(continuação)
“ Está provado, pelo que escrevemos no último número, que tanto os videntes como as visadas, - aquelas que esperavam o padre, - não teem existência real, apesar de A Voz da Justiça o asseverar, aliás sem justificação de espécie alguma.
Este processo não passa duma invenção, já antiga por sinal, de que os jacobinos se utilizam para fazer guerra à Igreja Católica. Não passa duma manobra jacobina. A sua grande arma é a Calúnia. É com ela que derribam os Estados, é com ela que fazem frente aos clérigos, cujo crime consiste em trabalhar incansavelmente, insanavelmente, para chamar ao aprisco as ovelhas tresmalhadas. E o padre de Tavarede está nestas condições. Tem trabalhado aturada e persistentemente. Os frutos teem sido compensadores, é certo. Pessoas que andavam afastadas da Igreja há muitos anos, ouvindo prégar a Verdade Católica, teem-na abraçado. E os jacobinos já não assustam ninguém, porque o novo pároco lhes vai encurtando caminho.
Os melhores padres, os mais trabalhadores, aqueles que pela sua inteligencia e conducta moral pretendem impôr-se para restaurar a ordem social, são justamente os mais combatidos, não com argumentos, mas com o terrível arcabuz da Calúnia.
Como não podem apontar-lhes defeitos, inventam, deturpam, trapaceiam, enxovalham, caluniam! Estamos em presença dum dêsses casos. Se os leitores conhecessem o lugar, relativamente central, onde fica situada a Igreja de Tavarede, verificariam com facilidade que aquela comédia sem personagens - ou com personagens anónimos - que A Voz da Justiça impingiu aos seus leitores, à luz da lógica, não pode ser admitida pelo cérebro mais tacanho e mais inculto.
Se os factos ali narrados fôssem verídicos, coitadas das raparigas que tivéssem a desdita de tomar parte nêles! A estas horas já todo o mundo sabia quem elas eram! Se as raparigas católicas são insultadas na rua frequentes vezes pela matulagem bêbeda de sangue, cega pelo ódio à Igreja, desgrenhada pela sanha revolucionária, chegando a dirigir-lhes obscenidades, o que não seria se um dêsses pobres diabos descobrisse que alguma delas seguia tal caminho! Dentro duma hora toda a povoação o sabia. Ai delas, se tal sucedesse! Seriam apontadas a dedo em rompantes de cinismo, apedrejadas até, quando passássem em Tavarede! A mofa, a algazarra, a vozearia, acossá-las-ia até casa. A Voz da Justiça publicar-lhes-ia o retrato, provavelmente, cumulando-as de aleivosias.
E como vês, leitor, nada disto ainda sucedeu. É prova evidente de que tôda aquela história não passou duma infame, duma torpe invenção de gazeta, invenção esta que podia ficar-lhe cara, se não tivésse sido forjada em sapiente prudência.
A Voz da Justiça quando pensou em engendrar esta comédia, já sabia muito bem que tinha facilidade em arranjar (se já não estivéssem arranjados préviamente), quem, sendo preciso, fôsse ao tribunal confirmar os factos. E, como essas testemunhas não podiam, de modo algum, ir apontar esta ou aquela rapariga, porque as consequências seriam pesadas, o pasquim, ao vêr-se notificado pelo meritíssimo Juiz de Direito desta comarca, e a requerimento do padre de Tavarede, não tendo outra tábua de salvação, apressou-se a declarar que as raparigas eram desconhecidas e que continuavam a ser consideradas por êles pessoas honestas!...
A Voz da Justiça convence-se que são todos parvos nesta terra! A mais rudimentar lógica pode lá admitir que um dos videntes que ela cita, estivésse a falar com uma das raparigas. sob uma boa lâmpada eléctrica, a perguntar-lhe o que estava ali a fazer, etc., e que no fim de tudo a não conhecesse?! Isto é lá possível?! Isto é lá racional?! Porque devemos partir desta hipotese: A Voz da Justiça, embora o negásse, - porque não podia dizer que sim... - quiz fazer crêr aos seus freguezes que o padre, reunindo ali as tais mulheres, não podia ser senão para fins menos honestos. Àquelas horas... nem outra coisa era de supôr!
