Nesse
ano de 1932, as costumadas danças populares, tiveram a organização conjunta da
Sociedade e do Grupo, num pavilhão montado no Largo do Paço (alguma imprensa
diz que este largo havia sido alcunhado de Largo da Liberdade) e abrilhantadas
pela tuna do Grupo.
O Grémio, cumprindo o programa cultural
delineado, iniciou uma série de conferências, todas elas de índole religiosa. A
Sociedade continuou com as suas deslocações, nomeadamente à Figueira e a
Buarcos. A propósito da representação da peça Os fidalgos da Casa Mourisca, em Buarcos, colhemos este apontamento
publicado num jornal de Coimbra, e da autoria de um destacado amador daquela
cidade e autor de diversas peças teatrais. À
noite, espectáculo no Peninsular por um grupo de bons artistas e récita no
teatro de Buarcos pelo excelente grupo cénico de Tavarede, que representou o
drama “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, uma das mais bonitas peças extraídas da
obra de Júlio Deniz. Mais uma vez fiquei assombrado com o desempenho dado a uma
peça cheia de dificuldades por gente modesta, sem cultura dramática. Por vezes
me esqueci e julguei estar vendo representar autênticos profissionais e não
gente duma simpática aldeia, em geral operários. O grupo das mulheres possui
competências que não se discutem.
Começaram, também, os preparativos para
a abertura da nova época teatral. A Sociedade iniciou os ensaios da peça Canção do Berço e no Grémio preparou-se
uma
Canção do Berço
opereta
infantil, Filhas de Eva. Foi mais um
período de muito difícil apreciação e inclusão nestes apontamentos. Enquanto um
jornal figueirense, afecto à Sociedade, anunciava a actividade da colectividade
e elogiava a montagem e interpretação das peças representadas, dois outros
periódicos preocupavam-se mais em atacar tanto a Sociedade como o Grupo,
criticando, em termos bastante agrestes, todos os oradores que nestas usavam da
palavra no diversos actos solenes, chegando ao ponto de usarem termos e
expressões pouco decentes, referindo-se a pessoas que ainda conhecemos
pessoalmente e que muito se destacaram na vida social e cultural local.
Da sessão solene do aniversário da
Sociedade, em Janeiro de 1933, não podemos deixar de transcrever este apontamento: Uma outra homenagem ia ser prestada naquela sessão solene, que tão
imponentemente estava decorrendo. O sr. presidente convida o director da secção
dramática, sr. José Ribeiro, a descerrar a fotografia que está coberta pelo
velho estandarte da Sociedade de Instrução Tavaredense. Há um momento de
ansiosa curiosidade, que se transforma numa verdadeira apoteose: aparece o
retrato do venerando cidadão e grande benemérito sr. Joaquim Felisberto
Soto-Maior. A tuna do Grupo Musical, que a esta sessão memorável deu
colaboração brilhante, executa o hino da Sociedade, e a assistência ergue-se e,
de pé, manifesta a sua admiração e o seu respeito ao homenageado com uma
calorosa, carinhosíssima e prolongada ovação. O sr. presidente traça o perfil
moral do sr. Joaquim Soto-Maior, mostrando como a bondade da sua alma e as suas
virtudes cívicas souberam conquistar a veneração de todo o povo do concelho da
Figueira. O nome de Joaquim Soto-Maior está inscrito a ouro na história das
instituições de beneficência e de instrução que tem auxiliado, como está
indelevelmente gravado no coração de tantos e tantos infelizes que lhe devem
socôrro inesquecível. Se todos os homens que possuem fortuna tomassem como
exemplo a vida dêste benemérito, nenhum pobre teria palavras de maldição para
os ricos. À Sociedade de Instrução Tavaredense dirige felicitações pela
homenagem que acaba de prestar e que é uma bela prova do sentimento de
gratidão.
Seguindo o critério idealizado, vamos
transcrever um extracto de um dos discursos proferidos na sessão solene
comemorativa do primeiro aniversário do Grémio Educativo. A obra que fundámos hà um ano surgiu no momento oportuno. Não veio com
intuitos belicosos. Não apareceu com o estreito proposito de hostilizar
ninguem. No campo dos ideais somos intransigentes. Senhores da Verdade,
defendemo-la com entusiasmo, com sinceridade e elevação. Aqui dentro - convém
proclamá-lo bem alto - nunca se fizeram nem farão ataques pessoais. No dia em
que tal sucedesse ficaria vago o meu modesto lugar.
