Mas “A Voz da Justiça” continuou. Logo a 19 de Abril daquele ano escrevia:
“Antes de mais nada, vamos lá desfazer a estranheza de algumas pessoas que nos atribuiram propósitos que não tivémos: aludimos àquelas que não levaram a bem que nós, referindo-nos no último número ao sr. vigário de Tavarede, escrevêssemos: “Pe. José Martins da Cruz Denis, solteiro, pároco de Tavarede”.
“Antes de mais nada, vamos lá desfazer a estranheza de algumas pessoas que nos atribuiram propósitos que não tivémos: aludimos àquelas que não levaram a bem que nós, referindo-nos no último número ao sr. vigário de Tavarede, escrevêssemos: “Pe. José Martins da Cruz Denis, solteiro, pároco de Tavarede”.
Que tôda a gente sabe que os padres são solteiros, e que nós, acrescentando-lhe ao nome a designação do seu estado, tivemos intuitos desprimorosos para com o sacerdote em questão.
Valha-nos Nossa Senhora!
Nós limitámo-nos a copiar o requerimento que o pároco de Tavarede dirigiu ao meretíssimo juiz da comarca, requerimento que começa assim: “Diz Padre José Martins da Cruz Dinis, solteiro, maior “ etc.
Foi êle, e não nós, quem frizou a sua qualidade de solteiro. Bastaria a sua qualidade de padre católico para se presumir que seria solteiro. Mas o sr. Pe. Denis, não se satisfazendo talvez com a presunção, quis êle próprio acentuar que era solteiro. Ele lá sabe as razões que tem para frisar êste pormenor, que nós quisemos respeitar, como nos cumpria.
Fica, pois, assente, que o sr. Pe. José Martins da Cruz Denis é solteiro, maior, e provàvelmente também vacinado.
* * * * *
Os factos aqui narrados, embora só agora dêles tivéssemos conhecimento, já são antigos. A população de Tavarede conhecia-os há muito, e há muito êles andavam já de bôca em bôca, comentados como era natural que o fôssem por gente simples que, tendo sido sempre religiosa, não podia deixar de estranhar as inovações que o novo pároco introduziu no regime da sua igreja. A irregularidade do horário fatalmente escandalizaria o povo de Tavarede, que não leva a bem o excessivo zêlo do padre e a excessiva devoção das suas ovelhas.
Além do mais, a mocidade impetuosa do padre leva-o a praticar e a dizer inconveniências. Quere mostrar-se autoritário - e cobre-se de ridículo quando proclama que há-de ensinar êste povo ignorante e malcriado. Ameaça a torto e a direito - e desrespeitam-no. Contou-nos um director duma das associações locais, que, numa ocasião em que o padre, na igreja, fazia a campanha contra as colectividades, insultando mais ou menos disfarçadamente as raparigas que nos teatros destas associações representam, uma das atingidas, que assistia, soltou uma gargalhada, levantou-se e saíu.
A acção do padre está-se reflectindo na harmonia do lar duma forma expressiva. No dia 25 de Março uma pobre mulher que saíra de manhã para a igreja, só voltou a casa, que fica num lugar afastado, depois das 23 horas. O marido teve de fazer o seu almôço e de tratar dos animais. Quando ela chegou, o homem não se conteve e... a pobre da mulher gemeu sob uma tareia. Para as bandas dos Condados sucedeu coisa parecida, mas aí bateu o homem na mulher e a mulher no homem...
Os comentários picarescos refervem, sendo nêles especialmente visado o padre, que com êste desenvolvimento da fé católica leva as pobres mulheres que êle fanatiza a esquecerem os seus deveres domésticos.
Paremos hoje por aqui.
E continua firme o oferecimento destas colunas ao sr. vigário de Tavarede, que não precisa gastar dinheiro para chegar até elas, pois lhe dispensamos o papel selado”.
