sábado, 16 de novembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 49

           Nesse ano de 1932, as costumadas danças populares, tiveram a organização conjunta da Sociedade e do Grupo, num pavilhão montado no Largo do Paço (alguma imprensa diz que este largo havia sido alcunhado de Largo da Liberdade) e abrilhantadas pela tuna do Grupo.

         O Grémio, cumprindo o programa cultural delineado, iniciou uma série de conferências, todas elas de índole religiosa. A Sociedade continuou com as suas deslocações, nomeadamente à Figueira e a Buarcos. A propósito da representação da peça Os fidalgos da Casa Mourisca, em Buarcos, colhemos este apontamento publicado num jornal de Coimbra, e da autoria de um destacado amador daquela cidade e autor de diversas peças teatrais. À noite, espectáculo no Peninsular por um grupo de bons artistas e récita no teatro de Buarcos pelo excelente grupo cénico de Tavarede, que representou o drama “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, uma das mais bonitas peças extraídas da obra de Júlio Deniz. Mais uma vez fiquei assombrado com o desempenho dado a uma peça cheia de dificuldades por gente modesta, sem cultura dramática. Por vezes me esqueci e julguei estar vendo representar autênticos profissionais e não gente duma simpática aldeia, em geral operários. O grupo das mulheres possui competências que não se discutem.

         Começaram, também, os preparativos para a abertura da nova época teatral. A Sociedade iniciou os ensaios da peça Canção do Berço e no Grémio preparou-se uma



Canção do Berço

opereta infantil, Filhas de Eva. Foi mais um período de muito difícil apreciação e inclusão nestes apontamentos. Enquanto um jornal figueirense, afecto à Sociedade, anunciava a actividade da colectividade e elogiava a montagem e interpretação das peças representadas, dois outros periódicos preocupavam-se mais em atacar tanto a Sociedade como o Grupo, criticando, em termos bastante agrestes, todos os oradores que nestas usavam da palavra no diversos actos solenes, chegando ao ponto de usarem termos e expressões pouco decentes, referindo-se a pessoas que ainda conhecemos pessoalmente e que muito se destacaram na vida social e cultural local.

         Da sessão solene do aniversário da Sociedade, em Janeiro de 1933, não podemos deixar de transcrever  este apontamento: Uma outra homenagem ia ser prestada naquela sessão solene, que tão imponentemente estava decorrendo. O sr. presidente convida o director da secção dramática, sr. José Ribeiro, a descerrar a fotografia que está coberta pelo velho estandarte da Sociedade de Instrução Tavaredense. Há um momento de ansiosa curiosidade, que se transforma numa verdadeira apoteose: aparece o retrato do venerando cidadão e grande benemérito sr. Joaquim Felisberto Soto-Maior. A tuna do Grupo Musical, que a esta sessão memorável deu colaboração brilhante, executa o hino da Sociedade, e a assistência ergue-se e, de pé, manifesta a sua admiração e o seu respeito ao homenageado com uma calorosa, carinhosíssima e prolongada ovação. O sr. presidente traça o perfil moral do sr. Joaquim Soto-Maior, mostrando como a bondade da sua alma e as suas virtudes cívicas souberam conquistar a veneração de todo o povo do concelho da Figueira. O nome de Joaquim Soto-Maior está inscrito a ouro na história das instituições de beneficência e de instrução que tem auxiliado, como está indelevelmente gravado no coração de tantos e tantos infelizes que lhe devem socôrro inesquecível. Se todos os homens que possuem fortuna tomassem como exemplo a vida dêste benemérito, nenhum pobre teria palavras de maldição para os ricos. À Sociedade de Instrução Tavaredense dirige felicitações pela homenagem que acaba de prestar e que é uma bela prova do sentimento de gratidão.

