessa revista-fantasia.
Grupo cénico da SAIT - 1928
O Sonho do Cavador - Manuel da Fonte, Roda e Ti João da Quinta
Limitamo-nos,
apenas, a registar o entusiasmo, verdadeiramente bizantino, com que a “plateia”
da Figueira recebeu esta peça, representada ab initio num modesto teatro do
ridente povoado de Tavarede. Mas registando o facto, somos forçados a
abordá-lo, ainda que simplesmente ao de leve, para que ele desça a ocupar a
posição devida – uma bem velada meia sombra da maior parte das teatradas
levadas à scena por amadores.
Não vamos incidir as nossas
considerações sobre certas confusões de linguagem; sobre a falsa colocação de pormenores
que atraiçôam a unidade do enrêdo; nem tão pouco sobre várias scenas que se
repetem, confundindo, entediando e monotizando a pouca acção que já por si se
revela.
Não
procuramos esclarecer o espirito critico dos leitores, referindo a falta de
colocação de incidentes verdadeiramente inverosimeis que quebram o legitimo equilibrio
dos detalhes; nem apresentamos o mau amanharamento deste ou daquele quadro; e a
ilogica e pouca racional iniciação do cavador na cidade.
Não
salientamos sequer as scenas que, exageradamente romanticas, se apresentam sob
a vida negra dessa ilusão perdida em face de amazonas mal engendradas que só
existem na precoce imaginação do auctor.
Não
repetimos o que sobre a peça escreveu um colega local: “a peça não vale
nada”...; nem mesmo revelamos o péssimo gosto de vários quadros, com manchas
verdadeiramente insonsas de fraco tom e falhas de minima e mais prudente
concepção.
Nada
disso fazemos, porque se a “plateia” da Figueira é, de facto, “plateia” – ela,
de facto, tambem, já julgou definitivamente.
Como
explicar, então, este grande entusiasmo que de certo publico se apoderou, para
apresentar o original de João José como a oitava maravilha do mundo; o
verdadeiro formigueiro que de longada ia estrada além, até Tavarede, para
assistir ás primeiras representações; a partida de tal grupo dramático de Tavarede
em vento norte a Buarcos; e daqui, a este assalto ao Peninsular?!...
Valor
intrinseco da peça, positivamente que não, porque fazendo eco dessa local a que
nos referimos – “a peça não vale nada”.
Valor
de partitura, tambem não pode ser, visto a plateia da Figueira estar habituada
a ouvir o que há, de bom e de melhor.
Nem
mesmo sequer nos podemos integrar na forma como decorre a acção, ou pela
maneira por que os factos se sucedem, sem qualquer particularidade que emocione
verdadeiramente o publico.
E
no entanto, o O Sonho do Cavador que o espirito judaico-franco-maçon de
Tavarede nos exportou, é uma revista-fantasia de bons costumes, com uma bem
acentuada nota regionalista.
Não
se explica assim, a obra de arte feita para agradar a todos os corações cimplorios,
do ir.’. João José que personalisa a nota regionalista da revista que se
apresenta com certo ar de rejuvenescimento nacional.
Sendo
assim, como é de facto, não se explica duma forma plausivel a verdadeira
corrida democrática que da peça se tem feito, fazendo dela uma verdadeira
parada politica.
É
que, na verdade, o O Sonho do Cavador com uma nota acentuadamente regionalista,
transbordando de amôr á terra e pela terra, é uma peça tudo quanto há de mais
antidemocrática, promovendo a par e passo uma atmosfera nacional que a
Democracia não pode perfilhar, por ser estructuralmente anti-nacional.
E,
se o publico a aplaudiu por méra questão politica, fazendo dela uma Grande
Parada, não soube integrar-se nela, na coerencia dos seus proprios principios, visto
ela ser a máxima negação de todos os máximos principios do Numero, para ser uma
peça que representa a verdadeira arte nacional, na tése que pretende defender.
Nem
todos, porém, assim o compreenderam. E, desta forma, o tal publico fala, ouve e
quere fazer falar e ouvir os outros – os indiferentes.
E,
assim, esse publico fazendo da peça uma Grande Parada, conseguiu arrastar a
Tavarede, outro publico novo e incredulo, propagueando mil e uma coisas, e
enaltecendo ao maximo um valor intrinseco desse O Sonho do Cavador que, de
verdade, nada, ou pouco, vale em si.
Não
se satisfazendo ainda, arrasta-o, em pleno sucesso, até Buarcos, e daqui, ao
Peninsular.
E
porquê?!... Simplesmente porque o auctor – tenho muito prazer em dize-lo – é um
ir-‘- democrático que se encobre com o pseudonimo de João José e faz parte das
hostes aguerridas que combatem a actual situação politica, vivendo aliás na sua
dependencia, porque a serve como seu funcionário.
