sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro






O SENHOR DO ARIEIRO


“... recorda-nos uma outra (capela), que existiu, também para o lado poente de Tavarede. Era situada no cruzamento do caminho directo desta cidade aos Condados, e que daquele que vai de Tavarede a Buarcos, próximo da quinta de Luís António de Sousa e a uns quatrocentos metros para o lado do poente de Tavarede.

Existiu sob a invocação do Senhor da Arieira ou do Arieiro, naturalmente por ser edificada em um lugar aonde o povo ia extrair areia ou saibro para construcção de alvenarias. Em 186.. só existiam dela, no local, uns restos de alicerces e algumas pedras aparelhadas, soltas. Mais nada.

Contava-se na povoação que havia sido interdita e depois demolida em virtude dum sacrilégio cometido: Um desvairado qualquer foi em uma noite pendurar um enxalavar de caranguejos sobre uma cruz que lá existia, profanando assim aquele lugar sagrado, e daí a interdição.

O povo de Tavarede atribuíu o sacrilégio a algum pescador de Buarcos.

Ao certo nada sabemos desta narrativa, contentando-nos apenas da dicção da tradição como era contada entre o povo das proximidades da capela”.

Antes de continuarmos com a história do Senhor do Arieiro (preferimos esta forma à de Arieira, mas é só uma questão nossa), também queremos referir que, respondendo ao inquérito paroquial de 1721, o então pároco de Tavarede informa que “estava antigamente um nicho com Senhor Crucificado, no fim da terra para a parte do ocidente, que representava ser muito antigo; que hoje está fechado com porta e com toda a decência; que tem obrado muitos milagres; e vai obrando – suando a sua Santa Imagem e a coluna em que está posto, como se tem visto em certos dias”.

Nas “Memórias Paroquiais de 1758”, o cura Anacleto Pinto refere a ermida do “Senhor dos Milagres ou Arieira”, contigua a Tavarede, mas fora da povoação.

Depreende-se do exposto, que o nicho com a imagem do Senhor Crucificado foi transformado numa pequena ermida onde estava devidamente resguardada e protegida, a qual, depois do “sacrilégio” do “enxalavar”, foi demolida.

Quanto à imagem, uma notícia de 1899, publicada na “Gazeta da Figueira”, diz o seguinte: “Acabamos de saber que alguns paroquianos desta freguesia se vão agregar em comissão para colher dos habitantes da mesma freguesia donativos suficientes para o acabamento interior da capela do nosso cemitério, mandada edificar pela junta de paróquia presidida pelo saudoso e benemérito cidadão sr. João José da Costa.

Foi este malogrado cavalheiro quem teve a louvável ideia de se mandar ali construir aquela capela, com o propósito de nela ser colocada a veneranda imagem do Senhor da Arieira, e de servir também para lá instalar o Santíssimo Sacramento e as imagens que se vêem na igreja, quando por qualquer motivo isso fosse necessário.







Capela do cemitério actual, mandada construir por João José da Costa, presidente da Junta de Paróquia, para lá se colocar a imagem do Senhor do Arieiro

A comissão a que nos referimos vai oficiar à junta de paróquia, a fim de esta conceder autorização para levar a cabo os seus honrosos intentos, visto ela não ter até hoje, passados que são uns poucos de anos depois da morte do iniciador da construção da capela, o sr. João José da Costa, conseguido lançar nos seus orçamentos uma pequena verba destinada a acabar tão útil obra, começada por um homem a quem se deviam acatar e respeitar as intenções.

Honra seja, portanto, àqueles que vão concluir a capela, e oxalá que todas as pessoas desta freguesia contribuam para tal fim.

Agora há uma coisa séria a resolver e de que a mesma comissão vai tratar, que é de averiguar a forma como a imagem do Senhor da Arieira, dada a Tavarede pelos proprietários da extinta capela daquele nome, foi ter à casa de depósito do cemitério ocidental dessa cidade, sem que, segundo o que ouvimos, fosse autorizado para o fazer qualquer dos membros da junta.

Eis um assunto que aqui tem levantado grande celeuma, porque não só a imagem representa para os paroquianos de Tavarede um grande valor, mas também porque estava destinada a ocupar um lugar determinado por um homem cuja memória é sempre invocada com todo o respeito.