Ocorreu, entretanto, a tradicional celebração da Páscoa. Conforme adiante se verá, parece que terá havido bastante exagero por parte deste jornal ao publicar, a 23 de Abril, esta local:
“O sr. Pe. José da Cruz Denis, solteiro, pároco em Tavarede, deve a estas horas estar já bem convencido de que não é com ameaças, com atitudes despóticas que resultam ridiculas e com os excessos e inconveniências que o tornaram conhecido, mais do que convinha, em todo o concelho da Figueira, que poderá conquistar a estima e o respeito dos tavaredenses.
A população do vizinho lugar de Tavarede infligiu-lhe no domingo de Páscoa o devido castigo. Várias casas, em número relativamente elevado, fecharam-lhe as portas; e mesmo noutras onde entrou, o “acolhimento” foi, segundo nos informaram, bastante significativo. Nunca semelhante espectáculo se verificou em Tavarede. Abstemo-nos de relatar episódios que se deram e devem ter vexado aquele sacerdote, mas que têm natural explicação na antipatia e na reprovação que o seu procedimento despertou nos habitantes de Tavarede. Nem sequer lhe fica o direito de atribuir o “acolhimento” de que foi alvo aos adversários da igreja, porque foram vários os católicos que, pela primeira vez na sua vida, agora fecharam a porta ao seu pároco em dia de Páscoa.
Foi uma lição, lição que ainda não terminou, porque noutros lugares da freguesia diversas pessoas lhe fecharão também a porta no domingo de pascoela.
Mas a culpa não é apenas dêle. É tambem dos que, devendo aconselhá-lo e moderar-lhe os impetos da mocidade, o deixaram assim lamentavelmente desamparado.
Quem semeia ventos...”
A resposta a todas estas notícias só veio mais tarde, como veremos, e não pelo visado, mas sim por um seu amigo.
Entretanto, e por acharmos o caso curioso, ainda vamos transcrever duas locais do jornal acima. A primeira de 3 de Maio:
“ Pessoa desta cidade que no último domingo foi a Tavarede assistir a um casamento, veio dali indignada com o procedimento do padre e quis contar-nos o que se passara.
Muitas pessoas da Figueira foram a Tavarede para assistir ao casamento; quando se dispunham a entrar na igreja, após o cortejo, o padre, sem ao menos usar as regras que uma pessoa bem educada nunca esquece, fechou-lhes a porta na cara. E o casamento fez-se à porta fechada.
Os comentários foram o que o leitor pode supor, chegando alguns ânimos a exaltar-se, felizmente sem consequências, dada a prudência da maioria. E o nosso amigo exprimia-nos a sua estranheza pelo que presenceou, censurando acremente a atitude do padre, que, além de incorrecta, foi considerada inconveniente sob outros aspectos.
Devemos dizer que não nos surpreendeu o que ouvimos. Já há tempos o nosso correspondente de Tavarede informara que êste magnífico padre fazia os casamentos à porta fechada. E devemos também acrescentar francamente que o facto não nos interessa.
O que nós estranhamos não é que o padre, para realizar certos actos, feche a porta da igreja de dia, mas sim que êle a abra de noite, a horas incertas e inconvenientes. Isro é que o povo de Tavarede não leva a bem! Isto é que escandaliza uma população que não tem memória de na igreja da sua freguesia se ter feito tal coisa!
A uma das pessoas que fazia parte da comitiva dos noivos e que de viva voz manifestou a sua estranheza ao padre quando o viu fechar a porta da igreja, tentou êle justificar o acto, despejando insultos sôbre os tavaredenses, acrescentando que não podia viver naquela terra e que já tinha ido a Coimbra solicitar do seu Bispo que o tirasse dali, ao que êste não acedeu, respondendo-lhe que a hora era de... sacrifício e, portanto, que se sacrificasse... Imagine-se que tal deve ter sido o procedimento dêste vigário, que assim comseguiu ter contra si a antipatia de tôda uma população que é de índole submissa, incapaz de hostilizar quem quer que seja, salvo em circunstâncias extremas, e que é, na sua maioria, de crenças católicas!
Emfim, o padre de Tavarede sacrifica-se...
E assim o sr. Pe. José da Cruz Denis, solteiro, caminha a largas pernadas para a celebridade”.
(continua)
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