“Desce-se por uma
rampa em degraus, limpa e arranjadinha, com verdura e flores a ladeá-la. Ao
fundo, um alpendre bonito alberga a linfa sussurrante. Não falta sequer o
azulejo alusivo, moderno, mas de bom gosto. Depois, é beber, mesmo sem sede.
Não admira que o
culto ancestral das águas tivesse sobrevivido até quase aos nossos dias.
Sabe-se lá se o tal homem primitivo que por ali andou não foi o primeiro a
celebrar esta fonte?
Era no primeiro
de Maio, quando a terra se cobre de flores e os dias são mais alegres. Lá iam,
de manhã cedo, rapazes e raparigas de todas as aldeias em redor a buscar a água
fresca. Durante a noite, as cachopas nem se tinham deitado, a enfeitar as
cantarinhas com flores, laços e fitas de seda. Cantarinha cheia... coração a bater
mais...
Era o folguedo,
tambem e principalmente. Juntavam-se toques de guitarras e violões, flautas e
harmónios, ferrinhos e pandeiretas. Dançava-se de roda pelas ruas e largos
enquanto as vozes cristalinas subiam nos ares, a desafiar os passarinhos num
hossana á mãe natureza.
Depois vinha tudo
até à Figueira fazer as compras ao mercado e a trazer à cidade o ar do campo,
afinal ali tão perto”
Era um dos nossos passeios favoritos nas
noites quentes e luarentas do verão. Sentávamo-nos nos degraus das escadas que
dão acesso à fonte e ali nos quedávamos horas infindas. O ar que se respirava
cheirava deliciosamente ao limonete. Era dos muitos arbustos das leiras e dos
quintais vizinhos. Muitas vezes, no silêncio da noite, ouvia-se o chilrear dos
rouxinois e dos pintassilgos nos salgueirais próximos.
“A
todos deixo contentes, porque a todos satisfaço o desejo que os trás à fonte:
dou-lhes de beber, e ensino-lhes, com a minha canção, a não dizer mal de
ninguém...”. (Chá de Limonete)
Inspirava poetas. Pela tardinha lá iam
as mulheres tavaredenses, com os seus potes e cântaros de barro, buscar água
fresquinha para se beber e para cozinhar. Da cidade vizinha também era a hora
de virem à nossa fonte encher os garrafões. Conta-se que o saudoso tavaredense
António Cordeiro, tinha no seu estabelecimento no Bairro Novo, um enorme
cântaro com água da nossa fonte, o qual era muito procurado por apreciadores
duma boa água pura e fresquinha.
No ano de 1946, a autarquia local mandou
beneficiar e alindar o local.
“A risonha
aldeia de Tavarede, que – diga-se de passagem – completamente desacompanhada
por quem tinha o dever de o fazer, em muitas úteis e proveitosas tem
contribuído para o bom nome e prestígio do concelho da Figueira, num legítimo
anseio de fugir do sistema rotineiro em que, no factor melhoramentos, há largos
anos se debate, acaba de dar provas do que vale a acção e boa-vontade da sua
ordeira gente, empreendendo e realizando alguns melhoramentos públicos, cuja
falta bastante se fazia sentir.
A
actual Junta de Freguesia, presidida pelo sr. António Lopes, além de outras
obras de grande utilidade, já consumadas, no passado sábado inaugurou um
chafariz no largo do Senhor da Arieira e descerrou, na pitoresca fonte da
afamada água de Tavarede, duas interessantes lápides com os seguintes versos do
ilustre poeta e publicista figueirense, nosso querido e velho amigo, sr. Manuel
Cardoso Martha:
Tu, sequioso,
que vens É
casta, límpida e pura
À fonte de
Tavarede, e assim deves ser também;
Cuida na água e
seus bens é calada, e, se murmura,
Enquanto matas a sede. Nunca diz mal de ninguém.
Cerca
das 13 horas, chegaram ao Senhor da Arieira as entidades oficiais,
nomeadamente, os srs. dr. Álvaro Malafaia, presidente da Câmara Municipal, engenheiros
António Rei e José Redondo, capitão Militão e João Guilherme Delgado,
vereadores, que foram recebidos, festivamente, pela Junta de Freguesia e por
muito povo. O sr. dr. Malafaia cortou a fita simbólica. Soam palmas. E “vivas”.
Detonam foguetes. Gentis raparigas, entre sorrisos alegres, entregam ao sr.
presidente da Câmara flores viçosas colhidas nos canteiros ubérrimos da linda
“Terra do Limonete”.