Nesta colectividade há pensadores, bons
ou maus, nunca arruaceiros. O Gremio Educativo toma chá em vez de carrascão... Completa
hoje um ano de labuta o nosso Gremio. É uma criança - dirão alguns. Talvez. Mas
uma criança inteligente, educada, uma criança prodigio que não diz nomes feios,
não precisa de cueiros, nem mete os dedos no nariz... Sabe o que quere e para
onde vai.
Há na sua vida um ponto de semelhança
com a vida do Mestre. Tambem ele foi perseguido nos seus primeiros tempos por
certos herodes que tiveram a pretensão de o exterminar. Tambem alguns fariseus
ergueram a voz contra a sua obra reconstituida, contra a sua obra edificadora.
Ao Gremio que tivera nascimento com assistencia eclesiastica, houve quem
vaticinasse um enterro civil.
Tudo passou, porem. E cá estamos a
festejar o primeiro passo - o mais dificil na vida das colectividades. O que
fizemos durante um ano ocioso seria relembrá-lo. Fizemos muito? Fizemos pouco? Trabalhámos.
No campo social alguma coisa
conseguimos. O Gremio Educativo nasceu duma necessidade urgentissima. Á sua
fundação presidiu um nobre e alevantado ideal - a educação e a instrução do povo,
a reconquista das almas para Deus.
Deve entender-se por educação como
dizia Bonald: tudo o que serve para formar bons costumes; e por instrução o que
traz e acrescenta conhecimentos. A instrução forma sabios, a educação forma
homens. Se importa muito instruir, importa ainda mais educar. Isto é
fundamental.
Evidentemente, que será sempre util
derramar pelo povo os beneficios da instrução; mas não se faça dela a razão da
felecidade humana. Saber ler é excelente, mas não basta. É indispensável
ministrar tambem ao povo uma boa e solida educação, baseada na moral cristã - a
melhor que até hoje se conhece. É necessario incutir Jesus nas almas. Alem da
disciplina material, aquela que regula os corpos, existe a disciplina moral que
exerce acção sobre o espirito.
Se o problema não foi assim resolvido,
acontece o que por aí se verifica: as cadeias a abarrotar de letrados, os
tribunais a condenar constantemente homens cultos e até bachareis. Aquela
utopia de Vitor Hugo: abrir uma escola é fechar uma cadeia, há muito que vem
sendo desmentida. A instrução espalha-se activamente; todos os dias se abrem
novas escolas - e as cadeias estão cada vez mais povoadas. Os grandes
criminosos, os grandes bandidos, os grandes burlões dos nossos dias, não os
recruta o crime, infelizmente, na legião dos analfabetos.
O “saber”, disse há cerca de um ano o
mais lido dos nossos prosadores contemporaneos - o sr. dr. Antero de Figueiredo
- “é uma chave preciosa que abre muitas portas. E eu desejo que “ela” abra as
portas da beleza, do amor e da bondade”.
Não são eles, os homens que não sabem
ler, os culpados dos conflitos que pelo mundo se desencadeiam, dos ódios e dos
interesses que agitam as nações. São os tais letrados, os tais a que chamam
vulgarmente homens de saber.
José
Maria de Carvalho
Transitado
ndo Grupo Musical
Enquanto os analfabetos trabalham na
lavoura, nas industrias, fomentando a riqueza nacional, homens cultos há que se
entregam ao criminoso mister de fabricar bombas e engenhos de morte para
esfacelar a humanidade. Um bombista pode ser muito sabio mas é sempre um
elemento perigoso para a sociedade. Que prova isto?
Que a instrução por si só não basta.
Que o a b c é insuficiente. Que, finalmente, a Educação vale mais do que a
instrução.
Há quem responda que a educação
consiste nisto de andar a distribuir chapeladas a torto e a direito, em
cortesias e salamaleques, como os cavalos nas touradas.
Puro engano! Está longe da verdade quem
assim raciocina.
