E, logo a seguir, este grupo cénico teve
a sua primeira deslocação a Coimbra. Acabou
a hora adiantada o sarau levado a efeito no Teatro Avenida pelo Grémio dos
Empregados no Comércio e Indústria e que fazia parte do programa das festas das
“bodas-de-oiro” daquela associação de socorros mútuos. Por esse motivo, só hoje
nos é possível referirmo-nos a esse sarau, em que colaboraram o grupo dramático
da Sociedade de Instrução Tavaredense e o Orfeão da Escola Industrial e
Comercial de Brotero.
Sob a regência de Raposo Marques, este
grupo coral deu início à festa, fazendo-se ouvir em algumas partituras que
arrancaram faros aplausos do público. Este orfeão é, sem dúvida, um notável
agrupamento, que se impõe pelo conjunto de vozes bem timbradas e bem ensaiadas.
Raposo Marques, em poucozs meses, conseguiu pôr algumas dezenas de raparigas e
rapazes a cantar, - e a cantar bem.
O grupo dramático da Sociedade de
Instrução Tavaredense foi apresentado, depois, pelo sr. Dr. Joaquim de
Carvalho, ilustre Professor da Faculdade de Letras, que pronunciou o seguinte
discurso:
“Sou conterrâneo dos amadores qaue ider
ver representar. Esta circunstância explica o convite honroso que a direcção do
Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria me fez para vios roubar uns
breves instantes, mas se me decidi a quebrar hábitos e propósitos ferozmente
defendidos não foi apenas por ter ouvido a voz da terra, que nos foi comum na
infância.
Não. O espectáculo de hoje, todos o
sabem, tem um fim beneficente e de solidariedade, coisa rara nos tempos de
egoísmo, e se este fim o torna digno, há nele outras coisas que o tornam admirável.
E essas coisas, senhoras e senhores, são os elementos que o compõem. Vós
acabais de ouvir o Orfeão da Escola Comercial e Industrial de “Brotero” – quer
dizer o sortilégio de arrancar a disciplina e a harmonia à turbulência e aos
berros de umas dezenas de rapazes e de raparigas. Se extrair de uma massa
irrequieta de escolares um corpo organisado conscienciosamente obediente, como
fez o dr. Raposo Marques, é coisa admirável e louvável, que dizer do esforço de
José Ribeiro, descobrindo na rusticidade de modestos aldeões o sentido das
coisas belas?
Eu não venho prolongar, à maneira
antiga, a representação a que vamos assistir, nem tão pouco apresentar o grupo
cénico da Sociedade de Instru.ção Tavaredense. Como vós, sou espectador, mas um
espectador que quere inclinar-se com admiração e simpatia perante o esforço de
ujm homem.
Para aqueles que sentem no seu sangue a
voz humilde de gerações de aldeões e de menestréis e conquistaram por si o que
se chama uma posição elevada, e por vezes de comando social, surge
frequentemente um drama de consciência: como servir com fidelidade e dignidade
o povo donde saímos e ao qual nos zsentimos ligados quando mais não seja pelo
convívio familiar?
Não é este o momento de vos dizer a
resposta que dou ao grave caso de consciência, mas é o momento de afirmar que
reconheço em José Ribeiro
um companheiro de sentimentos e de propósitos. No nosso tempo de superstição de
diplomas, José Ribeiro, sem curso, pelo seu esforço e talentos pessoais,
elevou-se do manejo da profissão gráfica às responsabilidades morais e
intelectuais de jornalista, que dum jornal local se faz por vezes ouvir em todo
o país; mas se isto é já singular, muito mais raro e admirável, é a obra de
instrução, de educação artística e de benemerência social que realisou com os
nossos modestos conterrâneos.
Numa época em que o culto absorvente
dos exercícios físicos de destreza e força parece desterrar o amor da arte, não
é porventura extraordinário que este homem, em vez de organizar um clube de
foot-ball, o que lhe seria fácil e até rendoso, realise o milagre de despertar
umas tantas vocações e de as disciplinar num sentido artístico?
Ele é crítico teatral; ele é autor
dramático, ele é ensaiador cénico, e atravez da multiplicidade de tantas
aptidões louvemos-lhe e aos seus companheiros o entusiasmo com que arvoraram a
flama da educação artística popular ed a generosidade com que procedem. Eles
não mercadejam com a sua arte; colocam-na ao serviço dos fins desinteressados
da instrução popular e da solidariedade social.
Demasiadamente me alonguei já; mas não
quero terminar sem me congratular com o Grémio dos Empregados no Comércio e
Indústria de Coimbra pelos seus actuais propósitos mutualistas e de ter apelado
para o grupo dos meus conterrâneos, que ides ver representar. Para os actores
eu não vos peço minhas Senhoras e meus Senhores nem palmas, nem i ndulgências;
peço-vos apenas que compreendais o nobre esforço deste grupo e vos inclineis
perante o homem, felizmente moço, que soube despertar algumas das excelentes
aptidões para o culto da beleza e da bondade, que dormitam no nosso povo e só
aguardam a varinha do feiticeiro que as desencante”.
