quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CULTURA DE ESPÍRITO


É por demais sabido, e, por isso, não gera controvérsia de qualquer espécie, que a cultura é o predicado que mais distingue os homens. E sabido é também, que os povos cultos, são, por via de regra, povos equilibrados, pacíficos, preocupando-se especialmente do seu bem-estar e das suas comodidades.


Hoje em dia, os problemas sociais são a pedra de toque dos povos civilizados. Variados como são, evoluindo a cada passo, trancendentes uns, mais simples outros, mas todos a solicitar urgente e sábia solução – precisam os homens a quem está cometida a tarefa de os resolver, de estarem apetrechados de uma cultura profunda. Superficialidades hoje não marcam. O progresso não se compadece com elas, porque elas só complicam os problemas, e dão lugar à anarquia que tudo destrói, quando o que se precisa é construir, solidamente a obra do futuro, donde irradie luz para todas as criaturas – luz que seja pão, que seja conforto, que seja alegria, que seja ventura.


Os problemas que assoberbam o mundo neste momento, são variados e dificieis. Chega a pensar-se, às vezes, que eles transcendem a inteligência do homem.


Ora, sendo assim, como poderão os povos incultos dar-lhes solução que se traduza em benefícios gerais? Ora sendo assim, como está provadíssimo que é, como podem os povos incultos apreender-lhes sequer os enunciados e tirar deles os proveitos que lhes oferecem?


Não. Os povos de cultura precária, não estão à altura da missão que a vida actual impõe. Neste mar alto de civilização que se vive hoje, os povos de pouca cultura, arriscam-se a ficar para trás, a serem espezinhados e olhados desprezivelmente.


Só a cultura torna os povos grandes, respeitados, admirados. Só a cultura abre aos povos amplas portas que vão dar aos palácios da ventura, do amor, da justiça – tudo isto absolutamente preciso ao homem, além do pão, que é a sua primeira necessidade, como afirmava Danton.


Estas consideraçãos vêm a propósito de uma récita que o grupo de Tavarede, veio dar à minha terra, num dos dias da semana passada. Como se sabe, o grupo é dirigido pelo valoroso democrata e jornalista José Ribeiro, que com a sua inquebrantável perseverança, tem marcado uma posição de relevo na sua terra, no meio figueirense e em muitas terras do país que conhecem a acção benemerente do grupo e bem assim a sua acção sempre norteada no caminho do bem fazer e, digamos também, a esplêndida exibição com que se apresenta, fazendo sombra a muitos conjuntos chamados profissionais.


A peça que o grupo cénico Tavaredense veio representar, era uma peça de tese, de fundo, focando um problema delicadíssimo, qual o da situação de certos filhos atirados para o Mundo, mercê das leviandades dos pais que se esquecem de que eles “Serão homens amanhã” – título da peça. José Ribeiro falou. Em cena aberta e no meio do espectáculo, ao agradecer a oferta de umas fitas coloridas que foram oferecidas ao grupo para se juntarem às tantas que cobrem o seu estandarte, disse palavras correctas, entusiásticas como sempre, e, como sempre, mostrando um conhecimento profundo dos assuntos do seu teatro, dos homens, dos acontecimentos.


A certa altura proferiu este conceito: “Têm-se construído muitos estádios municipais, mas até hoje, desconhece-se que se tenha construído um Teatro Municipal, no país”. Conceito lapidar, porque é infelizmente verdadeiro e porque põe em foco um problema de suma importância – o da cultura do espírito do povo.


José Ribeiro não quis desdenhar, certamente, da cultura física, pois não desconhece o quanto ela é necessária ao homem, mas quis antes que entre uma e outra haja um justo equilíbrio e se siga a regra que fixou o velho Juvenal na sua célebre frase . “Mens sana in corpore sano”.


De facto, em Portugal, o problema da cultura está errado – errado porque a cultura física que se ministra é atrabiliária, errado porque essa mesma cultura física, sendo feita apenas à base da força muscular desordenada, tapa as portas à cultura do espírito, quando a sua acção era abrir-lhas amplamente.


O Teatro é realmente um meio muito profícuo de desenvolver entre o povo a cultura do espírito, que tão precisa lhe é, pois ela é a base de todas as virtudes, nela assenta toda a sã moral e dela usufrui os prazeres e encantos da vida – que nem só de pão vive o homem. O teatro instrui, o teatro educa, o teatro é escola magnifica onde o homem purifica os seus sentimentos, onde aprende a ser digno, a não ser egoísta, a fazer o bem, a solidarizar-se com as desventuras do seu semelhante, ou a compartilhar, igualmente, das suas alegrias, pelas relações de amizade que estabelece.


A ideia, pois, da criação de um – digo – de vários teatros municipais no país, seria um impulso dado para a cultura espiritual do povo e, consequentemente, para o progresso da Nação e completaria a obra da criação dos estádios de desportos – duas forças que, conjugadas, redundariam nos mais benéficos resultados. Que bela ideia! Fazemos votos, os mais acalorados, por que tenha plena realização um dia, em Portugal.



(República - 27.09.1954)

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