Certamente estarão recordados que, no
primeiro caderno, referimos a morte do padre Manuel Vicente, como tendo tido
enorme influência no associativismo tavaredense. À frente da paróquia desde o
princípio do século, aquele pároco, simples e popular, embora tivesse mostrado
interesse pela vida e actividade das associações da terra, muito pouco
participou nas mesmas. Talvez por esse motivo, aquando do movimento militar de
28 de Maio de 1926 e da restauração do conservadorismo, a sua missão sacerdotal
prosseguiu normalmente e se teve alguns problemas com os seus paroquianos,
esses foram ocasionados por algumas directrizes ordenadas pela Diocese.
Padre Manuel Vicente
A que terá tido maior importância,
certamente que foi a ordem do bispo de Coimbra proibindo as célebres cavalhadas
ao São João, considerando-as profanas e, como tal, incompatíveis com as
celebrações religiosas. Mas as cavalhadas eram, com os potes floridos de Maio,
das mais queridas tradições do nosso povo. E se na Figueira, Buarcos e
restantes localidades que mantinham, havia tantos anos esta tradição, acataram
a ordem, as gentes de Tavarede resolveram tomar posição diferente. Embora
grande número dos componentes da comissão organizadora das tradicionais festas
ao S. João fossem católicos praticantes, não acataram as ordens do bispo e
mantiveram a tradição, agravando a decisão ao contratar, para abrilhantar as
festas, a banda do Troviscal, que havia sido excomungada pela Diocese coimbrã.
Mas, acrescente-se, foram as últimas grandes festas realizadas em Tavarede em
honra do santo percursor.
Meses depois da morte do padre Vicente,
e após um período em que Tavarede foi paroquiada pelo reverendo Abrantes Couto,
da vizinha freguesia de Buarcos, um novo pároco foi nomeado para a nossa terra.
Calhou a nomeação no padre José Martins da Cruz Dinis, ordenado havia
relativamente pouco tempo. Ao tomar posse do seu novo cargo, o padre Cruz Dinis
não tardou em notar o pouco interesse dos tavaredenses na prática da religião,
pois uma grande parte da população não tinha o costume de frequentar a Igreja
com a frequência que ele desejava. Perante a esta situação, de imediato
resolveu inverter a situação. Bastante inteligente, além da sua missão
paroquial também passou a dar aulas no Colégio Figueirense, breve se apercebeu
da grande paixão dos tavaredenses pelo associativismo, destacando-se o teatro e
a música.
Uma das suas primeiras iniciativas, e
seguindo o exemplo das colectividades, foi criar uma nova aula, não nocturna,
mas diurna, e, sendo grande o número de crianças sem hipóteses de frequentar a
escola primária oficial, não tardou em ter uma frequência de algumas dezenas de
alunos e alunas. Contudo, o espaço que dispunha para esta actividade não era
muito, pelo que começou a pensar como resolver a situação.
Apercebendo-se, como referimos, do
interesse dos locais pelas associações, terá começado a idealizar a ideia de se
servir das mesmas para chamar a si muitos dos tavaredenses. Mas, num meio tão
pequeno e tão pobre como era Tavarede, não seria viável fundar uma outra
associação. E porque não utilizar uma das já existentes? A Sociedade de
Instrução foi hipótese impossível. Restava o Grupo Musical...
Todos sabemos que esta colectividade
atravessava, naq uela época, enormes
dificuldades. Além disso, alguns dos seus dirigentes e mais sócios, eram
reconhecidamente conservadores, praticantes e devotos da religião católica e,
como tal, terá procurado o seu apoio. E a verdade, cumpre dizê-lo, é que o
Grupo acabou por ter de vender o edifício da sua sede, procurando resolver a
sua situação financeira e continuando como inquilino, com a renda mensal de
166$70. Isto aconteceu em Junho de 1930.
