sexta-feira, 18 de maio de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 28

1958.01.15 - A NOSSA CASA, EM COIMBRA (O DESPERTAR)

“Começou a época teatral em Coimbra”, poderíamos nós escrever se, de facto, a esta frase linda correspondesse uma realidade. Infelizmente não é esse o caso e, de acordo com as ideias que temos exposto em O Despertar, preferimos dizer que “tendo acontecido ser necessário um amparo financeiro às obras sociais do Centro Operário Católico e da Liga Operária Católica Feminina, aconteceu que uma Comissão se constituiu e foi pedir o auxílio, sempre pronto para a generosidade, do Grupo de Tavarede, que, uma vez mais, veio até Coimbra, oferecendo-nos o acontecimento teatral, que oxalá não seja único, desta época de 1957-58 – a “reprise” de “A nossa casa”, de George Mitchell, em tradução de António Sacramento”.

Há duas épocas, para o Asilo da Infância Desvalida; na época finda, para a Associação de Socorros Mútuos dos Empregados no Comércio e na Indústria (e não queremos alongar-nos citando as apresentações anteriores, sobre as quais nada escrevemos, e de que beneficiaram tantas outras instituições coimbrãs) – sempre o Grupo de Tavarede, grupo de trabalhadores que consagram os seus ócios a cultivarem-se e a prepararem-se para difundir a Cultura através do Teatro, tem vindo dar esta tripla lição de Arte, Benemerência e Constância de propósitos à cidade dos doutores, à Lusa Atenas.

... E Coimbra que, desde 1933 e quase anualmente (nalgumas épocas até mais de uma vez) assiste às lições, com uma cabulice que não se justifica, só tem demonstrado, sem discussão, que nada aprende, fazendo-nos recear até que se encontre já insusceptível de aprender alguma coisa de útil.

E – basta de lamentações!... – vamos à peça.

“A nossa casa”, de Mitchel, é, realmente uma peça muito interessante e curiosa – interessante porque, de onde em onde, afloram problemas de interesse (como sejam, além do fundamental da peça, quando o pequeno Cláudio, no III acto, afirma: “Se afinal é uma questão de dinheiro que os separa, é preciso reconhecer que o dinheiro é uma coisa muito má” ou, também no III acto, quando o avô Bonardon reconhece “É muito mais fácil ser bom do que ser justo”); curiosa porque, à velha maneira da tragédia grega, a luta não se estabelece propriamente entre personagens, mas entre a personagem principal e a fatalidade suprajacente. Daqui a existência de um protagonista – o armador Bonardon – e deuteros e tritagonistas, e resquícios de um coro (não explicativo, pois de tal não havia necessidade), a enquadrá-lo, a realçar-lhe todas as suas virtudes positivas ou negativas.

Neste momento julgamos indispensável dar um resumo da acção para que os leitores, que não conheçam a peça, possam acompanhar a nossa ideia

Cláudio Bonardon, importante armador de veleiros do Havre na transição dos séculos XIX-XX, tem uma ambição na vida: - a manutenção do seu nome (diremos melhor: - do seu apelido), cada vez mais firme e mais digno. Face aos Montmorencys, aos Angoulêmes, aos d’Herblays, duma aristocracia em decadência, ele quer impor cada vez mais o seu burguesíssimo Bo-nar-don, criado por ele próprio, à custa do seu esforço, da sua perseverança, da sua luta incessante, da conquista progressiva das rotas comerciais de todos os oceanos.

O seu único filho, Cláudio como ele, foi um fracasso. Como é frequente nos filhos de pais ricos que, não obstante todas as suas boas intenções familiares, não conseguem educar capazmente os seus descendentes, Cláudio II foi um mau filho, um péssimo marido (havia casado com Mariana, filha de Próspero Parjolier, velho e dedicado empregado da casa, só dado à bebida e aventuras fáceis, e com um só mérito – deixar descendência. O primogénito foi uma rapariga, mas, anos depois, Mariana havia dado à luz um rapazinho que passou a ser o alvo de todas as atenções do velho Bonardon – a criança seria Cláudio III, o continuador do nome.

