Conquistara Fernando Magno a cidade de Coimbra em 1064, segundo a melhor cronologia, ao cabo de seis meses de apertado cerco.
Dentre os capitães que o coadjuvaram nesta empresa, escolheu a D. Sisnando para governador de Coimbra e de todo o distrito que desanfrontara dos mouros, deixando-lhe um exército volante que protegesse as conquistas.
Muitas razões aconselharam El-Rei de Castela a preferir D. Sisnando para tão importante emprego. Além das mostras de esforço e prática militar, que recentemente havia dado, tinha amplo conhecimento do terrítório de Coimbra, porque sendo filho de David, rico moçárabe da que hoje denominamos província da Beira, senhor de Tentúgal e de outras terras vizinhas, não só por estes sítios passára os primeiros anos da vida, mas neles fizera depois várias entradas entre os cristãos.
Na corte do rei de Sevilha se introduziu D. Sisnando, no tempo de Ibn Ablad, e pelos seus talentos e importantes serviços feitos ao príncipe sarraceno, chegára a ocupar o cargo de ‘wasir no divan’, isto é, de membro do supremo conselho do emir, que o distinguia particularmente entre os seus conselheiros.
Ignora-se o motivo porque resolveu abandonar o emir de Sevilha, para entrar ao serviço de Fernando Magno, mas o seu procedimento posterior persuade que a isso o impeliu alguma ofensa dos sarracenos.
Admitido na corte de Leão e Castela, alcançou brevemente convencer D. Fernando das vantagens que obteria invadindo o residente da antiga Lusitânia. O resultado da invasão justificou as previsões de Sisnando, e o rei de Leão retribuiu o bom serviço que lhe fizera o moçárabe, dando-lhe o governo de um distrito constituído com as novas conquistas e com a terra portucalense ao sul do Douro, ao qual servia de limites, pelo oriente a linha de Lamego, Viseu e Seia, e de fronteira pelo sueste, o pendor setentrional da Serra da Estrela.
Vinte e sete anos lograra D. Sisnando o senhorio de Coimbra e de toda a terra de Santa Maria, com o título de conde (que os reis sucessores de Pelágio davam a todos os governadores que punham nas cidades), a qual não só defendeu com seu valor em todo o tempo da sua vida, mas ainda por morte deixar mais acrescentada e melhorada do que a havia recebido.
Além dos edifícios que construíu em Coimbra, e que ainda enobreciam a cidade no tempo do autor da Corografia Portuguesa, povoou e restaurou muitas, outras levantou de novo e fortaleceu. Entre as mais se nomeiam as vilas de Cantanhede e Tentúgal, os castelos de Foz do Arouce e Penela, e a nobre vila de Montemor-o-Velho, a qual, ao seu tempo, começou a levantar a cabeça das ruínas e opressões passadas.
Fundou e dotou muitas igrejas; edificou o mosteiro de S. Jorge e ao de Vacariça deu o lugar de Ota (ou Oiã) e à Sé de Coimbra muitas terras além do rio Mondego. Outro monumento erigiu D. Sisnando, que tornou o seu nome caro aos homens de letras. Estabeleceu, junto da Sé catedral de Coimbra, um seminário para se doutrinarem os moços que se dedicassem ao estado eclesiástico.
Já em era tão inquieta e arredada, havia naquela cidade escolas de boas letras, nas quais se formava a mocidade portuguesa; foram como as percursoras das que, em época mais próxima e tranquila, engrandeceram a Atenas Lusitana.
É, pois, o conde D. Sisnando o primeiro senhor que se acha nas terras de Portugal com jurisdição dilatada; e, posto que em alguns documentos confessa receber da mão de El-Rei D. Fernando, de Leão, o senhorio de Coimbra, e mais terras da sua comarca, restituídas aos cristãos, desde Lamego até ao mar, correndo entre o Douro e o Mondego, todavia a todas elas possuia em livre e independente soberania, podendo delas dar e doar, como vimos, a seu beneplácito e arbítrio. Faleceu em 25 de Agosto de 1091.
Tratando-se do lugar em que repousam as cinzas do conde D. Sisnando, diz Frei António Brandão: “Dizem que está sepultado no adro da Sé de Coimbra, em um dos arcos da parede: o que devia ser, porque naquele tempo se não sepultavam dentro das igrejas, nem ainda mesmo os príncipes”.
Pedro Alvares Nogueira, no catálogo manuscrito dos bispos de Coimbra, diz primeiramente que o conde D. Sisnando estava sepultado em um monumento que tinha um marco, cujo lugar se ignorava, e em outra parte diz haver memória de que a sepultura era no adro.
O que é incontestável, presentemente, é que em Coimbra, encostado ao lado exterior da parede da Sé Velha, junto à quina ocidental, em altura de sete palmos, está um túmulo de pedra calcárea, oblongo, abaulado, de cinquenta e cinco polegadas de comprido, trinta e seis de alto e vinte e três de largo.
Na face externa, lê-se em caracteres alemães minúsculos a seguinte inscrição: “Aqui jaz um que em outro tempo foi grande varão, sabedor e muito eloquente, abundado e rico e agora é pequena cinza, encerrada em este monumento. E com ele jaz um seu sobrinho, dos quais um já era velho e o outro mancebo e o nome do tio Sisnando e Pedro havia nome o sobrinho”.
Diz João Pedro Ribeiro que, por ser em português esta inscrição, não pode datar acima do reinado de D. Afonso III.
Com efeito, nesse tempo é que se reformou a Sé, e talvez depois se traduziu em vulgar alguma inscrição latina que dantes estava no túmulo, que este actual substituiu, o que parece mostrar a sintaxe, que indica mais uma versão de latim que obra original. Por baixo do túmulo está o lugar de uma lápide, embebida na parede, que já falta; seria talvez a inscrição original.
Deste monumento sepulcral faz menção o sr. Conde A. Raezynoki, na sua obra – Les Arts en Portugal -, transcrevendo, em francês, a inscrição e focando alguns dos principais factos da vida do célebre personagem a que respeita. Deste monumento sepulcral nos diz também o visconde de Almeida Garrett, que “em Inglaterra, ou noutro país cristão, seria conservado com respeito e veneração de relíquias”. E invectiva, indignado, o desprezo em que é tido.
Dezasseis anos antes que o grande poeta soltasse estas vozes patrióticas, havíamos erguido a nossa, posto que humilde, pedindo remédio a tamanho escândalo: “As venerandas cinzas de tão egrégio varão, a quem Coimbra, a sua pátria, e as mais povoações vizinhas devem grandes benefícios, quiseramos se puzessem a melhor recato, mudando o túmulo para lugar mais decente, abrigando-o da inclemência das estações, a que está exposto”.
O nosso desejo anunciamos ainda hoje. Pedimos a quem com obrigação de conservar estes preciosos restos de tão famoso monumento “livre das intempéries do tempo o túmulo do conde D. Sisnando”.
(Cadernos Manuscritos do Dr. Mesquita de Figueiredo – L. 51 – pág. 77 a 82)
O conde D. Sisnando estará, para sempre, ligado à história de Tavarede. Foi ele que enviou para cá Cidel Pais, seu companheiro de armas, com a obrigação de repovoar a vila e de reconstruir a igreja de S. Martinho de Tavarede, que havia sido vítima da conquista muçulmana.
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