(Muita coisa já tenho recordado destas 'Recordações de Tavarede, escritas pelo figueirense Ernesto Fernandes Tomás, e que foram publicadas na 'Gazeta da Figueira' ao longo do ano de 1896. Pareceu-me, no entanto, que seria interessante recordar toda a notícia. É muito interessante, pois dá-nos a conhecer a vida da nossa terra pelos anos de 1865/1868)
A um pouco que vamos dizer de Tavarede, não seria fora de propósito fazel-o, encimando os rabiscos com a epigraphe - Uma viagem á China. Para o leitor desprevenido ha-de parecer esta introducção a proposito d’um enygma. Pois não é. Explicando:
Ahi pelos anos de 1865, tendo voltado d’umas voltas pela America, no primeiro domingo que tinha adiante, depois da chegada, ouvi falar uns rapazes amigos em uns theatros em Tavarede.
Desde creança, um lamechas por divertimentos de tal genero, acompanhei até lá os amigos e sem mais demora... a caminho de Tavarede.
* * *
Tavarede era então um pequeno burgo, menos desenvolvido que hoje, anegrado por uns grupos de casas em derrocada, que serviram de habitação a uma população pobrissima de trabalhadores laboriosos, vivendo uns dias de trabalho n’esta cidade, enquanto que outros, transformando os terrenos á volta da antiga povoação, nos proporcionavam o gozo de um jardim de cintura, alegre, verdejante, provocando-nos ao viver no campo.
Tavarede assim, a povoação dos tempos coevos da monarchia, engrandecida mais tarde com o foral de D. Manoel, trazia-nos á memoria umas lendas tradiccionaes ali escondidas entre verduras e flores. Bons tempos esses!
Como até hoje, os edifícios que nos chamavam a attenção, mais pelo contraste da sua extensão, com a exiguidade das outras pobres construcções, eram: o Paço, a Igreja, a casa denominada - da Renda e uma outra ao cimo da povoação pelo lado do norte, que nos indicavam como a casa de Ourão. Ainda outra deixava de entrar n’esta relação, e que existe ainda com boa apparencia ao lado do caminho para a fonte da povoação, a que chamavam a - casa do sr. João Anselmo.
Quando por essa epocha entrei, pela primeira vez, no edifício do Paço, velho alcaçar aonde esteve D. Maria Mendes Petit, mãe de Pero Coelho, um dos que fizeram de D. Ignez de Castro uma victima, condemnada pelo seu amor clandestino; quando subi aquellas escadas de pedra, frias e humidas que iam dar ao andar nobre do edifício e percorri aquellas salas vastas, mas sem conforto, lembrou-me mais do que uma vez que por ali teriam andado os passos do velho soldado da India, D. Francisco d’Almada, que por lá teria pizado António Pereira de Quadros, e a ultima habitante do velho solar, D. Antónia Magdalena de Quadros e Sousa.
Estes últimos jazem hoje junto ao altar-mor, em carneiro, na egreja da Mizericordia d’esta cidade, edificado em terrenos que lhes pertenciam e ao antigo couto de Tavarede.
Percorrendo aquella antiquissima habitação, ainda encontrámos os restos d’um altar, n’uma das divisões ao lado do corredor principal que se dirige, no andar nobre, do norte ao sul. Um oratório, apresentando o seu esqueleto em madeira, tosca, conserva ainda ligados uns restos de forro de panno escuro, com umas linhas de galão sem brilho já.
De resto nada de interessante.
Descendo ao rez-do-chão do Paço encontrámos tambem os despojos, de madeira e ferro, de um vehiculo de luxo, que poderiam ter pertencido a uma sege ou carroção a bois, cuja entidade se escondia nas brumas do passado.
Uma tradicção que ouvimos do povo e que se liga á existencia d’umas columnas de marmore branco, muito correctas, que dividem a meio, verticalmente, as janellas da frente do Paço, hoje dos Condes de Tavarede, diz-nos que D. Francisco d’Almada, tendo combatido na India ou na Africa, os infieis, no assalto a um pagode do gentilismo, depois de o tomar, trouxe, para Lisboa, na armada, as columnas do pagode, que foram distribuidas como galardão áquelles que mais se distinguiram na guerra.
A egreja de Tavarede, na sua architectura acanhada e ornatos architectonicos ressentidos do cunho das construcções jesuiticas, é, como todos os outros edifícios, um exemplar dos da época quinhentista. Obedecendo ás pragmáticas e mandados dos frades cruzios, então n’esse caso dominantes, mostra-nos, em um edifício, o obrigativo das suas regras, o seu sello de auctoridade, isto como em tudo que os tivesse de authenticar. Nada sabemos da época precisa da sua fundação.
Nas cauzas que dizem respeito á historia das povoações do nosso concelho, encontramos em tudo uma falha quasi completa de dados auctorizados, que nos faz vacillar, para descrever, sem mentir.
Da casa de Ourão, apenas nos consta que uma gente de linhagem fidalga possuia esta casa, e que alguns habitantes de Tavarede lhe eram obrigados ao pagamento de fóros de que eram senhoria. (Gazeta da Figueira - 8.2.1886)
Adorei!
ResponderEliminarJá agora aproveito para lhe desejar um Santo Natal com saúde. Beijinhos a todos.
Sandra Grilo