E a vida, bafejada pela prosperidade, decorre calma e feliz, com Bornardon em discussões amigáveis com Parjolier (de quem é tão amigo que com o seu nome baptisa o mais recente veleiro que tem em construção) acerca dos seus netos, a acarinhar e a promover a educação de Cláudio e de Cristina, a estimar a nora e a tentar adivinhar a causa da tristeza que esta patenteia permanentemente. Isso não o impede, claro está, de zelar os seus interesses, confessando que manda alimentar e cuidar dos seus contratados como nenhum outro armador, pela razão simples de que, sabendo eles tal coisa, não desertarão dos seus navios, colocando-o em dificuldades.

Um dia, porém, a fatalidade fez-lhe conhecer a realidade terrível: - Mariana tivera um amante ainda durante a vida do marido, e um dos seus filhos não é o de Cláudio Bonardon II mas do amante, de João Remy. E então surge o grande problema do velho Bonardon – não o facto da nora ter tido um amante, mas o facto de ter tido um filho dele, e, portanto, ou Cristina ou Cláudio não ser, realmente, um Bonardom.

Ameaças, rogos, subtilezas, de tudo o velho Bonardon se serve para se esclarecer, para resolver o seu problema – o problema da manutenção da casa, que nós melhor diriamos: da persistência do seu nome – mas sempre em vão.

Passados três meses, ao fim de milhentas deduções, Bonardon chega à conclusão horrorosa de que seu filho havia sido o pai de Cristina, mas Cláudio era o resultado do adultério de Mariana com João Remy. Cláudio, oficialmente Bonardon também, no qual depositava todas as suas esperanças, era afinal, e de facto, Cláudio Remy. Pois bem, procederá como deve proceder Cláudio Bonardon, armador de navios, do Havre, conhecido em todo o mundo.

E quando o público supõe que o velho armador acabará por ceder, não propriamente com receio do escândalo mas por ter um continuador do seu nome (solução já explorada por romancistas e teatrólogos – lembramo-nos, de repente, Paço de Arcos, supomos que no “Caminho da culpa”), a verdade é que ele cede, sim, mas porque, tal como acontecia ao velho criado Justino em relação ao afilhado João Marru, ama entranhadamente o seu pequeno Cláudio, porque foi ele que o educou e dele recebeu todos os tesouros que a infância e a juventude concedem sempre aos seus educadores. Bonardon reconhece que – como o nosso Povo diz: “tê-los é dor; criá-los é amor” – não é rigorosamente justa a sua decisão, mas é a única admissível, porque é humana.

... E tudo acaba em bem.

Esta é a história, vejamos o seu desempenho:

O protagonista, já o referimos com a acepção grega clássica, é Bonardon. João Cascão foi, realmente, Bonardon – nada mais nos parece necessário acrescentar. Apesar disso não podemos deixar de dar o merecido realce à forma como segurou a cena do II acto, contracenando com Violinda (a quem cabem iguais louvores), interrompida pelo gargalhar da assistência como comenta; “O bom Deus meteu-se numa coisa que não lhe dizia inteiramente respeito!”.

Violinda Medina e Silva defendeu a sua Mariana com toda a sua arte e experiência do palco. Não podemos esquecer sua excelente mímica, por exemplo, ao entrar pela primeira vez em cena, quando o pequeno Cláudio transpõe a janela para ir abraçar, mais depressa, o velho Bonardon.

Parjolier foi dado, muito razoavelmente, por José do Nascimento.

Teresa de Oliveira foi Mamette, a criada de confiança de Mariana e sua intermediária na recepção das cartas de João Remy. Não tão feliz como quando nos deu a Morgada de Loures, de “A Conspiradora”, teve uma actuação meritória, só nos parecendo ter de corrigir o andar marcial que algumas vezes utilizou e um encolher de ombros demasiado repetido.

Aurélia Serra, que tão boas provas dera na Maria Helena, de “A Conspiradora”, teve uma interpretação episódica em que cumpriu inteiramente.

João de Oliveira Júnior compoz muito bem o seu tabelião Égalisse. Não nos surpreendeu, aliás, dadas as suas actuações anteriores em “A Conspiradora” (Conde de Riba de Alva) e no Miguel de Sande (dos “Peraltas e Sécias”)

Justino foi João Medina, e os créditos conseguidos com o Marquês de Sande (nos “Peraltas e Sécias) mantiveram-se, não obstante no início da peça ter dado pouco audivelmente duas frases, de interesse para a caracterização da personagem e ulterior resolução do conflito, referentes à chegada do seu afilhado Marru e ao enorme interesse em ir recebê-lo.