O grupo dramático representou, depois,
a peça em 5 actos “A Morgadinha dos Canaviais”, extraída do imortal romance de
Júlio Diniz. Todos os amadores se houveram de maneira a merecer fartos
aplausos, que o público, que enchia por completo a sala, não lhes regateou.
Trata-se, de facto, dum notável agrupamento artístico em que todos os
elementos, com rara boa-vontade e acerto, se desempenham dos seus papéis de
maneira a causar a melhor impressão e a merecer elogios.
O
Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria colocou fitas nas bandeiras do
Orfeão e do grupo dramático e vai elege-los seus sócios beneméritos.
Julgamos que ainda não referimos, que
todas as deslocações do grupo cénico da Sociedade, tinham o fim de dar
espectáculos em benefício de entidades de assistência. Na verdade, pode
afirmar-se que foram muitas as centenas de contos de reis, resultantes de tais
espectáculos e de que beneficiaram asilos, hospitais, etc.
O Grupo continuava com a sua tuna, a
qual era muito solicitada para animar, sobretudo, festas populares. O Grémio
Educativo, além de manter a sua escola em permanente actividade, procurou
continuar a fazer teatro, com adultos e crianças, embora com escassos
resultados.
Em Setembro de 1933, Tavarede e a
Sociedade de Instrução, receberam a visita de representantes do Grémio dos
Empregados no Comércio e Indústria, de Coimbra, que aqui vieram agradecer o
espectáculo dado em seu benefício e, ao mesmo tempo, para fazerem a entrega do
diploma de sócio benemérito. “À Sociedade
de Instrução Tavaredense:
Ao entregarmos hoje à vossa generosa
guarda o diploma de Sócio Benemérito do Grémio dos Empregados no Comércio e
Indústria de Coimbra move nos apenas o mais puro sentimento de gratidão. Vós
haveis conquistado os nossos corações de uma forma profunda e perdurável
colaborando desinteressadamente nas festas das nossas Bodas de Oiro, e ao mesmo
tempo vós haveis conseguido que Coimbra vibrasse unânimemente connosco nos
mesmos sentimentos de aplauso e reconhecimento.
Graças ao vosso glorioso grupo cénico,
ficou memorável a noite de 26 de Junho de 1933, na qual o público de Coimbra,
aplaudindo vibrantemente a primorosa representação de A Morgadinha dos
Canaviais, simultâneamente aplaudiu a vossa arte e a vossa benemerência. É um
eco desses aplausos e um testemunho da nossa gratidão que hoje vos oferece
O Grémio dos Empregados no Comércio e
Indústria de Coimbra.
Coimbra, 24 de Setembro de 1933” .
Terminada a leitura, foi erguido um
viva à Sociedade de Instrução Tavaredense, entusiasticamente secundado pelos
conimbricenses, e ao qual o presidente da Direcção da Sociedade de Instrução
Tavaredense, respondeu com um viva ao Grémio dos Empregados no Comércio e
Indústria de Coimbra, vibrantemente correspondido pelos tavaredenses. Então, o
presidente da Direcção do Grémio entregou ao presidente da Direcção da SIT o
diploma, devidamente emmoldurado, de Sócio Benemérito, e uma pasta que encerra
a mensagem. Esta pasta é um belo trabalho, com as capas cobertas de sêda
vermelha e azul, - as côres da Sociedade de Instrução – e interiormente forrada
de sêda verde e branca – as côres do Grémio. A meio da capa está cravada uma
artística placa de prata que tem gravado o emblema da SIT. A mensagem, escrita
em pergaminho, é um esplêndido trabalho caligráfico do secretário do Grémio,
sr. José Augusto de Andrade.
O sr. José Ribeiro, falando em nome da
Direcção e do grupo cénico, agradeceu a honra com que o G.E.C.I. de Coimbra tão
distintamente acaba de conquistar a gratidão dos tavaredenses.
Em seguida foi servido aos visitantes
pelas amadoras do grupo cénico um “Pôrto-de-Honra” oferecido pela Direcção da
Sociedade de Instrução Tavaredense, no qual se ergueram brindes de mútua
simpatia e gratidão. Em nome dos visitantes brindou o sr. Albertino Pereira de
Matos, que num discurso brilhante recordou a noite de representação em Coimbra
da Morgadinha dos Canaviais, afirmando que seria motivo de sincero prazer para
Coimbra a ida, de novo, àquela cidade do grupo tavaredense. Respondeu,
agradecendo, o sr. José Ribeiro.
Os nossos visitantes retiraram depois,
em automóveis, para a Figueira, donde regressaram a Coimbra.
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