         Seguindo o critério idealizado, vamos transcrever um extracto de um dos discursos proferidos na sessão solene comemorativa do primeiro aniversário do Grémio Educativo. A obra que fundámos hà um ano surgiu no momento oportuno. Não veio com intuitos belicosos. Não apareceu com o estreito proposito de hostilizar ninguem. No campo dos ideais somos intransigentes. Senhores da Verdade, defendemo-la com entusiasmo, com sinceridade e elevação. Aqui dentro - convém proclamá-lo bem alto - nunca se fizeram nem farão ataques pessoais. No dia em que tal sucedesse ficaria vago o meu modesto lugar.
         Nesta colectividade há pensadores, bons ou maus, nunca arruaceiros. O Gremio Educativo toma chá em vez de carrascão... Completa hoje um ano de labuta o nosso Gremio. É uma criança - dirão alguns. Talvez. Mas uma criança inteligente, educada, uma criança prodigio que não diz nomes feios, não precisa de cueiros, nem mete os dedos no nariz... Sabe o que quere e para onde vai.
         Há na sua vida um ponto de semelhança com a vida do Mestre. Tambem ele foi perseguido nos seus primeiros tempos por certos herodes que tiveram a pretensão de o exterminar. Tambem alguns fariseus ergueram a voz contra a sua obra reconstituida, contra a sua obra edificadora. Ao Gremio que tivera nascimento com assistencia eclesiastica, houve quem vaticinasse um enterro civil.
         Tudo passou, porem. E cá estamos a festejar o primeiro passo - o mais dificil na vida das colectividades. O que fizemos durante um ano ocioso seria relembrá-lo. Fizemos muito? Fizemos pouco? Trabalhámos.
         No campo social alguma coisa conseguimos. O Gremio Educativo nasceu duma necessidade urgentissima. Á sua fundação presidiu um nobre e alevantado ideal - a educação e a instrução do povo, a reconquista das almas para Deus.
         Deve entender-se por educação como dizia Bonald: tudo o que serve para formar bons costumes; e por instrução o que traz e acrescenta conhecimentos. A instrução forma sabios, a educação forma homens. Se importa muito instruir, importa ainda mais educar. Isto é fundamental.
         Evidentemente, que será sempre util derramar pelo povo os beneficios da instrução; mas não se faça dela a razão da felecidade humana. Saber ler é excelente, mas não basta. É indispensável ministrar tambem ao povo uma boa e solida educação, baseada na moral cristã - a melhor que até hoje se conhece. É necessario incutir Jesus nas almas. Alem da disciplina material, aquela que regula os corpos, existe a disciplina moral que exerce acção sobre o espirito.
         Se o problema não foi assim resolvido, acontece o que por aí se verifica: as cadeias a abarrotar de letrados, os tribunais a condenar constantemente homens cultos e até bachareis. Aquela utopia de Vitor Hugo: abrir uma escola é fechar uma cadeia, há muito que vem sendo desmentida. A instrução espalha-se activamente; todos os dias se abrem novas escolas - e as cadeias estão cada vez mais povoadas. Os grandes criminosos, os grandes bandidos, os grandes burlões dos nossos dias, não os recruta o crime, infelizmente, na legião dos analfabetos.
         O “saber”, disse há cerca de um ano o mais lido dos nossos prosadores contemporaneos - o sr. dr. Antero de Figueiredo - “é uma chave preciosa que abre muitas portas. E eu desejo que “ela” abra as portas da beleza, do amor e da bondade”.
         Não são eles, os homens que não sabem ler, os culpados dos conflitos que pelo mundo se desencadeiam, dos ódios e dos interesses que agitam as nações. São os tais letrados, os tais a que chamam vulgarmente homens de saber.  

  





José Maria de Carvalho
Transitado ndo Grupo Musical



         Enquanto os analfabetos trabalham na lavoura, nas industrias, fomentando a riqueza nacional, homens cultos há que se entregam ao criminoso mister de fabricar bombas e engenhos de morte para esfacelar a humanidade. Um bombista pode ser muito sabio mas é sempre um elemento perigoso para a sociedade. Que prova isto?
         Que a instrução por si só não basta. Que o a b c é insuficiente. Que, finalmente, a Educação vale mais do que a instrução.
         Há quem responda que a educação consiste nisto de andar a distribuir chapeladas a torto e a direito, em cortesias e salamaleques, como os cavalos nas touradas.
         Puro engano! Está longe da verdade quem assim raciocina.
         A educação não é apenas a aparencia exterior, aquele verniz aparatoso que distingue as pessoas de fino trato! A educação verdadeira, é uma autentica revolução contra os vicios da natureza humana, uma reacção poderosa contra os maus instintos, dominando-os. É por isto, é só por isto, que somos reaccionarios. Educação é sinónimo de aperfeiçoamento.
         Foi para trabalhar neste campo que o Gremio surgiu. Foi para educar, na rigorosa acepção da palavra.