Em Setembro daquele ano, como não
tivessem conseguido pagar a renda, o comprador do edifício António Lopes,
anterior presidente da Direcção e um dos credores do Grupo, logo escreveu à
colectividade, ameaçando com uma acção de despejo. Ainda conseguiram
regularizar a situação, graças a um empréstimo de alguns sócios, mas, em Julho
de 1931, cerca de um ano depois da compra, surge uma assembleia geral em que é
proposta a saída da associação para outra casa, havendo, até, a hipótese de
dissolução do Grupo, o que foi rejeitado pela maioria presente. Foi-lhes cedido
parte do antigo palácio dos condes de Tavarede, onde tiveram a sua sede até à
década de 1970.
A última notícia de 1930 sobre a
actividade do Grupo Musical, refere ser levado à cena, pelo Natal, o velho Presépio. Registemos ainda a notícia de
que, em Setembro daquele ano, a tuna se havia deslocado a Vizeu, tendo as
despesas desta viagem, no total de 369$50, sido suportadas por uma subscrição
feita entre os sócios.
Também não foi possível efectuar nova
garraiada que, devido ao elevado custo previsto, acabaria por resultar em mais
prejuízo. Quanto ao cinema, alguns directores foram a Lisboa para tentar trocar
ou vender a velha máquina de projectar e adquirir uma nova, mas as condições
apresentadas não eram suportáveis para o Grupo.
Aparentemente, esquecemos que em
Tavarede não existia somente o Grupo Musical. Não é assim. Se nos debruçámos
mais longamente sobre este, isso foi devido à triste situação em que se
encontrou. A Sociedade de Instrução, sempre infantigável, prosseguia
activamente com o teatro e com a escola nocturna. Por sua vez, o Grupo Musical
Carritense comemorou, em Janeiro de 1931, mais um aniversário, tendo na sessão
solene usado da palavra José Ribeiro, que
falou dos benefícios que as colectividades como esta podem prestar às
populações rurais dos lugares onde exercem a sua acção, pois são um admirável
elemento de educação.
Nos dias 17 e 18 daquele mesmo mês, foi
a Sociedade que, festivamente, comemorou o seu aniversário. A Sociedade de Instrução Tavaredense comemorou nos passados sábado e
domingo os seus 27 anos de vida, o que equivale dizer: os seus 27 anos de luta.
Não é demais, na notícia descritiva das
festas da popular e prestimosa colectividade, dizer que a obra realizada
durante estes 27 anos tem sido uma proveitosa obra de ensinamentos, uma
patriótica obra de perfeição e educação.
As suas aulas têm dado a muitos
espíritos a luz radiosa das letras, tornando mais aptos e mais úteis à vida
individual, e a bem da sociedade, que se abeira dos ensinamentos que naquele
templo de luz são ministrados.
E não poucas vezes a velha Sociedade
tem vindo, mêsmo à Figueira, com o seu prestimoso grupo scénico, dar
espectáculos em benefício dos doentes e dos pobres.
Não está mal, pois, que na hora festiva
em que uma tão útil colectividade engrinalda as suas salas para festejar um dia
cheio das mais caras recordações, que aqui, em homenagem, lhe dirijamos as
nossas saudações pelo dia festivo que passou e os nossos cumprimentos pela obra
de elevação e benemerência que tem realizado.
As festas comemorativas do 27º
aniversário começaram no sábado. Engalanaram-se as salas, com flores e
colgaduras de damasco, aliando-se a estas notas de beleza uma caprichosa
iluminação eléctrica, a côres. No poste principal, subiu a bandeira glorioso
símbolo da Sociedade, que era acompanhada por outras bandeiras que puzeram na
frontaria uma nota de côr festiva. Ergueram-se ao ar os primeiros foguetes
anunciando a festividade, emquanto a sala de espectáculos se ia enchendo de
sócios e convidados.
Dera-se, no palco, o sinal de comêço;
cá fora, nem um lugar vago, A orquestra, sob a regência do sr. António Simões,
executa o hino da Sociedade, ouvido de pé, tendo a assistência aplaudido com
entusiasmo.
E segue a ordem do programa, fielmente,
como fôra traçada no programa-convite. Sobe à scena a linda opereta em 1 acto
“Evocação” – seguindo-se a formosa opereta em 2 actos “Noite de Agoiro” – da
autoria do sr. dr. Celestino Gomes, que teve, no final do 1º acto, uma chamada
especial, sendo-lhe oferecido entre calorosas palmas um artístico ramo de
flores pelo presidente da Direcção, sr. António Cordeiro.
