Podemos calcular a enorme vastidão dos dominios territoriais da Casa de Tavarede pelo que o Dr. Santos Rocha escreveu, no livro ‘Materiais para a História da Figueira – séculos XVII e XVIII’. “… só no século XVIII a Casa de Tavarede começou a fazer concessões de terrenos para se construirem casas, tanto no lado setentrional da rua Bela, na parte que abrange as três primeiras casas do lado do nascente, como no lado ocidental da rua de Santo António e no lado oposto da mesma rua, e bem assim na rua, travessas e ladeira da Lomba e no lado oriental da rua da Bica; ainda em 1761 os representantes da Casa de Tavarede diziam numa escritura: ‘que eles eram senhores e possuidores de um chão pousio, sito por baixo de Santo António da mesma Figueira, a cujo pousio chamam a Lomba…’. Outro cerrado abrangia o Mato e a costa oriental do Monte até à Rua da Fé, entre o rio e o caminho da Várzea e constava como terra de pão, mato, pedreiras e barrocos. A Casa de Tavarede vendeu-o em 1738. Um outro cerrado estendia-se, desde o sítio da Lapa e do Mato, pelo Vale até ao caminho de Santo António. Ainda nos princípios do século XVIII a Casa de Tavarede aforou ‘uma jeira de mato, no monte, confinante com a estrada das Lamas, sob a condição do enfiteuta a reduzir a cultura…’”.
A primeira questão com o Cabido de Coimbra de que encontramos nota, data de 1535. Trata-se de um Auto de Inquirição de testemunhas, datado de 15 de Julho daquele ano, a requerimento de António Fernandes de Quadros, nomeadas contra o Cabido sobre os terrádegos. E, no ano seguinte, ‘Contra os Quadros (cartas régias a respeito de António Fernandes de Quadros, - apontamento do cabido da sé de Coimbra para El Rei nosso senhor sobre António Fernandes de Quadros, morador em Tavarede). Estes elementos, e muitos outros que se seguirão, foram retirados do trabalho ‘A mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira’, do Dt. Rocha Madahil.
Como referimos, António Fernandes de Quadros casou com D. Genebra da Fonseca. Já não seria novo, embora não saibamos a data do seu nascimento, que, como já se referiu, se presume ter sido por volta de 1475. Não se sabe ao certo quando se realizou o casamento. No entanto, uma provisão do rei D. João III, datada de 30 de Agosto de 1523, ordena ao Almoxarife ou recebedor da Alfândega de Aveiro, que do rendimento deste presente ano de 1523, deis a António Fernandes de Quadros, sessenta mil reis de dote do seu casamento de cavaleiro. Foi Andre de Quadros, residente em Aveiro e procurador do fidalgo de Tavarede, seu parente, quem recebeu aquela importância, em duas prestações, emitindo o respectivo recibo em 5 de Setembro de 1524. Pode-se concluir, por estes documentos, que o casamento terá ocorrido no ano de 1524.
Deste casamento resultaram três filhos:
- Fernão Gomes de Quadros, primogénito e herdeiro;
- D. Filipa de Azevedo, que casou com António Homem, natural de Soure, que foi contador em Coimbra;
- D. Ana de Azevedo, freira no Convento de Celas, em Coimbra.
Foi um grande benfeitor do Convento de Santo António, fundado por Frei António de Buarcos, no ano de 1527. “ …Mas estes destroços, e os do tempo, não tiveram nem terão eficácia para riscarem da memória dos nossos religiosos, o nome do ilustre Cavaleiro António Fernandes de Quadros, seu particular devoto e benfeitor, antes pretendemos restituir-lhe a glória que outros lhe usurparam, dizendo que a capela mor deste convento se devera a Fernão Gomes de Quadros, seu filho, o que é totalmente alheio da verdade: porque o letreito da pedra, que cobre seu corpo no meio da mesma capela, está requerendo justiça e clamando que esta capela é sua, e nela fora sepultado no mês de Julho de mil quinhentos e quarenta, que foi a ocasião em que passou da vida presente.
Por este epitáfio, consta que já neste tempo era seu o padroado da capela e que Fernão Gomes, seu filho, entrara nele mais por sucessão do morgado, que por doação do convento. Também o escudo das suas armas, gravado no arco da mesma capela e remate da abóboda, declaram que é sua desde a fundação da casa. Porém, o nome de seu patrono e titular, Santo António, posto que fosse muito do agrado e gosto daquele instituidor, foi eleição do venerável padre Frei António de Buarcos, autor principal de toda a fábrica do convento…”.
Igreja do Convento de Santo António
(O convento era no edifício ao lado. Posteriormente foi adquirido pela Santa Casa da Misericórdia, que remodelou o edifício e ali montou um hospital, que funcionou durante muitos anos, até ser inaugurado o novo hospital, sito na margem sul do Mondego. Actualmente é a sede da Santa Casa, tendo uma das suas dependências de assistência)
António Fernandes de Quadros teve um papel muito importante na nossa terra. Podemos apontar três casos dos mais significativos realizados por aquele fidalgo: estabeleceu e aumentou, de forma considerável, a sua Casa, nomeadamente com o aforamento da ilha da Morraceira; a instituição de um morgado, cuja aprovação solicitou ao rei D. João III, mas a qual não chegou a receber, pois, entretanto, faleceu; e a sua participação na fundação do convento de Santo António, como já referimos.
