Mais uma homenagem foi prestada pela Sociedade de Instrução.
Foi em Fevereiro de 1969. Realizou-se, no
último sábado, na Sociedade de Instrução Tavaredense a festa de homenagem a D. Maria
Teresa de Oliveira, uma das mais antigas e distintas amadoras, que há mais de
50 anos vem prestando a sua valiosa colaboração ao grupo cénico.
O espectáculo era dividido em três
partes, sendo a primeira constituida por Teatro Vicentino – “Quem Tem Farelos?”
e “Pranto de Maria Parda” e a segunda parte por quadros extraídos das
festejadas peças “Chá de Limonete” e “Terra do Limonete”, cujas representações
os sócios muito apreciam, não só pelos seus interessantes diálogos como ainda
por serem musicados.
A terceira parte foi exclusivamente
dedicada a Maria Teresa de Oliveira.
Festa encantadora, sensibilizante, das
melhores, pelo seu significado, a que nos tem sido dado assistir na prestante
colectividade da terra do limonete.
O Presidente da Direcção, em breves
palavras, disse das razões justificativas da homenagem, tecendo os maiores
encómios a Maria Teresa de Oliveira pela sua proverbial bondade, naturalidade e
firmeza com que, durante a sua longa vida de amadora teatral, soube interpretar
as muitas figuras que lhe eram distribuidas pelo seu competente e exigente
ensaiador, seu irmão sr. José da Silva Ribeiro.
A Senhora professora drª Cristina
Torres, congratulando-se com a feliz iniciativa da Direcção e de alguns amigos
e dedicados directores da SIT fez, em termos que muito sensibilizaram a
assistência, a apologia das excelsas virtudes de Maria Teresa de Oliveira e da
sua extraordinária dedicação ao Teatro,
A terminar, a assistência tributou à srª drª. Cristina Torres grande ovação. |
João
de Oliveira Junior leu a mensagem escrita em pergaminho, que foi entregue à
homenageada numa artística pasta executada pelo consócio e grande amigo da SIT,
sr. Sebastião Pimentel.
Ouviram-se,
então, as entusiásticas manifestações do público, enquanto a Maria Teresa de
Oliveira, comovida, recebia das mãos da engraçada menina Ana Maria Bernardes
Caetano, expressiva lembrança, oferta da comissão organizadora, e flores, muitas
flores, das meninas e amadoras que a rodeavam. De notar os lindos ramos de
cravos que lhe foram entregues, um da comissão, e outro, do grande amigo da
colectividade, sr. Alberto Anahory, que propositadamente se deslocou de Lisboa
para se associar à justíssima homenagem.
Entre a vária correspondência recebida
destacava-se uma carta do sócio honorário da SIT, sr. Anselmo Cardoso, na qual
enviava saudações amistosas e de admiração pelas excelentes qualidades morais e
de amadora distinta da homenageada, sentindo não estar presente por o seu
estado de saúde o não permitir.
Depois de apresentar uma peça de um
autor português, Alguém terá de morrer,
de Luiz Francisco Rebelo, coube a vez de uma nova comédia de Molière, O tartufo. O génio de teatro, que se chamou
Molière, há anos já foi descoberto por José Ribeiro, que generosamente o tem
vindo a ensinar no seu belo palco de Tavarede, a todos quantos o representam ou
vêm representar. Foram, primeiro, “As Artimanhas de Scapino”; depois, “O médico
à força” e “O avarento”; agora será “Tartufo”, uma das mais famosas e estudadas
peças do maior comediógrafo francês.
A fama e o estudo são justos, até na
medida em que Tartufo ,
o falso devoto de toda a ideologia, nem por sombras é uma figura histórica: ele
aí está, pleno de vitalidade e próspero; vive no meio de nós, cruza-se connosco
na rua, nas repartições, nos recintos de diversão, na igreja; passa e repassa,
fazendo o seu governo à custa dos incautos; maneja a hipocrisia com subtil
perícia e arrojo; no respeitante a processos, claro que tem evoluído com o
tempo, que o mesmo é dizer, progredido muito sensivelmente...
Pois é essa a figura que uma vez mais
hoje se desmascarará perante um público sempre fiel, no palco da Sociedade de
Instrução Tavaredense.
Como será, desta vez?... Continuarão
aqueles valentes amadores a ser capazes de representar Molière? Quem não
gostará de ir hoje a Tavarede?
Mais uma vez, a representação foi um
êxito: casa praticamente cheia, interessada, vivendo ao sabor da acção que no
palco ocorria, rindo muito nos momentos de rir, sentindo menos os momentos de
sentimento.