O espectáculo de gala terminou com a
representação da encantadora opereta “66” – tendo os amadores recebido muitos
aplausos e sendo, no final do espectáculo, novamente tocado o hino da
Sociedade, levantando-se entusiásticos hurras.
Entre o
final da récita e a alvorada, houve um pequeno intervalo. E assim, muito antes
de romper o dia já subiam ao ar girândolas a anunciar a alvorada. Um grupo
musical de elementos da Sociedade, executando o hino e acompanhado por muitos
sócios, saíu da sede, para pôr em alvorôço de alegria a povoação.
Seriam 11 horas quando foi recebida
solenemente pela Direcção da Sociedade todo o curso de ginástica infantil da
Associação Naval 1º de Maio, que tinha ido levar os seus cumprimentos de
felicitações à Sociedade tavaredense.
Agradeceu a visita, em nome da Direcção,
o sr. António Cordeiro, sendo oferecido abundantes doces às crianças, emquanto
entre a Direcção e os representantes da Naval eram trocados brindes muito
afectuosos, falando em nome dos visitantes o sr. Raúl Correia. Foram lançados
vários vivas pelas crianças à Sociedade em festa.
À tarde teve lugar a largada de
centenas de pombos correios, gentilmente cedidos para esse fim pela Sociedade
Columbófila Figueirense e pela nova agremiação Associação dos Columbófilos
Figueirenses.
Cêrca das 16 horas chegou a tuna do
Grupo Instrução e Recreio, de Quiaios, que foi dar o seu generoso concurso às
festas, as quais começaram pouco depois.
A casa regorgitava. Tudo cheio.
Entusiasmo, alegria. Sobe o pano. A orquestra executa o hino, ouvido em
silêncio e aplaudido com grande entusiasmo.
Está na mesa da presidência o
presidente da assembleia geral, sr. João Gaspar de Lemos Amorim, que convida
para presidir àquela sessão o sr. dr. Manuel Gomes Cruz. A assistência dispensa
ao distinto advogado uma prolongada salva de palmas, que o sr. dr. Cruz
agradeceu, convidando para secretariar os srs. Manuel Maria Santiago e Afonso
Henriques.
O sr. presidente lastima que não esteja
presente, por falta de saúde, o prestimoso elemento da Sociedade, o
impulsionador incansável dos seus triunfos artísticos, - José da Silva Ribeiro,
coração generoso que tanto tem trabalhado por aquela obra de educação que é a
Sociedade de Instrução Tavaredense, e comunica que vai ser prestada uma justa
homenagem a um outro trabalhador – convidando a menina Lucília de Almeida a
descerrar o retrato que está coberto pela velha bandeira da Sociedade. Fez-se
silêncio, e aparece o retrato de Jaime da Silva Broeiro. Uma enorme salva de
palmas remata o acto solene do descerramento.
Jaime Broeiro, de lágrimas nos olhos,
não esconde a sua surpresa e a sua comoção. E o sr. dr. Manuel Cruz dispensou,
a seguir, palavras de carinho e de admiração ao homenageado.
Lembra que aquele soldado defensor da
Sociedade está no seu pôsto, sem um único ressentimento nem desfalecimento,
desde a fundação da Sociedade. Fôra nomeado, na última assembleia geral, sócio
honorário, descerra-se no momento festivo, o seu retrato. Era a consagração, o
prémio ao trabalho, à devoção. Aquela homenagem tinha além dessa significação,
o exemplo às gerações vindouras que veriam, sempre que houvesse motivo para
isso, o preito de reconhecimento da colectividade.
Nova salva de palmas coroou as palavras
de justiça do sr. presidente, sendo o homenageado muito abraçado. Começando a
ler o numeroso expediente de felicitações, e sendo dada posse aos novos corpos
gerentes, usa da palavra a seguir o sr. dr. José Cruz.