Então A Voz da Justiça julgou-se numa terra de cafres, de selvagens, que a podéssem acreditar?
Pode lá admitir-se que houvésse mulheres tão ousadas, ou como direi, tão destituidas de senso, tão imprudentes, que tivéssem o mau gôsto de estarem ali à beira dum caminho que serve três freguesias, expostas às vistas dos transeúntes, aos olhos de quem passásse, aguardando o padre para as suas entrevistas?
Qual seria a mulher capaz de se aventurar a dar êste passo, se ainda mesmo as debochadas, as barregãs de quantos feirões lhe aparecem, se ocultam o mais possível?
E qual seria também o padre tão pouco inteligente, tão parvo, digamos assim, que se quizésse dar que falar, ia escolher a Igreja, num lugar tão central, tão concorrido e tão iluminado e ainda por cima entrava e deixava a porta aberta?! Não teriam êles lugar mais apropriado e mais oculto?
Qual é a inteligencia, ainda que rude, que pode admitir isto sem uma revolta?!
Qual é o cérebro que pode admitir ainda, que as ignoradas pessoas que A Voz da Justiça diz terem presenciado tudo, olhássem para tais factos como boi para palácio, sem um assomo de curiosidade, sem uma sombra de interêsse?!...
Isto é sintomático!... Qual de vós, leitores, era capaz de manter tamanha indiferença, a ponto de nem procurar conhecer as raparigas?
Qual de vós, repito, é que em presença dum caso dêstes, um caso tão extraordinário, não sentiria a curiosidade necessária para investigar tudo até final, procurando conhecer não só o resultado como as victimas do padre de Tavarede?
Pode, pois, admitir-se tal absurdo? - Não! Não! Não e mil vezes não! - São caluniadores!
Senão que apareçam os videntes, que apareçam essas pessoas a quem A Voz da Justiça condenou ao anonimato!
Enfim... transparece em tudo a mesma incoerência, a mesma ausencia de escrúpulos, as mesmas intenções vilãs. Até as pequeninas coisas encerram grandes finalidades!
Aquela do padre entrar para a Igreja com as suas victimas e deixar a porta aberta, é uma delas!
O articulista não quiz dizer que a porta fôra fechada após a sua entrada, porque, se por acaso fôsse obrigado por lei, como de facto foi, a fazer qualquer rectificação, poder declarar que não tivera em vista afirmar que o padre de Tavarede se portou ou porta mal com qualquer mulher. Só assim se compreende aquela gafe da porta aberta! Já afirmámos que o padre de Tavarede enveredou pela única via de senso comum, e vamos prová-lo.
Se êle caísse na asneira de querelar A Voz da Justiça, por crime de abuso de liberdade de imprensa, a sua situação futura seria deploravel. Aquele jornal, com a sem-cerimónia que lhe é habitual, recrutaria entre os seus assalariados as testemunhas suficientes para irem ao tribunal confirmar os factos. A sua dignidade ressentir-se-hia publicamente porque, havendo só testemunhas de defeza, a questão dar-se-hia com certeza a favôr dos caluniadores. Resultado: de futuro, em face da decisão do tribunal, muita gente acreditaria na veracidade das calúnias.
Se lhe respondesse nos jornais, suceder-lhe-hia coisa identica. Em último caso, viriam os tais serviçais efectivos a fazer as suas declarações na imprensa. O que havia então a fazer? - Uma coisa só - o que fez o padre de Tavarede - requerer ao Juiz a notificação daquele jornal, obrigando-o a declarar se com aquilo se pretendeu afirmar que êle se portou ou porta mal com qualquer mulher.
Em caso afirmativo, iria para juizo; no negativo, nada se podia fazer - restava apenas o desprezo. Foi o que sucedeu.
A Voz respondeu desta forma à notificação: - Não pretendemos afirmar no artigo referido que aquele pároco se portou ou porta mal com qualquer mulher.
Afirmamos isto clara e terminantemente. E oxalá esta declaração restitúa ao padre de Tavarede o seu sono perdido.
Foi cobarde, porque da leitura de toda a sua campanha, claramente se infere essa finalidade! Mas negou... estava no seu direito...