Da
peça, fizeram, pois, mais uma manifestação politica, aproveitando a boa-fé de
certo publico que pretende divertir-se, criando de tal modo, um certo espirito
de unidade politica que na realidade não existe e que sem grande elevação de
pensamento pretende sustentar o fogo sagrado das trincheiras maçonicas da
Figueira e seus arredores.
E,
no entanto, a Grande Parada, longe de ser da Metro Goldwyn Mayer Films, Lda.
pois apenas é da Sociedade de Instrução Tavaredense, vai sentetisando o
pensamento que representa e vive por intermédio desse ir.’. factotum maximus do
orgão fariseu da sua terra.
É
que a politica não esquece deveres imaginarios, e sempre procura nas cada vez
mais densas trevas que a apresentam, aquela politica de infiltração que
pretende criar um espirito de unidade secreto que um trabalho de critica de
arte pode prejudicar e aniquilar.
É
o nosso espirito de combatividade que ora chama a atenção da “plateia” da
Figueira, para o que se passa com o O Sonho do Cavador, na certeza da
incoerencia que nomeadamente designa essa Grande Parada... democrática.
Da
nossa emoção artistica, está tudo verdadeiramente dito.
Basta
que salientemos ainda que, pela analise da obra, o mecanismo de tal peça é tudo
quanto há de menos democrático – apesar de escrita por um democrático e ao
serviço de democráticos – porque a “Democracia significa desunião, partilha de
sentimentos, oposição e luta de interesses.
Por
lei natural, da consciencia da Nação nasceu a Patria. Pela rebelião constante
do preconceito do numero contra a inteligencia, a Democracia.
A
Democracia desconhece a natureza, escraviza as almas e mata a Nação”.
E
porque o O Sonho do Cavador é fundamentalmente anti-democrático, porque é
nacional, - que demonio de simpatia, de aplauso ou entusiasmo lhes pode merecer
o mesmo O Sonho do Cavador, com a sua tese regionalista?
A
não ser que essa “plateia”, esse publico democratico que constitue essa curiosa
multidão ignara de incultos amadores, apenas tenha em mira individualizar o
individuo auctor, num gesto de intriga politica, bem próprio daquelas
assembleias cujo “caracter especifico da eleição é o Numero, e o Numero é a
antimonia da Qualidade”.
Mas
se assim é, se tudo se congrega à volta do ir.’. auctor, que fica então?
O
depoimento insuspeito duma “plateia” que se deixou arrastar pela comédia
democrática, “à mentira democrática, à fraude democrática – numa palavra à
Democracia que é, por definição, mentira, fraude, comedia, e que se pode captar
áqueles que não são incompativeis com os mentirosos, os comediantes e os
burlões”.
Foi
essa a virtude d’ O Sonho do Cavador.
Mas
como na Democracia “à medida que o Numero aumenta, a competencia restringe-se”
– o depoimento que os democráticos acabam de fazer com o O Sonho do Cavador,
merece que o não deixemos em silencio.
O
Sonho do Cavador, por si, revela que o nosso Teatro ainda “poderá ser português
de Portugal, e a nossa vida de espirito, fortalecida em independencia honrada e
salvadora, cessará de ver-se humilhada em tal aspecto, na condição de colonia
de presidiários da cultura francesa” não se integrando no que diz Ch. Grun – Les régionalistes, qui comprennent á merveille
l’importance du théatre, refusent, tout naturellement, de se satisfaire des
tournées parisiennes (dites, par les agences, tentatives de décentralisation
théatrale) et, même des pieces incolores dues á un auteurs local e montées par
um directeur en mal de réclame et de décentralisation, lui aussi – porque,
“contra estas mistificações estão bem prevenidos o instincto e a consciencia
dos regionalistas”.
Pela Grande Parada... democrática de que
foi alvo, revela o O Sonho do Cavador, em sua plenitude maxima, aquela tão
nossa conhecida politica de – Oh! Escola, semeai!... traduzida pelos principios
amorfos da L.’., E.’. e F.’., tristes simbolos da ordem revolucionária
imperante do Poder anonimo que em 34 nos foi imposto pelas armas estrangeiras.
Pois
dessa ideologia revolucionária que ora serve de cobertura a todas essas lojas
maçonicas que por ahi andam, ao serviço de politicos sem escrupulos que a
Dictadura afastou da Nação – se mistificou o Sonho do Cavador.
E
a Figueira aceitou, indiferente, como indiferente Buarcos aceitou a
mistificação. Somente para aqui, vem rotulada pela Santa Casa da
Misericordia...
Mas
os fins são os mesmos.
Eles
ficaram exuberantemente demonstrados na noite de 26 de Janeiro, deste Santo Ano
de Cristo.
Eis
o que teriamos escrito logo a seguir á representação d’ O Sonho do Cavador, no
Peninsular se nos fosse dado apresentar o nosso protesto em publico!
Ainda
que tarde, porêm, ele aí fica, claramente definido nas colunas aguerridas desta
trincheira de Bom Combate.
E...
sic transit gloria mundi. (a) José João.
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