quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

RECORDAÇÕES DE TAVAREDE

Como iamos dizendo - ás cegas percorriamos as ruas de Tavarede sem um raio de luz, e a este propósito, abrimos uns parenthesis, para lembrar á exma. camara municipal a necessidade de ali mandar collocar meia duzia de candieiros a petroleo, o que pouco custaria, attendendo a que existem no armazem das inutilidades alguns, que pertenceram á antiga illuminação da cidade e que poderiam ser aproveitados.


Tavarede, assim como Buarcos, em um futuro mais ou menos proximo, constituirão bairros da cidade, e isso prevê-se pelo continuo estender de casaria pelas estradas que mutuamente as liga. Devia isso trazer um encargo, mais, para o magro cofre municipal, no entanto, mais um real ou dois que cada contribuinte pagasse, sair-lhe-ia da algibeira sem clamor, compensado com o beneficio recebido. Depois, por Tavarede faz se transito nocturno pela estrada que atravessa a povoação, e serve Buarcos á exportação das suas pescarias que se dirigem por ali a Brenha e outros pontos de seus áros.


Uma tal medida, tomada, tendo por base estas rapidas considerações que fazemos, com certeza alliadas a outras que agora não explanamos, seria bem acolhida e digna de benemerencia uma camara que a pozesse em pratica. Oxalá a nossa opinião fosse ouvida.


* * *


Prosseguindo... Palpando (com os pés) aquelle solo de Tavarede e de noite, como diziamos, encontramos um rapazito dos nossos passados tempos - hoje homem - o Joaquim Nunes, a quem pedimos para nos ensinar a morada d’um dos contemporaneos dos primeiros tempos das nossas visitas á povoação, que nunca nos passou da memoria, além d’outras cousas, pelo vermos representar no theatro do Paço de Tavarede, n’um drama - Os miseraveis de Londres - n’um papel em que dizia com toda a ingenuidade local: - Jorze, Jorze! se tens frio não tirel-o o capote...


Este contemporaneo dos bons tempos era, e é - um rapaz, trabalhador, um mouro no trabalho - Antonio d’Oliveira. Mal diria elle que, áquella hora, o procurava, depois d’um interregno de vinte e tantos annos!


Batemos lhe á porta, nós e o Joaquim Nunes.


Ignorando quem seria respondeu-nos da cama:
“Já estou deitado!”


Ao outro dia ficou com pena de se não ter levantado, quando soube quem eramos.


* * *


Ainda com o Nunes por companheiro pedimos lhe para nos indicar a morada de Antonio da Silva Proa e dizendo-nos estar atarefado na construcção d’um theatrinho, lá para o centro da povoação, ali fomos.


Encontrámol-o com dois carpinteiros que trabalhavam no tecido do palco, e no meio de admirações de me ver n’aquella povoação foi me dando o braço arrastando-me a sua casa, aonde fomos dar.


A sua esposa, a Emilia do Cura, d’outros tempos, apresentava-se ainda com a sua natural bonhomia, affavel, boa moça como então era.


Enleiamos uns cumprimentos rapidos cheios de alegria mutua, e o Antonio Proa, arrastando-nos sempre, e sempre prazenteiro, ferrou comnosco na sua adega...


Pouco tempo nos detivemos n’aquella mansão, porque, afinal, o Antonio tinha o theatrito a fervilhar lhe na cabeça. Era preciso lá ir. Palco, panno da bocca, bastidores, etc., absorviam-no.


Se não conhecem o Antonio a que nos referimos, dir-lhe-emos que é o genio mais typico do genero fervilha. Não pára, não descansa, e em tendo que levar por deante um emprehendimento é capaz de não dormir seis dias ou mais.


Generoso como o pae, que a fortuna ainda lhe conserva, é como elle intelligente, e um operario esculptor digno de menção no nosso acanhado meio. (Gazeta da Figueira - 14-3-1896)

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