João Marru, segundo ouvimos dizer, não foi realmente desempenhado por Manuel Cerveira, impossibilitado de comparecer por doença. O seu substituto houve-se, porém, com toda a galhardia, o que aliás era de esperar num soldado da infantaria da marinha...

Um carteiro completou o elenco com os dois jovens Madalena Nogueira (Cristina) e Armando Braz (Cláudio). Sobre o primeiro nada há a referir em seu desabono; quanto aos dois manos só há que afirmar-lhes isto: - Deram boas provas, têm bom Mestre e conscienciosos Condiscípulos mais velhos. Não se envaideçam, não esqueçam as lições que constantemente estão a receber – e continuem trabalhar!

O ponto, António Domingues, desta vez ciciou um pouco mais forte do que é habitual; a contra-regra de Adriano Silva foi certa, como sempre. Permitimo-nos, porém, chamar a sua atenção para o movimento do pano do fundo do I acto, representantivo do oscilar dos barcos, e para as sombras projectadas no pano do fundo do III acto pelas personagens que iam entrar em cena mas muito antes de ser admissível que essas sombras fossem vistas.

Os cenários, dentro do estilo da peça, eram bons (um pouco menos bom, a nosso ver, o do I acto), e o mobiliário certo no II acto, um tanto heteróclito no I e admissível (ou não, conforme os critérios) no III. Devemos esclarecer, desde já, que, para nós, este mobiliário estava certo, pois condizia à riqueza da sala, e julgamos que nada impedia um armador do Havre, relacionado comercialmente com todo o Mundo e que servia aos seus convidados Vinho da Madeira, de ter em casa uma mobília D. João V. Seria mais lógica uma mobília Império ou em estilo flamengo – e onde encontrar essas mobilias nesta Coimbra doutora? -, mas a D. João V utilizada estava de acordo com o ambiente.

As caracterizações, como sempre, perfeitíssimas e a orquestra actuou com agrado. Pormenor saboroso: a assistência manteve-se muda e quêda quando foi executada, em muito bom nível, a selecção da ópera Madame Butterfly, de Puccini, e, em parte, palmeou quando (extra-programa) a orquestra tocou um fado. Absolutamente elucidativo!

Duas palavras sobre a tradução. Não conhecemos o original de Mitchel, por forma que, em consciência, não podemos avaliar devidamente os méritos do tradutor. Uma expressão, em todo o caso, nos feriu a atenção no III acto, além da repetição insistente de brutal, e palavras derivadas, no II e no III – quando Parjolier diz a Bonardon: “Venho dar-te a minha demissão”.

Manifestamente que teria sido preferível empregar a frase: “Venho apresentar-te a minha demissão”, pois, entre nós, quem dá ou concede a demissão é o superior hierárquico e, quem se quer demitir, pede ou apresenta a sua demissão. Igualmente nos parece que teria sido preferível, por menos complexo, substituir a frase de Bonardon para Parjolier, também no III acto, “... uma pergunta para me identificar completamente” por estrouta: “uma pergunta para me elucidar (ou esclarecer) completamente”. Utilizando o verbo identificar, julgamos que a frase deveria ter sido completada, por exemplo, do modo seguinte: “... para me identificar completamente com esse vosso enredo”.

E chegámos à encenação.

A peça, como não podia deixar de ser, foi encenada por José Ribeiro – o que significa que as marcações são perfeitas, a cena está sempre equilibrada, a movimentação das figuras é harmoniosa e lógica, e as personagens sabem para onde vão, quando devem ir e porque vão para lá. Num pormenor, porém, discordamos, desta vez, de José Ribeiro – em não ter vestido a peça à moda de 19... e poucos (os únicos problemas seriam os vestuários de Mariana, Cristina e Cláudio), pois isso destruiria o efeito de perplexidade ao depararmos um guarda-livros embaraçado para rectificar uma soma errada na importância de oito cêntimos ou a surpresa agradabilíssima de Mariana e Cristina por receberem, em recordação da viagem efectuada por Bonardon a Ruão, mil francos cada uma, que actualmente mal lhes permitiria comprar (se permitisse) um par de meias. É certo que na parede do escritório (I acto) lá estava um cartaz anunciador de um Congresso de Pesca de 1910 ou 1912, mas isso teria sido visto (se é que foi) num acto, e o vestuário actual das personagens estava sempre presente.