Entretanto,
a caravana desce ao burgo, sendo recebida em alvoraçada manifestação de apreço
e carinho pelo povo, não escondendo as ilustres entidades a sua alegria pela
surpresa colhida, através dos benefícios pela Junta introduzidos na terra, que
ainda há meses se encontrava em miserável estado de asseio.
Seguidamente,
autoridades e povo tomam o caminho da fonte, muito asseiada e ornamentada com
plantas e flores. Nas paredes laterais aos canos que brotam, espontaneamente,
duas maravilhosas e cristalinas linfas, que são a delícia do povo da terra e da
Figueira, pendem duas colgaduras de seda, sob as quais estão, em azulejos
desenhados pelo lápis privilegiado de Rogério Reynaud, os versos que acima
transcrevemos.
É
ainda o sr. dr. Álvaro Malafaia quem procede aos respectivos descerramentos.
António
Lopes, activo e dinâmico bairrista, cuja vontade de ferro em elevar a melhor
nível de prosperidade a sua terra, e que por nada arrefece ou desanima, fala
pela paróquia a que preside. E evoca nomes, a quem rende homenagens e
agradecimentos. Diz do que já se fez e do muito que ainda há para se fazer em Tavarede. Confia
em si e nos colegas da Junta. Confia na boa-vontade do seu povo. E conta com a
imprescindível colaboração da Câmara Municipal. Findou o seu discurso com
“vivas” à Câmara, a Cardoso Martha, a Rogério Reynaud, a António Vítor Guerra,
etc., etc..
Encontrando-se
casualmente, em Tavarede, sua terra natal, o sr. António Medina Júnior,
director do “Jornal de Sintra”, acompanhado de sua esposa, também natural
daquela hospitaleira localidade concelhia, a Junta convidou-os a assistir às
festas a que nos vimos de reportar. Assim, no uso da palavra, o sr. Medina
Júnior agradeceu a António Lopes todos os benefícios em prol do seu lindo burgo
e pediu ao sr. presidente da Câmara que acarinhasse, o melhor possível, as boas
vontades que ali se encontravam e estavam empenhadas em trabalhar pelo
progresso e prestígio de uma adorável aldeia que fôra mãe da “Rainha das Praias
de Portugal”.
Seguiu-se
no uso da palavra o ilustre poeta Cardoso Martha, que teceu um hino às belezas
e tradições de Tavarede e do seu bom povo.
Numa
das dependências do palácio do Paço de Tavarede, propriedade do grande amigo da
freguesia sr. Marcelino Duarte Pinto, foi oferecido, pela Junta e servido por
gentis raparigas, um almoço regional às entidades camarárias e a alguns
convidados de honra.
Durante
o repasto, que revestiu um cunho acentuadamente familiar, usaram da palavra os
srs. dr. Álvaro Malafaia, Cardoso Martha, António Lopes, capitão Militão,
António Medina Júnior e Marcelino Duarte Pinto.
Às
entidades oficiais foram oferecidos mais ramos de flores, a que não faltava o
característico limonete, quando da sua retirada para esta cidade, o que se deu
por entre palmas e “vivas” entusiásticos.
À
noite exibiu-se, na esplanada da Sociedade de Instrução Tavaredense, o
aplaudido “Rancho das Rosas”.
Embora
a Junta de Freguesia não fizesse participações à Imprensa, não podemos deixar
de nos associar, com muito prazer, às festas realizadas no passado sábado em
Tavarede, festas essas que aliás representavam pensamentos e sacrifícios postos
em prática e traduzem obras públicas que impõem o meio e dignificam quem as
empreendeu e realizou.
Estas
manifestações de actividade e de progresso regozijam-nos. Por isso as
registamos nas nossas colunas com o maior aprazimento e carinho.
Para
breve, novo e importante melhoramento se realizará na fidalga e hospitaleira
“terra do limonete”.
Para a frente, pois. E parabens.
Em Janeiro de 1993 novas obras foram
inauguradas.
“E a fonte de
Tavarede voltou a renascer na tarde do passado sábado, perante a presença de
significativa multidão de tavaredenses e convidados que participaram no
conjunto de actos levados a efeito para assinalar esta reabertura que, em nosso
julgar, mais do que o refrescar de corpos, vale acima de tudo pelo reencontro
que, os tavaredenses estabeleceram com um passado pródigo em tradições e, para
muitos também, simbolizado nesta centenária fonte, à volta da qual se teceram
tantas histórias de idílicas cores.