Debrucemo-nos, para melhor nos inteirarmos do que acima fazemos referência, sobre os diversos elementos que, para o efeito, conseguimos reunir. E, antes do mais, desejamos prevenir que as nossas limitações foram muitas. As pesquisas que fizemos foram, praticamente, todas realizadas na Biblioteca Municipal da Figueira da Foz, onde, além da imprensa local e alguns livros escritos por figueirenses estudiosos e ilustres, lemos e analisámos, com os nossos parcos conhecimentos na matéria, os cadernos manuscritos legados pelo Dr. Mesquita de Figueiredo, que recolheu as suas notas enquanto conservador da Torre do Tombo, em Lisboa, e nos arquivos do Cabido de Coimbra, e o importante trabalho do Dr. Rocha Madahil, publicado no ‘velho’ Album Figueirense, sobre a mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz, e que fez as suas pesquisas nos arquivos da Sé e Universidade de Coimbra. E, prestado este esclarecimento, nada melhor do que transcrevermos o seu testamento. Ressalvamos, contudo, possíveis erros que possam existir, devido à dificílima leitura dos referidos cadernos acima citados:
“Eu, António Fernandes de Quadros, faço, pelo presente, o meu testamento. Primeiramente recomendo minha alma a Deus, pedindo-lhe que, pelos merecimentos da sua sacratíssima Paixão e precioso sangue que derramou pela redenção e geração humana, haja misericórdia de mim e me queira perdoar meus pecados e dê graças para que acabe em salvação.
Mando que o meu corpo seja enterrado na capela da Igreja do Mosteiro de Santo António da Figueira. Deixo por minha testamenteira Genebra de Azevedo, minha mulher, e assim a deixo por tutora e curadoura de meus filhos, porquanto a dita Genebra de Azevedo e eu próprio havemos assentado fazer um morgado de todas as nossas terças, ressalvando cada um de nós até cem cruzados, para nossas exéquias e se dispenderem no que nós quisermos; digo, por mim, que se aparte e tomem todas as minhas terças, de que se tire cem cruzados que se entregarão à dita Genebra de Azevedo, minha mulher, e ela os dispenderá nas minhas exéquias e naquelas coisas que ela já de mim sabe em que os há-de dispender, dos quais ditos cem cruzados mando que lhe não seja tomado contas.
Tudo mais que ficar de minha terça, mando que se tome na Lezíria da Veirôa e nas casas principais de Tavarede, se lhe puderem caber, e que da dita minha terça e a que sair da dela, minha mulher, se faça um morgado, que ficará a Fernão Gomes, nosso filho, mais os fornos de Tavarede, e em toda a sua geração, e, falecendo ele, sem filhos legítimos, ficará a uma das nossas filhas, à mais velha, o qual morgado andará sempre no filho mais velho lídimo, se o houver, ou na filha mais velha, não o havendo; não a havendo, também, passará o morgado para o parente mais chegado, e sendo dois ou mais no mesmo grau, sempre procederá o varão.
Peço a El-Rei nosso senhor que haja por bem que neste morgado entre a legítima que o dito Fernão Gomes, nosso filho, venha a herdar por falecimento meu e da dita Genebra de Azevedo, sua Mãi; e se o dito Fernão Gomes não quiser que as suas legítimas sejam metidas no morgado, hei por bem que ele não haja o dito morgado e o haja uma filha mais velha, contanto que suas legítimas entrem no morgado como atrás é dito do Fernão Gomes.
Falecendo o dito Fernão Gomes, se suceder no morgado, sem ter filho legítimo, e havendo de haver o morgado a nossa filha, entram suas legítimas nele, como atrás é dito; e mando que o dito Fernão de Quadros, meu filho, e todos os seus sucessores no morgado que se houver de fazer, serão obrigados a deixar, cada um, a terça da sua terça, para se juntarem a este morgado; e se os possuidores do dito morgado não tiverem legítimos descendentes, serão, em tal caso, obrigados a deixar, para juntar ao dito morgado, a terça parte de toda a sua fazenda; e se os ditos sucessores quiseram deixar mais da sua fazenda para acrescentamento ao dito morgado, poderão fazê-lo; e não será possuidor do morgado quem não deixar o terço da sua fazenda para o morgado, como dito é.
A pessoa que suceder no dito morgado, faça meter no mesmo tudo como é dito, ficando o dito Fernão Gomes, meu filho, e todos os seus sucessores, a serem obrigados a mandar dizer, em cada ano e na dita Igreja de Santo António onde estará meu corpo, 100 missas, a saber: três cantadas, uma pelo dia de Nossa Senhora da Anunciação e outra no dia de Santo António, pelas festas que se realizem, e outra dos finados, pelo seu dia, e as outras rezadas com responso, sobre minha sepultura, e estas missas se digam pela minha alma e da dita Genebra de Azevedo, minha mulher e das outras pessoas que deixarem fazenda ao dito morgado.