Vão extraordinariamente longas estas apreciações (o António de Sousa deve ter apertado as mãos na cabeça não sabemos quntas vezes...) mas julgamos que a obra de Cultura que José Ribeiro e o Grupo Cénico da SIT têm realizado e continuam a realizar, merece bem que lhe concedamos a nossa atenção interessada.

Mais uma vez, pois: - Muito bem! E... até aos “Velhos”!

1958.03.13 - FREI LUÍS DE SOUSA, EM POMBAL (O ECO DE POMBAL)

Pombal teve o prazer de assistir a mais um magnífico espectáculo do grupo cénico de Tavarede.

Como sempre, a gentileza do consagrado mestre que é o sr. José Ribeiro, a contracenar com a extraordinária habilidade do seu grupo.

Tivemos oportunidade de lhe dizer que ainda para além da actuação no palco admiravamos o que a acção de tão simpático agrupamento encerra de generosidade e altruísmo. Assim é. Quem vem de tão longe e com tão complicadas bagagens para regressar altas horas da noite a sua casa sem outra recompensa que não seja a satisfação de ter dado mais um passo ao encontro do seu semelhante, é porque tem, realmente, um conceito de fraternidade que impõe a maior consideração e respeito. Do contraste com o egoísmo que caracteriza os tempos que vão correndo, resulta a admiração que afirmamos.

“Frei Luís de Sousa” teve nos amadores de Tavarede uma interpretção que facilmente leva qualquer espectador desprevenido à convicção de que está em presença de bons profissionais. Telmo Pais, Maria e Madalena estariam bem em presença de qualquer intérprete exigente do pensamento de Garrett.

Esta referência especial não representa reparo aos restantes, tanto mais que, em naturalidade, não conhecemos melhor do que aquele Frei Jorge que nos dizia o que queria falando com as mãos e com os olhos.

Colocando-nos neste ponto de observação sentimo-nos à vontade para discordar do sr. José Ribeiro o referir, nas suas palavras à assistência, um “recurso ao ferro velho” na classificação dos recursos dos seus dedicados colaboradores.

Enternecedora a simplicidade da cerimónia em que uma velhinha beneficiária da “Sopa dos Pobres”, entregou ao Director do Grupo um ramo de flores brancas, a que o Presidente da Direcção dos Bombeiros, também em nome da Direcção da Sopa dos Pobres, chamou o testemunho da sinceridade que aquelas duas instituições punham nos seus agradecimentos.

O sr. José Ribeiro, num dos fidalgos gestos que o caracterizam, beijando as mãos daquela “sua irmã” mais desprotegida, afirmou, como única preocupação em toda a sua actividade, contribuir desinteressadamente para minorar o sofrimento do próximo, pela eliminação das necessidades e sofrimento do nosso semelhante.

Agrada-nos registar o entusiasmo com que o público de Pombal aplaudiu tão simpático como distinto e conceituado agrupamento.

Finalizamos estas considerações transmitindo a todos – Grupo Cénico de Tavarede e público de Pombal – os melhores agradecimentos dos Bombeiros de Pombal e da Sopa dos Pobres.

Foi um esforço magnífico em que alguns pombalenses deram a sua contribuição de dois modos, tendo outros marcado a sua presença embora impossibilitados de assistir ao espectáculo. Pena foi que os resultados não fossem materialmente mais compensadores, por terem sido grandemente prejudicados por encargos que não foi possível evitar.

1958.07.05 - OS VELHOS, NO PENINSULAR (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)

D. João da Câmara, poeta e dramaturgo, escreveu muitas peças teatrais, de géneros diferentes, passadas em meios de várias camadas sociais, e desde a simplicidade rústica do nosso povo, que ele, como poeta, tão bem soube apresentar, às peças de tema e até de tese de difícil realização, venceu sempre todas as dificuldades de efabulação e triunfou, pois que as suas obras foram compreendidas e aplaudidas pelo público e elogiosamente analisadas pela crítica.

Das suas peças, algumas passaram à posteridade, tendo sido sempre, do reportório de fundo das Companhias de declamação.

Mas entre elas, as que o público mais consagrou, foram “Os Velhos” e a “Triste Viuvinha...”.