E, francamente, também não admitimos que a junta de paróquia ou algum dos seus membros possa assim fazer, leviana e inconscientemente, oferta duma imagem daquelas, como se fôra uma coisa sem valor e que de direito não pertencesse à nossa freguesia, que é como quem diz aos tavaredenses.

Senhor dos Milagres (foto internet)

Será bom que este caso se deslinde por homens que prezam os interesses e haveres da sua terra, e que não querem deixar-se lograr por quem não tem escrúpulo em praticar actos tão melindrosos”.

No dia seguinte (19 de Novembro de 1899) e no jornal “O Povo da Figueira”, surgiu uma nova notícia sobre o assunto. Vejamos:

“Devido a várias pesquisas que tenho feito, e a informações que de fontes limpas tenho recebido, acabo de saber de mais um escândalo para não chamar dois crimes. Eil-os:

Em tempos remotos, ouve um devoto nesta freguesia que mandou fazer uma capela no lugar do Arieiro (encruzilhada das estradas que vai da Figueira a Quiaios e de Tavarede a Buarcos). Este devoto mandou fazer um crucifixo para a dita capela, a que pôs o nome de – Senhor do Arieiro.

Esta imagem é dum trabalho admirável, em pedra, que na actualidade não era feito por 70$000 reis.

Passado pouco tempo desta acção religiosa ser feita, o devoto morria não estando a capela perfeitamente acabada.

Os herdeiros do falecido tomaram conta dos bens, entre eles a citada capela e a imagem que dentro dela estava.

Nesse tempo era pároco desta freguesia, o padre Bernardo da Silva, filho desta terra. O padre Bernardo lembrou-se de a pedir aos novos donos, o que fez e do que foi bem sucedido.

O crucífixo veio pois, em procissão do Arieiro para a nossa igreja onde muito tempo esteve exposta, sendo depois retirada com destino à capela do nosso cemitério, o que se não fez, por ainda não estar acabada.

Há poucos dias fomos passear ao cemitério dessa cidade, e na casa dos depósitos deparamos com o nosso Senhor do Arieiro! Sabem os leitores quem o mandou para lá?

Foi o nosso bom pároco Joaquim da Costa e Silva!!

O facto repugnou-nos tanto, que fomos ter com o guarda do cemitério a perguntar-lhe como tinha ido para ali aquela imagem; dizendo-nos em resposta foi em troca do sino que estava nos antigos Paços do Concelho (na Praça Nova).

Ora, o sino já cá está há muito mais dum ano. E a imagem está lá há poucos dias. Mas isto não basta.

Com que autorização trocou o padre Silva a imagem pelo sino sem ao menos a Junta de paróquia ter sido consultada? E com que auctoridade desapareceu da nossa igreja a velha Senhora do Rosário, que agora está substituída por uma que custou a um devoto 120$000 reis no Porto?

A primeira foi trocada por um sino que o povo sempre dispensou e dispensará.

A outra foi… naturalmente trocada a farrapos?

Isso não creio eu.

Não comento estes factos, apenas chamo para eles a atenção dos meus patrícios e em especial dos que pugnam pelos bens da terra que lhes serviu de berço.

Soma e segue”.

Durante a missa conventual de domingo, 19, foi dito pelo pároco, Joaquim da Costa e Silva, presidente da Junta de Paróquia de Tavarede, “que da melhor vontade auxiliaria a comissão que nos dizem ir preparar-se aqui para acabar as obras da capela que está sendo edificada no cemitério desta povoação”. Depois, e referindo-se ao caso da imagem do Senhor do Arieiro, disse que “se efectivamente ela estava exposta no cemitério ocidental dessa cidade, fôra para lá por algum tempo, voltando para Tavarede logo que isso fosse exigido. E agora, visto que se vai tratar de acabar a capela do nosso cemitério, e que é para ali que o Senhor da Arieira está destinado, ele viria imediatamente da Figueira”.

Acrescentou depois “o facto que o levara a dispensar para ali a referida imagem fôra apenas por saber que ela não era aqui necessária por enquanto e tanto mais por a ver desprezadíssima numa casa contígua à igreja paroquial. Como o Senhor volta para Tavarede, fica sanada esta questão e oxalá agora que a capela do cemitério se conclua”.

E não encontrei nada mais nos jornais figueirenses, nenhuma alusão ao caso da imagem do Senhor Crucificado, também chamado Senhor do Arieiro ou Arieira.


Nicho com imagem do Senhor Crucificado ou dos Milagres. (Foto retirada da internet)

(Continua)


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