E porque eu, ao presente, estou doente e não sei o que Nosso Senhor fará de mim, e não tenho tempo para haver tão cumprido conhecimento das condições que devo meter no morgado, além das que neste testamento digo, nem o posso fazer com a dita minha mulher com aquela solenidade e condições que se requerem; mando que o testamento que a dita Genebra de Azevedo, minha mulher, fizer com o consentimento e conselho de André de Quadros e de Pero d’Azurara, de Montemor, meus primos, seja bom e se cumpra, e todas as condições que nele meterem hei por bem e que se cumpram inteiramente, como se eu as aqui houvesse ditas e declaradas e hei por bem que todas as condições metidas neste testamento se cumpram.
E acontecendo que falecendo minhas filhas ou cada uma delas sem serem de idade para fazerem testamento, que a terça parte de toda a sua fazenda seja encorporada e metida neste morgado, e se ao tempo que elas, e cada uma delas, falecerem e a dita Genebra de Azevedo, sua máe, por falecida, hei por bem que toda sua fazenda e herança seja metida e encorporada no dito morgado que aqui hei por deixado.
E porque a dita Genebra de Azevedo, minha mulher, e eu temos assentado de fazermos de nossas terças este morgado, como dito, hei por bem que fazendo ela dentro de um ano um testamento em que deixe sua terça a este morgado pela maneira que atrás é dito e houver confirmação de El-Rei nosso Senhor deste morgado, para ficar de tudo assentado e feito dentro em outro ano, que serão dois anos que se estenderão do dia do meu falecimento para diante.
Hei por bem que esta minha terça, e morgado que faço, fique a dita Genebra de Azevedo, minha mulher e testamenteira, em dias de sua vida, com seus encargos, e para melhor ela poder sustentar sua pessoa e encaminhar nossas filhas e enquanto assim possuir o dito morgado, será obrigada a prover e sustentar o dito Fernão Gomes, segundo sua pessoa e as possibilidades dela; e por seu falecimento, fique o dito morgado ao dito Fernão Gomes, nosso filho, e sendo ele falecido, sem filhos, como atrás é dito, à filha mais velha, como dito é.
E se a dita Genebra de Azevedo se casar, hei por bem que ela não possua o dito morgado, mas seja logo do dito nosso filho e assim lhe seja tirada a tutoria e administração de meus filhos; e falecendo a dita minha mulher antes de meus filhos serem de idade maior ou casando-se, deixo por seus tutores e curadores aos ditos André de Quadros e Pedro d’Azurara.
E sendo caso que o dito meu filho ou os sucessores do dito morgado fizerem algum erro contra a lei de Deus ou contra lesa Magestade ou outro excesso tal que por direito deva perder seus bens, o que prazará a Deus que não será, eu lhe hei por tirado o dito morgado e mando que logo seja do seu sucessor.
Recomendo e mando e rogo ao sucessor do morgado que faça, à sua própria custa, o coro aos frades em Santo António e mais corrigirá e reparará as obras do que for necessário, a saber, o telhado e goteiras.
Mais disse, ele dito António Fernandes, que sendo caso que os padres mandem trazer de Flandres o retábulo para a capela, que o sucessor do morgado lhes dê, para ajuda dele, 20 cruzados.
Mando a todos os possuidores do dito morgado que paguem muito bem as missas aos padres do dito mosteiro e também saibam se se dizem, e vindo algum que também as não queira pagar, mando que as pague, ao menos segundo constituição do Bispado; e mais mando que lhe dêem em cada ano, para sempre, 8 arratéis de cera para as candeiras das ditas missas, e quatro alqueires de azeite para alumiar a lampada da capela.
Rogo e recomendo aos ditos meus sucessores do dito morgado, que olhem pelo que cumpre e bom aproveito do dito mosteiro e procurem por ele, e quando souberem que tem necessidade de mantimentos, ao dito mosteiro de mantimentos o ajudem com suas esmolas como puderem.
E por aqui, disse ele, dito António Fernandes de Quadros, que havia seu testamento por acabado, e roga a mim, Bento Vaz, clérigo de missa, e morador no dito Couto de Tavarede e capelão de Nossa Senhora do Rosário e de Santo Aleixo, que este escrevesse, e eu a seu rogo o escrevi, e ele assinou por sua própria mão; o qual foi feito aos 8 dias do mês de Maio da era de 1540 anos. - António Fernandes de Quadros - e eu, Bento Vaz, o assinei por minha mão e reli.
- Mais disse que todos os bens que assim os ditos sucessores deixarem ao morgado, por via da terça, como por via de herança, sejam em bens de raiz aqueles que mais pertencentes forem ao morgado e não os tendo em raiz que se curem dentro de um ano.
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