E razão? Sem dúvida por serem aquelas em que o dramaturgo, se encontrou com o poeta, o poeta simples, que no seu lirismo cantava o que no nosso povo e na nossa paisagem, há de belo e encantador.

Não ouso apreciar nestas ligeiras notas, a obra de D. João da Câmara e nem poderia dizer mais do que ao correr do pano, disse José Ribeiro com a sua eloquência.

Felicito este apaixonado, estudioso e sabedor homem de teatro, que com amor e dedicação dirige o grupo cénico de Tavarede, por preferir o bom teatro português, pela escolha acertada das peças, visão nítida e perfeita da interpretação geral e justa e adequada realização cénica.

Bem haja José Ribeiro pelo carinho que dedica ao teatro, que, bem escolhido e bem apresentado, foi e será sempre um valiosíssimo elemento de cultura popular.

Os amadores, que desempenharam “Os Velhos”, alguns já veteranos, pisando o palco com firmeza e àvontade, e outros mais novos, mas cheios de belas qualidades, sob a regência da batura de José Ribeiro, deram à representação um ritmo, uma simplicidade e realismo que é raro ver-se em teatro de amadores. Salientarei, por que acho ser de justiça fazê-lo, a perfeita interpretação de João Cascão, no Patacas, a de Violinda Medina, na Emília, estes mais senhores da cena, sendo muito boas e perfeitas, as dos outros intérpretes, Fernando Reis, António Jorge da Silva, João Medina, João de Oliveira, Maria Tereza de Oliveira, Helena Medina e Maria Isabel Reis, que com inteira justiça foram aplaudidos pelo público.

Parabéns a José Ribeiro e ao Grupo Cénico de Tavarede.

1958.07.10 - TEATRO – “OS VELHOS” (A VOZ DA FIGUEIRA)

Com o louvável propósito de assinalar a passagem do cinquentenário de D. João da Câmara, ensaiou o destacado grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, a comédia “Os Velhos”, obra-prima do glorioso dramaturgo, que foi apresentada ao público da Figueira em récita realizada na última quarta-feira, no Teatro do Peninsular, razoavelmente composto, e pena foi que não estivesse “à cunha”. A categoria do espectáculo plenamente o justificava.

Antes de subir o pano, José Ribeiro, director do grupo cénico, preleccionou, em exposição fluente, sobre este seu novo empreendimento, dissertando largamente acerca do teatro e da figura de D. João da Câmara.

Acerca da representação, nada mais haverá a acrescentar, dizendo que foi confiada a Violinda Medina, António Jorge da Silva, João Cascão, Fernando Reis, João Medina, Maria Isabel Reis, Helena Medina e Maria Teresa de Oliveira.

Qualquer deles provou arcar galhardamente com o peso das responsabilidades, embora alguns mereçam destaque especial tal o cunho artístico e impecável rigor que imprimiram ao papel que lhes foi confiado, elevando a representação ao nível de um grande espectáculo, honroso para profissionais quanto mais para simples amadores da arte de representar.

Parabéns, por isso, a todos e ao seu ensaiador.

É igualmente meritória a resolução de homenagear a memória de D. João da Câmara, por parte da Sociedade de Instrução Tavaredense, o que aliás está sempre presente na sua preocupação de prestar culto às grandes figuras da dramaturgia portuguesa.

1958.08.02 - TEATRO (O FIGUEIRENSE)

Mais uma vez em cena “Os Velhos”, de D. João da Câmara, pelo magnífico grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, no Teatro do Grande Casino Peninsular, no próximo sábado, 9.

Falar deste grupo cénico, com esta ou aquela peça, é falar de José Ribeiro, dessa alma de artista, conhecedor profundo da arte de Talma, que estuda e faz interpretar as obras dos melhores autores e por quem, Santo Deus!, pelos seus conterrâneos, pelos filhos de Tavarede. É aí que forja os seus artistas, os seus colaboradores e os apresenta orgulhosamente em qualquer parte, porque em qualquer parte os pode apresentar, sem desdouro para a Arte nem para quem os molda.

Temos visto já bastantes peças do seu escolhido e fino repertório. Sempre obras dos melhores autores, e é sempre o mesmo cuidado, a mesma meticulosidade nos mais pequenos pormenores, resultando sempre obra perfeita, muito mais se pensarmos que se trata de amadores e não de profissionais.