Após algumas representações com uma nova peça, A morgadinha dos Canaviais, também extraída do popular romance de Júlio Diniz, fizeram nova deslocação a Tomar. A notícia de que pessoas amigas da Figueira e Tavarede veio de visita à nossa cidade, põe logo em alvorôço a população tomarense. Francamente, são tantos os motivos a que pode atribuir-se tal facto, que nos sentimos embaraçados para escolhermos um. Lembro-me de que seja a estada de muitos tomarenses naquela linda praia, nos meses de Agôsto e Setembro, onde são amavelmente recebidos e gozam uns momentos de felicidade, que para isto influa. Lembro-me daquele passeio nocturno à porta dos cafés Europa e Espanhol, onde portuguesas gaiatas, de braço dado com muchachas mui gentis, espalham alegria por tôda a parte num desejo bem justificado de gozarem o que a vida tem de belo e bom, e penso que talvez seja êste quadro cheio de luz e côr, que nos leva a receber bem o povo figueirense – tavaredense, um pouco convencidos de que nos traga aquilo que os nossos olhos embevecidos tiveram ocasião de observar na sua terra... Lembro-me que suponham os nossos visitantes da beira-mar portadores da sua encantadora Serra da Boa-Viagem, do seu Cabo Mondego, do seu pequeno jardim. Do espírito do seu egrégio Fernandes Tomaz ou do seu inigualável Casino Peninsular. Lembro-me que seja a leitura


Violinda Medina e Silva - A morgadinha dos Canaviais

dum jornal figueirense aqui mui lido e orientado por uma pessoa que... não podemos dizer, que nos façam ver em cada figueirense ou tavaredense um amigo que temos obrigação de receber bem. Emfim, depois de muito pensar reconheço que é por tudo isto e mais ainda: a vinda pela primeira vez, em 1930, da Sociedade de Instrução Tavaredense, que originou as boas relações que existem entre Tomar – Figueira. Se as simpatias conquistadas por tão benemérita colectividade já eram grandes, muito maiores ficaram sendo quando o ano passado, num rasgo de gentileza para com a nossa terra, aqui veio dar duas récitas com “Os Fidalgos da Casa Mourisca” e “As Pupilas do Sr. Reitor”, em benefício da Sopa dos Pobres, cuja inauguração, por coincidência curiosa, se realizou no passado domingo, como noutro lugar noticiamos.
         Em face de todos estes factos, a vinda da Sociedade de Instrução Tavaredense constituíu o grande acontecimento de domingo e segunda-feira na nossa cidade.
         No domingo, na estação do caminho de ferro, à chegada do combóio das 18 horas, eram os nossos visitantes aguardados por muito povo e numerosos amigos, que lhes dispensaram uma carinhosa recepção.
         As duas brilhantes récitas no nosso teatro foram motivo de justiceiros comentários, sendo unânimes os elogios pela maneira cuidadosa como tôdas as peças foram postas em cena. O desempenho e o entrecho das “Três Gerações”, “Morgadinha dos Canaviais”, “Canção do Berço” e da linda opereta “O 66” agradaram plenamente, não escondendo a numerosa assistência a sua preferência pelas duas primeiras, que de bom grado tornaria a ver. Todos os intérpretes dos magníficos espectáculos foram calorosamente aplaudidos, tendo havido chamadas especiais com muitas flores à mistura. O público encheu o teatro no primeiro dia, e na segunda esgotou-se a lotação, sendo grande o número de pessoas que não conseguiram obter bilhete.

         Foram duas noites de festa que deixaram as recordações mais agradáveis, devendo os tavaredenses levado da nossa terra as melhores impressões e a certeza absoluta de que os tomarenses teriam prazer em vê-los aqui no próximo ano numa viagem oficial, trazendo-nos também o que de representativo tem a linda praia da Figueira.

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