O paladino da educação e da instrução,
orador que põe nos seus discursos um forte cunho de sinceridade, teceu um
primoroso hino aos triunfos da Sociedade de Instrução Tavaredense. A mágua que
tinha era de não estar nesta festa o grande pau de fileira que é José Ribeiro,
a alma da Sociedade. Falou dos seus benefícios, apontando-os, como títulos de
glória, aos seus patrícios e incitando à frequência da Associação, para melhor
aperfeiçoamento dos caracteres. Admirou a acção, a união, e a disciplina, -
base em que devem assentar os alicerces que tornam grandes as pequenas obras,
que têm sido o guia orientador daquela prestimosa e benemérita agremiação.
Terminando o seu primoroso discurso com palavras de fé nos destinos e triunfos
da Sociedade.
Uma quente ovação abafou as últimas
palavras do distinto orador, usando a seguir da palavra o inteligente académico
sr. dr. Manuel Lontro Mariano, que começou por associar o entusiasmo da sua
mocidade à significativa festa em que eram comemorados 27 anos de vida, que bem
podia dizer-se serem 27 anos de intensa luta. Referiu-se, com elevação, aos
largos benefícios que trazem às povoações, colectividades que se impõem pela
generosidade dos seus programas e pela elevação da sua obra de beleza, em cujo
número, com justiça, tem de se contar com a simpática Sociedade de Instrução
Tavaredense, rematando o seu fluente discurso com palavras de incitamento e
continuidade por tão interessante e proveitosa obra. Nova salva de palmas reboa
pela sala, a aplaudir êste discurso, usando, a seguir, da palavra, o distinto
professor Rui Fernandes Martins.
Começa o orador, já tão conhecido das
festas da nossa colectividade, a falar daquela festa, a qual não pode deixar de
impressionar o seu espírito sempre ávido por aqueles momentos festivos e
solenes, que são quási sempre o prémio justíssimo às virtudes daqueles que se
entregam a elas, corajosamente, patrioticamente. E redobra de entusiasmo,
cresce de vigor, ao evocar a obra educativa da Sociedade, tecendo
inteligentemente, sôbre o delicado e transcendente assunto, um formoso
discurso.
Nova e estrondosa ovação se faz ouvir,
premiando a valiosa oração de Rui Martins.
Novamente o sr. presidente usou da
palavra, querendo, antes de encerrar a sessão, dirigir as suas saudações a
todos quantos cooperaram em tão brilhante festa, tendo palavras de fé no futuro
e engrandecimento da patriótica Sociedade.
A orquestra tocou o hino; soaram mais
palmas, vivas, hurras, - e encerrava-se a sessão.
À noite realizou-se o baile de gala,
que terminou na madrugada de segunda-feira, tendo-se notado sempre o mesmo
entusiasmo.
Ao fecharmos esta notícia não queremos
fazê-lo sem mais uma vez felicitarmos calorosamente a Sociedade de Instrução
Tavaredense, agradecendo a gentileza do convite para as suas brilhantes festas.
Ao nosso amigo José da Silva Ribeiro,
que não assistiu aos festejos por estar doente, foram dirigidas palavras de
muita amizade e admiração por parte de todos os oradores.
Foi nomeado sócio honorário da mesma
colectividade, proposta que foi aprovada com uma grande manifestação de carinho
e respeito, o grande benfeitor, sr. Joaquim Felisberto da Cunha Soto Maior.
Como referimos o último espectáculo
levado a efeito na sede do Grupo Musical, em 1930, foi na noite de Natal e a
última notícia encontrada sobre a actividade desta colectividade, foi em 14 de
Fevereiro de 1931 com as comédias A
propósito, Casar para morrer e A hospedaria infernal. E em Abril
seguinte, ainda houve uma saída a Maiorca, onde foi representado o programa Os dois nénés, Casar para morrer e A herança
do 103.
Violinda Medina e Severo Biscaia em 'O Rei da Lã'
Após a
realização de uma matinée dançante, no dia 7 de Fevereiro, abrilhantada por uma magnífica orquestra Jazz-Band, e daquela ida a
Maiorca, todas as notícias encontradas passam a referir-se à nova sede, no Paço
de Tavarede. E registamos que a amadora Violinda Medina, aceitando um convite
formulado pelo Ginásio Figueirense, de que seu marido era grande adepto, foi
colaborar com o seu grupo dramático, protagonizando ali duas operetas, O segredo da Aurora e O Rei da Lã.
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