José Ribeiro, além de ser a alma e vida do Grupo Tavaredense, é, sobretudo, um educador afincado da gente da sua terra, porque o teatro, queriamos dizer o palco, é uma escola de alto valor educativo. Vai-se a Tavarede, fala-se com qualquer pessoa que nos apareça e vê-se, nota-se logo o efeito dessa escola: aprumados, correctos, bem falantes, afáveis mesmo.

José Ribeiro dá sempre o exemplo de bondade e correcção, sempre pronto a acudir a um aflição, a praticar um acto de benemerência, levando atrás de si, e da melhor vontade, os seus colaboradores, os seus amigos.

Que a sua modéstia se não sinta tocada por estas simples palavras que nos acudiram ao bico da pena, pois bem sabemos que nos faltam merecimentos para falar de quem está acima de nós.

“Os Velhos” voltam à cena. Vale a pena ir vê-los, e que a casa se encha de amantes da boa Arte, do bom teatro.

1958.10.23 - OS VELHOS, NA MARINHA GRANDE (REGIAO DE LEIRIA)

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A direcção da peça, entregue, como sempre, a essa singular figura que é José da Silva Ribeiro, sem dúvida um dos maiores mestres do teatro português, decorreu de maneira tão impecável que nós “carolas” de teatro pasmamos como consegue, num palco tão pequeno, marcações tão primorosas num delineamento de figuras e ambientes, gestos e atitudes talhados com uma vida e humanidade próprias só dum artista em toda a plenitude do seu saber. Parabéns, José da Silva Ribeiro.

Das personagens diremos algumas palavras, afirmando no entanto, desde já, a uniformidade de todo o conjunto, sobrelevando valores individuais, aliás conforme as tendências do moderno teatro, que exige espírito de equipa e não saliências de cartaz.

João Cascão, foi o velho Patacas e houve-se de maneira admirável, sem um deslize, uma falta de pormenor e co m maleabilidade extraordinária, dando-nos uma figura plena de arte e humanidade. Não se faz melhor.

António Jorge da Silva, portentoso no seu Bento, o velho barbeiro bonacheirão, encheu o teatrinho da Marinha Grande, da sua graça imensurável. O seu apontamento do jantar no 3º acto é uma lição de arte de representar.

Fernando Severino Reis, no prior cego, soube compor a figura, talvez a mais difícil da peça, com um aprumo extraordinário, embora a voz por vezes atraiçoasse um pouco o moço encoberto nas vestes rígidas, mas dando-nos no entanto a emoção necessária que resulta da sua intriga.

Porfirio, o velho professor, de paixões recalcadas, grande no sofrimento, maior nas suas citações latinas, tirando dos seus fracassos, forças para lutar e sofrer pela felicidade de seus amigos, teve em João Rodrigues Medina um intérprete esplêndido, de recortes preciosos e desmarcações maravilhosas. Das três velhas, interpretadas por Violinda Medina e Silva, Maria Teresa de Oliveira e Helena Rodrigues Medina, só falaremos para lamentar que valores como estes, tão grandes e tão artistas, se percam um dia para a Arte sem terem jus ao nome que lhes compete. Simplesmente arrebatadoras.

João de Oliveira Júnior, deu-nos um Júlio talvez pouco convicente e inexperiente, mas soube ser correcto, não desmanchando o conjunto. É um valor de futuro a aproveitar.

Maria Isabel Reis, em Emilinha, emprestou toda a sua frescura e beleza ao papel, e estamos certos que com mais experiência se fará uma belíssima artista, pois tem figura e qualidades, que a farão impor defiitivamente.

1958.11.12 - OS VELHOS, EM COIMBRA (O DESPERTAR)

Quando finalizámos a nótula que subordinámos ao título “O Velhos no Avenida” (in O Despertar, nº 4187, de 1 do corrente) foi real e sinceramente esperançados que escrevemos: “Como vai reagir o público de Coimbra? Cremos, apesar de tudo, que bem. Impenitentemente, talvez, nós confiamos que o Povo de Coimbra saberá ir dizer ao Avenida, na noite de 3 de Novembro: - “Obrigado, Tavaredenses! Nós estamos convosco”. Pois bem, quando nos dirigíamos para o Teatro Avenida não pudemos evitar que um certo grau de ansiedade se apoderasse de nós – é que, ao fim e ao cabo, tratava-se de Os Velhos e não de um qualquer Fogo no Pandeiro, pois em casos destes é que os automóveis costumam estar... para cima dos Bombeiros. Mas, não!, a casa estava cheia, verdadeiramente cheia e isso deu-nos duas consoladores certezas: - uma, de que os Conimbricenses sabiam manifestar a sua justa gratidão pelos Amadores de Teatro que tantas e tantas vezes vieram dar o seu esforço desinteressado em prol das instituições de assistência locais; outra, de que neles ainda não se perdeu o gosto pelo Teatro.