É natural esta diferença, quando está
em cena uma peça do génio comediógrafo de Molière. Mais natural é ainda também
no grupo de Tavarede, uma vez que, na obra, as cenas de maior expressão
sentimental cabem aos jovens, enquanto as de efeito cómico couberam aos mais
velhos, que ainda hoje dentro do grupo se impõem decididamente, ou só pela
superior prática e vivência de palco, que todos têm, ou também pela maior
capacidade artística que alguns deles incontestavelmente possuem. Sob a pressão
do momento, estamos ainda a lembrar-nos muito bem de todos: de João Medina
(Orgon), de José Luís do Nascimento (Cleanto), de Fernando Reis (Meirinho)...;
mas, para exemplificação do pensamento antes expresso, recordemos outros.
Recordemos Maria Teresa de Oliveira
(Mme. Pernelle), essa extraordinária artista que, mau grado o destroço que nela
causa a doença, ainda consegue excepcionais apontamentos, sobretudo em atitudes
e jogo fisionómico!
Recordemos João Cascão que, em cinco
minutos de cena, no brevíssimo desempenho de um (Leal) oficial de diligências,
é o exemplo acabado do artista perfeito num papel que lhe quadra.
Mas recordemos também João de Oliveira
Júnior, por ser um caso diferente dos anteriores: mau grado outra vez vestido
numa pele que lhe não cai bem – um “Tartufo” não “de carne e osso”, como
algures na peça de diz, mas exclusivamente “osso”; uma figura naturalmente
hirta, boa para asceta ou marcial, para crítico ou homem de ciência exacta,
metida na personagem que se presume untuosa e anafada do hipócrita oportunista
e cruel -, às vezes conseguiu mesmo integrar-se no papel, para acabar muito
bem, na atitude de vencido.
Recorde-se, por último, Violinda, toda
dentro da função, a representar sempre, mesmo quando é mera figura de fundo.
Esta mulher põe em risco de desequilíbrio toda a cena em que entra, uma vez que
as restantes personagens, se se descuidam, podem desaparecer, apagadas pela sua
presença superior!
Eis por que as demais figuras, as mais
jovens do elenco, estão em nítida desvantagem, neste novo jogo de Molière.
Vale-lhes o não se entregarem vencidas, desempenhando sempre o melhor que sabem
e podem os seus papéis: José Medina (Damis), Maria Inês Lavos (Elmira), e Rosa
Maria da Silva (Mariana), por exemplo, tiveram momentos francamente bons, os
dois primeiros às vezes já muito mais naturais do que em representações
anteriores.
Mas, repetimos, aqui os jovens estão
com os papéis mais difíceis de salvar, pois são quase todos de sentimento, e o
primeiro tom da peça é de comicidade aberta.
Sente-se, de resto, neste precioso
grupo amador, uma crise de gerações: entre os mais velhos do palco e os novos
nele, falta uma meia-idade; de onde, talvez, o desequilíbrio a que acabamos de
aludir. Onde estarão os sucessores directos e naturais dos “velhos”?...
Parece-nos que seria necessário aos jovens que lá andam que amadurecessem
teatralmente depressa, muito depressa. E estará isso ao seu alcance?...
Supomos que a resposta pode ser de
esperança. E damo-la precisamente quando vamos falar de António Manuel Morais,
que esta noite, supomos, fez a sua estreia.
Embora secundário, o papel de “Valério”
exigia mais do que podia dar-lhe o seu intérprete: é a movimentação no palco;
sobretudo, são os braços, ao mãos, as atitudes. Isso é difícil, de facto! E,
não obstante, António Morais conseguiu um desempenho meritório; sobretudo,
possui uma voz estimável, capaz de modulações curiosas, e já diz bastante bem.
Estudante, como é, aproveite essa excepcional vantagem e leia muito teatro,
mesmo só para si; diga-o em voz alta e represente-o, mesmo só para si; faça
isso em casa; ouça o parecer dos pais; a mãe talvez possa dar-lhe preciosa
ajuda no assunto, professora como é. Acreditamos que, se quizer trabalhar com
inteligência, aplicação e humildade, em breve estará com os restantes jovens do
grupo, realizando o tal amadurecimento rápido que nos parece necessário. Se
puder, faça isso e ajude a fazer.
Estamos convencidos de que José Ribeiro
precisa de todos os seus amadores vivos: os de agora, os que já foram, e os que
podem sê-lo. Precisa de todos e merece-os. Que ele tem dado a Tavarede o melhor
que alguém pode dar a outrem: cultura.
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