É, como dizia o revº. pároco: “aquilo é a baixeza das baixezas; e a baixezas não se responde”. Eu não sou da mesma opinião. Para êstes homens devia haver sempre uma resposta...
E como êste já vai longo, não nos é possível contar hoje aqui a scena do julgamento a que aludimos no último artigo e que por sinal era uma preciosissima chave de ouro para encerrar o artigo de hoje. Ficará para o próximo número.
Deixemos por aqui esta questão religiosa. Para a nossa história já transcrevemos o suficiente para cada um aquilatar os animos que então ferviam na nossa terra. É verdade que, como já referimos, acreditamos tenha havido bastante exagêro, mas de parte a parte. O padre Diniz, acreditamos à distância, terá vivido à sua maneira os problemas sentidos na sua paróquia. E tanto lutou que, em 1931, conseguiu o seu fim: ter uma colectividade, organizada, dirigida e mantida como êle entendia que deveriam ser as colectividades populares.
A sede do Grupo tinha sido vendida. Não pagando as rendas teve que mudar de “poiso”. O novo proprietário entrou em negociações para a venda do edifício. Por influência do padre Cruz Diniz, a “Predial Económica”, de Coimbra, fez a compra. Esta sociedade era propriedade na sua totalidade da diocese de Coimbra. E então surgiu em Tavarede o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense. Mais uma vez, a “nossa” casa estava a cumprir a sua missão: era, novamente, uma associação de cultura popular.
Além do teatro, em que teve a colaboração de alguns dos anteriores amadores que não aceitaram mudar de “camisola”, também para lá o padre Diniz mudou a escola nocturna que então tinha aberta na sua residência. E se, em sua casa, no ano de 1930 teve uma frequência de 36 alunos, logo no ano seguinte, nas novas instalações, este número aumentou para 78.
Não se discute a actividade educacional e cultural daquele sacerdote. Foi inquestionável. Poderiam ser discutíveis os meios seguidos. Em Abril de 1932, O Dever, publicando a fotografia deste pároco, comentava a mesma: “Padre José Martins da Cruz Dinis - Digníssimo pároco de Tavarede e sábio professor de História no Colégio Liceu Figueirense, espirito esclarecido e activo, que á causa Santa da instrução na sua freguesia, tem consagrado toda a sua actividade, e a quem é devida a organização do Grémio Educativo e Instrução Tavaredense”.
A actividade desta colectividade já foi por nós descrita no segundo caderno.
Ainda continuaram os ânimos azedos. De tal forma que em Setembro de 1935 o sacerdote Cruz Dinis foi transferido, a seu pedido, para a paróquia de S. Paulo de Frades, Coimbra, depois de ter paroquiado em Tavarede durante 7 anos, “onde sustentou algumas lutas contra os inimigos da religião e sofrido algumas calúnias”.
A notícia do seu pedido de transferência tinha caído na nossa terra como uma autêntica bomba. Os seus amigos e colaboradores não se conformaram facilmente. Ainda fizeram, e entregaram ao Bispo de Coimbra, uma exposição pedindo a conservação do pároco em Tavarede e que era assinada por mais de 300 chefes de família. Não conseguiram demovê-lo.
Já tinha acabado havia tempo o Grémio Educativo. Era ele a sua alma. As lutas que enfrentou na terra foram demasiado violentas. Desistiu. Pediu a sua transferência e foi inflexível na sua determinação. Só mais uma informação de interesse. Pode julgar-se que o padre Diniz, conservador convicto, estivesse de alma e coração com a regime então vigente. Nada de mais errado. Curiosamente, embora os intervenientes certamente não tenham achado graça nenhuma, em 1938 o padre Diniz foi preso pela Pide e, na cadeia do Porto, lá esteve encarcerado conjuntamente com um tavaredense que, religiosamente, o havia combatido enquanto à frente da nossa paróquia: mestre José Ribeiro. Um republicano e outro conservador, ambos convictos das suas ideologias, acabaram por encontrar-se presos pela polícia política. Ironias do destino, ou talvez não.
Mas a nossa história da “nossa casa” vai continuar. Pouco depois dos factos agora narrados outro destino se procurou para ela. Novas polémicas. Novos intervenientes. O capítulo seguinte irá recordá-los.
(continua)
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