Permita-se-nos, pois, que, ao invés do que seria legítimo esperar, comecemos por escrever: - Bravo, Conimbricenses! Cumpristes o vosso dever com galhardia e marcastes reais possibilidades de colaborar na salvação do Teatro Português, o mesmo que dizer, da Cultura Nacional.

Os gostos, porém, nunca podem ser completos e isso mais uma vez se verificou pela ausência forçada (pelo falecimento muito recente de pessoa de família e estado grave de uma outra, em resultado de acidente de viação) de D. Maria de Jesus da Câmara, filha do autor da peça que se representava, D. João da Câmara, e cuja memória se pretendia homenagear no cinquentenário da sua morte. Estivesse presente – pudesse ter estado presente – D. Maria de Jesus e teria a justamente orgulhosa satisfação (embora orvalhada de lágrimas de saudade) de sentir que uma parte dos aplausos que coroou o intensivo e brilhante labor dos Amadores Tavaredenses eram também para seu Pai, comprovando assim, com factos objectivos, as asserções de Luís Francisco Rebelo quando escreveu: “João da Câmara foi um dos dois únicos dramaturgos portugueses do Século XIX que falaram uma linguagem susceptível de ainda interessar as plateias de hoje. O outro, desnecessário seria dizê-lo, foi Garrett” e também “... é nesta lição de simplicidade, de poesia, de humildade... que reside a força, ainda viva, de Os Velhos”,

E, posto isto, falemos do espectáculo:

Foi um espectáculo do Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, do grupo que José Ribeiro, com inexcedível carinho e muito saber, tem orientado e impulsionado – e isto quase dispensava maior notícia. Mas não queremos nem podemos – e não devemos – limitar-nos a tão pouco, (embora, simultaneamente, fosse tanto..., por forma que, em breves linhas, apreciaremos um pouco mais detidamente a forma como nos foi dada essa jóia do teatro de D. João da Câmara.

Comédia de contrastes em que os dois jovens – Emilinha e Júlio – quase que só existem para pôr em evidência as reacções de Os Velhos, as honras da noite couberam aos amadores que se encarregaram dos papéis de Patacas, Prior, Bento, Porfírio, Emília, Ana e Narcisa. E que esplêndido grupo foi esse!

João Cascão foi um óptimo, diremos até, um inultrapassável Patacas. Não sabemos qual é a sua profissão na vida real, mas ali, nas tábuas do palco, foi, indiscutivelmente, um lavrador autêntico, franco, hospitaleiro, hábil, um tanto autoritário, e também manhoso, zelando os seus interesses, e implicante de quando em vez, se já estava com um grãozinho na asa. Muito bom.

O papel de Prior encontrou um excelente intérprete em Fernando Reis. A difícil, a dificílima criação – na justa medida, que é o que interessa – de cego, mantida no nível adequado durante todo o espectáculo, não nos poderá esquecer jamais. Muito bom, igualmente.

António Jorge da Silva foi o Bento, barbeiro, indispensável. Velho solteirão a quem os amores infelizes não azedaram o ânimo, antes continuando sempre pronto para a brincadeira e molhadelas de boca, esta figura foi optimamente desempenhada por Silva. Merece também um bravo.

A João Medina coube desempenhar o papel de Porfírio – Porfírio da Encarnação Gomes, como rezava a planta cadastral -, mestre-escola com uns lumes de humanismo que o levava a introduzir nas conversas algumas citações latinas de duvidosa compreensão pelos seus auditores (salvo, naturalmente, o padre prior) mas de seguro efeito psicológico, maxime na mana Anica, embora isso pouco lhe interessasse. De todos os velhos era, para o nosso critério, o de mais difícil execução precisamente por ser o de menor brilho. Medina defendeu-o em condições de merecer boa nota.

