sábado, 26 de outubro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 46

Reconhecemos, à distância, que tal polémica não teve qualquer razão de existir. Foi o amor ao teatro que venceu. Não se sentindo bem na nova associação, talvez mesmo augurando-lhe um futuro muito efémero, escolheram o teatro do Terreiro onde todos tinham a consciência de que, com a sua colaboração, ganhava o teatro tavaredense. Ali iriam encontrar o tal ensaiador de ‘largos conhecimentos’, que muito influiu na sua actividade, triunfante durante tantas décadas. Esqueçamos, pois, tais polémicas e continuemos com o associativismo tavaredense.
         Em Novembro de 1931, o grupo teatral da Sociedade representou Os fidalgos da Casa Mourisca, uma adaptação do conhecido e popular romance de Júlio Dinis. Obteve um êxito fora do vulgar a representação da peça extraída do belo romance de Júlio Deniz, Os Fidalgos da Casa Mourisca. A escolha foi acertada, pois a peça está perfeitamente dentro do critério seguido pela Sociedade de Instrução Tavaredense, que só faz representar no seu teatro obras que contenham lição moral e educativa. É o caso dos Fidalgos: todos os seus actos são límpidos, sem a mancha dum só duplo sentido; nêles se exaltam as mais belas qualidades da alma, de faz a apologia do teatro como título de verdadeira nobreza, se combatem os privilégios de casta e defendem os principios liberais, com desgosto do egresso Frei Januário que em tôdas as manifestações de progresso moral e material vê a mão da Maçonaria. Magnífica lição que a Sociedade de
Instrução proporciona aos seus associados através dum divertimento espiritual de pouco mais de três horas!


            Os fidalgos da Casa Mourisca – Manuel Nogueira, António Graça e Violinda Medina

O desempenho, considerado como de amadores, é excelente, primoroso nalguns passos. Os papéis femininos foram entregues a três distintas amadoras: Violinda Medina e Silva, Emília Monteiro e Maria Teresa de Oliveira, que se houveram brilhantemente. Violinda fez a Baronesa de Souto Real com a vivacidade própria, sendo admiráveis a forma e as expressões irónicas nos diálogos com o padre. Muito bem! Emília Monteiro foi uma Berta delicada como no-la mostrou Júlio Deniz; algumas cenas com o orgulhoso D. Luís foram cheias de comoção, dominando o espectador. Maria Teresa interpretou a rude e bondosa Ana do Vedor de maneira que confirmou as suas qualidades já reveladas noutros papéis: é uma excelente característica. Nos papéis masculinos merece referência especial António Graça que fez o Frei Januário brilhantemente, entusiasmando as pessoas que conhecem e sabem apreciar teatro; foi sóbrio, correcto, sem caír em exagêros e ao mesmo tempo sem deixar perder um efeito, sabendo falar e sabendo ouvir admiravelmente. É um bom trabalho, do melhor que lhe temos visto fazer. António e Jaime Broeiro imterpretaram respectivamente o D. Luís – orgulhoso dos seus pergaminhos, fechado no seu espírito reaccionário e a final vencido pela ternura e dedicação dos corações que o cercam – e o Tomé da Póvoa, o homem do povo sempre leal, símbolo do trabalho e da honra. Fizeram-nos pondo à prova em papéis de tanta responsabilidade os seus recursos de bons amadores. Nos filhos do velho fidalgo vimos João Cascão (Maurício), exuberante onde era preciso, irreflectido, uma criança grande em quem a bondade faz esquecer os disparates que pratica, e Manuel Nogueira (Jorge), sereno e grave, reflectido na sua pouca idade e sabendo sacrificar as aspirações do coração ao que êle considera o seu dever de filho. Cascão é um amador seguro, articulando primorosamente, sem deixar perder uma palavra mesmo quando a situação exige uma dição precipitada. Manuel Nogueira merece um elogio especial pelo muito que conseguiu fazer, entrando e vencendo quási sempre as dificuldades do papel. Interpretava pela primeira vez uma personagem daquele género, e nunca lhe coubera outro de tanta responsabilidade. Vimo-lo com prazer aproveitando o máximo e correspondendo a quanto dêle era legítimo exigir. Figura simpática e distinta sem afectação, voz bem timbrada, deu-nos um Jorge como o viram quantos leram o romance. Nos fidalgos do Cruzeiro, A Santos e F Carvalho; João Nogueira no filho de Ana do Vedor; J Vigário e J Gaspar, em papéis de menor responsabilidade, todos ocuparam o devido lugar e fizeram um bom conjunto.
         Claro que houve hesitações, já atenuadas na segunda representação, e há ainda falhas; mas seria difícil que as não houvesse em amadores numa peça desta envergadura.
         A Sociedade de Instrução não poupou esforços e despesas para apresentar convenientemente esta formosa peça, e consegui-o, embora dispendendo importante quantia em guarda-roupa, cenários, etc.
         Felicitamo-la pelo êxito artístico alcançado e felicitamos o excelente grupo de amadores que tão brilhantemente se houve.

         E foi com esta peça que deram, tempo depois, um espectáculo em benefício dos cofres do Grupo Musical que, em Assembleia Geral de Outubro de 1932, exarou, na respectiva acta, um voto de reconhecimento pelo auxílio prestado. Foi, aliás, esta última a acta encontrada até 1936, não se encontrando também as actas da Direcção, em igual período.

         Para comemorar o 28º aniversário da sua fundação, a Sociedade, entre outros actos solenes, realizou um espectáculo de gala. Abriu a récita com a encantadora peça em 1 acto As Três Gerações, original do ilustre dramaturgo dr. Ramada Curto, que gentilmente autorizara a Sociedade de Instrução a representar esta sua obra. A peça tem três papéis – A Avó (Maria Teresa de Oliveira), A Filha (Violinda Medina e Silva) e A Neta (Guilhermina de Oliveira) – todos de grande responsabilidade. Carolina de Oliveira marcou bem a criada. O desempenho deixou a assistência admiravelmente impressionada. As palmas foram vibrantes e sucessivas ovações fizeram subiu o pano repetidas vezes. Foram notados os primores da montagem e o rigor das toilettes. Um acto de verdadeira arte, emfim.
         A 2ª parte foi constituída por um acto de recitativos, no qual tomaram parte os amadores: António Broeiro, Manuel Nogueira, Maria Teresa de Oliveira, António Santos, Emília Monteiro, João Cascão, Guilhermina Oliveira, Jaime Broeiro e António Graça, que disseram versos de autores portugueses e brasileiros, sendo todos justamente aplaudidos.

         E a récita fechou com a opereta A Herança do 103, desempenhada por Violinda Medina e Silva, José Silva, Manuel Nogueira e Pedro Medina. O desempenho fez rir os espectadores, que aplaudiram calorosamente os intérpretes. Foi especialmente notada a excelente voz de Violinda, que cantou primorosamente a sua parte, e em especial o dueto em que brilhou com Manuel Nogueira e que foi aplaudido com raro entusiasmo. Para o brilho do espectáculo contribuiu a excelente orquestra, sob a direcção do distinto amador sr. António Simões. Transcrevemos este retalho porque contém uma informação bastante curiosa: a opereta A herança do 103 foi representada precisamente pelos mesmos amadores que a haviam representado anteriormente no Grupo Musical.

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