As
cerimónias tiveram início com uma recepção havida na sede da Junta de
Freguesia, com a presença de diversos convidados, dos quais destacamos o
presidente da Câmara e vereadores socialistas, bem como do presidente da
Assembleia Municipal.
Aqui
as honras da casa seriam da responsabilidade do engº Rui Carvalheiro,
presidente da Assembleia de Freguesia, o qual realçou o esforço que o executivo
tavaredense tem despendido ao serviço da terra, afirmando que “eles não podem
fazer mais do que aquilo que já fazem”. Depois referir-se-ia à obra que iria
ser inaugurada, como “singela mas de grande significado”, particularmente para
os tavaredenses mais bairristas.
Como
que em resposta à intervenção do autarca tavaredense, o engº Aguiar de Carvalho
discursaria de seguida para também ele destacar o simbolismo da inauguração,
numa terra em crescente salto demográfico resultante da instalação de pessoas
não originárias de Tavarede, mas que os tavaredenses necessitam de integrar no
“modus vivendi” da terra.
Reviver
o passado, como naquele dia se procedia em Tavarede, pode ser uma das formas de
união, segundo crê engº Aguiar de Carvalho.
E
se esta cerimónia pouca participação popular haveria de ter, todas as outras se
caracterizariam pelo elevado número de assistentes que congregaram.
Terminada
a recepção na Junta, um autêntico cortejo, a que não faltou os acordes da Tuna
de Tavarede, encaminhou-se para o local da inauguração, onde muita gente desde
há muito aguardava pacientemente o momento esperado.
Aqui,
isto é, na Fonte de Tavarede, bem defronte das bicas, melhor torneiras, o padre
Matos procedeu à benção da obra proferindo uma prédica cuidadosamente estudada
e adaptada às circunstâncias.
Entretanto
o presidente da Câmara foi convidado a descerrar uma lápide evocativa desta
cerimónia, retirando a bandeira da Figueira, para deixar à vista a inscrição
que perpetuará o dia 9 de Janeiro de 1993, como data da recuperação deste
património tavaredense.
O
engº Rui Carvalheiro usaria de novo da palavra para voltar a enaltecer a
inauguração a que se procedia, destacando a acção desenvolvida por António
Simões Baltazar, presidente da Junta, dissertando depois sobre as dificuldades
que enfrentam as Juntas para, sem dinheiros, procederem às beneficiações que os
moradores necessitam e merecem.
Aludiria
ainda ao Paço de Tavarede que, tal como está, ”a todos nos envergonha um
pouco”, mas adiantou que a Junta já elaborara ante-projectos de recuperação,
aguardando agora decisões superiores.
O
oradora seguinte foi a drª Ana Maria Caetano, que servindo-se de palavras de
José da Silva Ribeiro, em especial retiradas da peça “Chá de Limonete” teve uma
agradável e pouco vulgar intervenção, merecedora de rasgados aplausos.
Digamos
que o Teatro também esteve presente na Fonte de Tavarede.
E
foi com visível emoção que António Simões Baltazar nos veio dizer de sua
justiça, numa sentida intervenção, que espelha bem a sua dedicação a Tavarede e
o empenhamento que colocou na recuperação da Fonte, da sua Fonte de Tavarede,
tendo agradecido a tanta gente, e tanta ela foi, que contribuiu para que a
fonte voltasse a ser fonte, dando a conhecer que em breve, numa das paredes do
caminho que leva à fonte, vai ser colocado um “quadro de honra”, no qual se
perpetuará o nome de tavaredenses ilustres, citando vários nomes já aprovados
pela Assembleia de Freguesia (José da Silva Ribeiro, João Cascão, Violinda
Medina, António Jorge da Silva, José Nunes Medina, António de Oliveira, etc.).
Esta cerimónia seria encerrada com o discurso proferido pelo presidente da
Câmara que felicitaria os autarcas de Tavarede, “motores e intérpretes de um
sentimento profundo das vossas populações”.
Depois
foi o abrir das torneiras para que todos, e muitos o desejaram fazer, pudessem
beber água que de novo voltou a dar vida a uma das salas de visita da povoação.
Sabemos que a festa se prolongou
pela tarde e noite, num convívio onde a gastronomia se uniu à cultura, fazendo
do 9 de Janeiro de 93 uma data a inscrever no historial das gentes de Tavarede”.
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