Violinda foi Emília. E quando basta designar uma actriz, profissional ou amadora, por um nome só, isso significa que a sua maneira de actuar criou já... um nome. Poderemos, pois, acrescentar uma segunda parte à frase inicial deste período: - E Violinda continuou a ser Violinda.

Ana foi representada por Teresa de Oliveira. Excelentemente, é a síntese de tudo quanto poderíamos escrever para apreciar o seu trabalho.

Helena Medina foi a Narcisa que aquele grupo de velhos impunha. Muito bem.

Falta-nos falar dos dois amadores a quem couberam os ossos da peça. É que aos velhos o público olha-os com a ternura que as suas idades lhes fazem reivindicar, pois, afinal, eles, com as suas caturrices e as suas generosidades, as suas ideias fixas e as suas manifestações de bom coração, ainda hoje são como no tempo em que D. João da Câmara foi situar a sua peça – os jovens é que são algo de diferente, e todos nós sentimos isso.

Isabel dos Reis foi, apesar de todas as dificuldades decorrentes do que atráz dizemos e quanto a nós, uma boa Emilinha. Disse, ouviu, andou e gesticulou genericamente bem e de toda a sua figura só discordamos de um pormenor, aliás muito em evidência: os brincos que lhe adornavam as orelhas; e também sentimos algumas dúvidas quanto ao tipo de penteado que utilizou.

A João de Oliveira Júnior, já tão nosso conhecido, como quase todos os demais, de “A nossa casa” (Égalisse), de “A Conspiradora” (Conde de Riba de Alva) e “Peraltas e Sécias” (Miguel de Sande), coube o maior dos ossos da peça, tanto mais que a sua voz e, tanto quanto podemos ajuizar pelas suas brilhantes actuações anteriores, o seu temperamento – que lhe permitiram fazer, por exemplo, um excelente Conde de Riba de Alva..., não o ajudavam no tipo de galã romântico como era o de Júlio. Defendendo-se razoavelmente no primeiro acto e na pequena intervenção do terceito, claudicou um tanto no segundo acto que, aliás, justamente por ser o mais romântico e de cordelinhos mais à vista, era o de mais difícil defesa.

Resta-nos falar dos cenários (de Rogério Reynaud e do Prof. Manuel de Oliveira, ambos de muito boa factura e perfeitamente de harmonia com o estilo da peça), dos adereços (que António Simões, Alberto de Lacerda e Rogério Reynaud desenharam e executaram com toda a propriedade), do guarda-roupa (que nos pareceu certo, salvo a limpeza com que Júlio se apresenta no I acto, depois de ter cavalgado algumas léguas em plena charneca, e no II acto, após vir dos trabalhos do aterro), das caracterizações excelentes, dos acompanhamentos musicais – fandango e solo de saxofone (para nós, o menos feliz de tudo por as gravações não conseguirem fazer-nos esquecer... que são gravações) e da encenação.

José Ribeiro já deu provas mais do que suficientes de quanto é capaz e a encenação de Os velhos é apenas mais uma – mas excelente – confirmação do que acabamos de escrever.

Quem foi ao Avenida não poderá esquecer nunca a vida, a verdade com com que foi realizada a ceia do III acto. E quem não conseguiu ir jamais poderá compreender a sua extrema dificuldade e, daí, a demonstração insofismável de autoridade teatral com que foram resolvidos todos os óbices que a realização de tal cena implicava.

Não sabemos – mas julgamos que, em Coimbra ao menos, não – se há ainda incrédulos nas possibilidades de José Ribeiro como encenador. Se há, que vão ver (se acaso não viram já) Os Velhos e sejam sinceros na correcção dos seus juízos.

Quando terminámos a nota referente à representação de “A nossa casa” escrevemos: - “Mais uma vez, pois: - Muito bem! E... até a Os Velhos!”. Pois bem, hoje não achamos outra forma mais apropriada de finalizar estas considerações despretenciosas senão fazendo a integral reprodução do que nessa altura escrevemos: - Mais uma vez, pois: - Muito bem! E... até a Os Velhos!”, somente querendo esclarecer os Amadores de Teatro de Tavarede e os outros leitores destas notas que não é nossa ideia o não-renovamento do reportório, mas sim que nós desejamos viva e sinceramente deliciar-nos, um vez mais, com a representação de Os Velhos, pelo excelente Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.

 

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