A educação não é apenas a aparencia
exterior, aquele verniz aparatoso que distingue as pessoas de fino trato! A
educação verdadeira, é uma autentica revolução contra os vicios da natureza
humana, uma reacção poderosa contra os maus instintos, dominando-os. É por
isto, é só por isto, que somos reaccionarios. Educação é sinónimo de
aperfeiçoamento.
Foi para trabalhar neste campo que o
Gremio surgiu. Foi para educar, na rigorosa acepção da palavra.
Após
algumas representações com uma nova peça, A morgadinha dos Canaviais, também
extraída do popular romance de Júlio Diniz, fizeram nova deslocação a Tomar. A notícia de que pessoas amigas da Figueira
e Tavarede veio de visita à nossa cidade, põe logo em alvorôço a população
tomarense. Francamente, são tantos os motivos a que pode atribuir-se tal facto,
que nos sentimos embaraçados para escolhermos um. Lembro-me de que seja a
estada de muitos tomarenses naquela linda praia, nos meses de Agôsto e
Setembro, onde são amavelmente recebidos e gozam uns momentos de felicidade,
que para isto influa. Lembro-me daquele passeio nocturno à porta dos cafés
Europa e Espanhol, onde portuguesas gaiatas, de braço dado com muchachas mui
gentis, espalham alegria por tôda a parte num desejo bem justificado de gozarem
o que a vida tem de belo e bom, e penso que talvez seja êste quadro cheio de
luz e côr, que nos leva a receber bem o povo figueirense – tavaredense, um
pouco convencidos de que nos traga aquilo que os nossos olhos embevecidos
tiveram ocasião de observar na sua terra... Lembro-me que suponham os nossos
visitantes da beira-mar portadores da sua encantadora Serra da Boa-Viagem, do
seu Cabo Mondego, do seu pequeno jardim. Do espírito do seu egrégio Fernandes
Tomaz ou do seu inigualável Casino Peninsular. Lembro-me que seja a leitura
Violinda Medina e
Silva - A morgadinha dos Canaviais
dum jornal
figueirense aqui mui lido e orientado por uma pessoa que... não podemos dizer,
que nos façam ver em cada figueirense ou tavaredense um amigo que temos
obrigação de receber bem. Emfim, depois de muito pensar reconheço que é por
tudo isto e mais ainda: a vinda pela primeira vez, em 1930, da Sociedade de
Instrução Tavaredense, que originou as boas relações que existem entre Tomar –
Figueira. Se as simpatias conquistadas por tão benemérita colectividade já eram
grandes, muito maiores ficaram sendo quando o ano passado, num rasgo de
gentileza para com a nossa terra, aqui veio dar duas récitas com “Os Fidalgos
da Casa Mourisca” e “As Pupilas do Sr. Reitor”, em benefício da Sopa dos
Pobres, cuja inauguração, por coincidência curiosa, se realizou no passado
domingo, como noutro lugar noticiamos.
Em face de todos estes factos, a vinda
da Sociedade de Instrução Tavaredense constituíu o grande acontecimento de
domingo e segunda-feira na nossa cidade.
No domingo, na estação do caminho de
ferro, à chegada do combóio das 18 horas, eram os nossos visitantes aguardados
por muito povo e numerosos amigos, que lhes dispensaram uma carinhosa recepção.
As duas brilhantes récitas no nosso
teatro foram motivo de justiceiros comentários, sendo unânimes os elogios pela
maneira cuidadosa como tôdas as peças foram postas em cena. O desempenho e o
entrecho das “Três Gerações”, “Morgadinha dos Canaviais”, “Canção do Berço” e
da linda opereta “O 66”
agradaram plenamente, não escondendo a numerosa assistência a sua preferência
pelas duas primeiras, que de bom grado tornaria a ver. Todos os intérpretes dos
magníficos espectáculos foram calorosamente aplaudidos, tendo havido chamadas
especiais com muitas flores à mistura. O público encheu o teatro no primeiro
dia, e na segunda esgotou-se a lotação, sendo grande o número de pessoas que
não conseguiram obter bilhete.
Foram duas noites de festa que deixaram
as recordações mais agradáveis, devendo os tavaredenses levado da nossa terra
as melhores impressões e a certeza absoluta de que os tomarenses teriam prazer
em vê-los aqui no próximo ano numa viagem oficial, trazendo-nos também o que de
representativo tem a linda praia da Figueira.
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