sábado, 16 de junho de 2012

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 8

Entretanto as queixas do Cabido contra Fernão Gomes de Quadros continuavam. Por uma provisão emitida pelo rei D. Sebastião, atendendo a dúvidas do Cabido da Sé de Coimbra, é ordenado: Diz o Cabido de Coimbra que eles têm no Couto de Tavarede, que é do dito Cabido, muitos direitos e propriedades que Fernão Gomes de Quadros, por ser muito rico e poderoso, lhe usurpa e não lhe pagar imposto em tudo. Ele e sua mãe Genebra de Azevedo, que é viúva, e por lhe usurpar os direitos que ao Cabido pertencem e por alguns desaguizados que o dito Fernão Gomes, no dito Couto fazia, deram dele capítulos a Vossa Alteza, pelos quais foi preso e se livrou perante o Corregedor da Corte dos feitos crimes e foi condenado. E quanto às causas cíveis ficou relevado direito para o demandar, a ele e a sua mãe, perante quem pertencem os direitos e no Couto são todos suspeitos e não pode haver juiz que o livre, por o dito Cabido ser senhor do Couto.

Como por o dito Fernão Gomes de Quadros ser na terra muito poderoso e temido. E na vila de Montemor também todos são suspeitos por causa do dito Fernão Gomes e o Corregedor da Comarca de Coimbra é outrossim suspeito por ser cunhado do dito Fernão Gomes de Quadros e o aconselha em suas causas e por estas razões o não demandam e se perde seu direito: pede a Vossa Alteza que lhe faça mercê de haver por bem que todas as ditas causas e para a que lhe ficou reservado seu direito, possam demandar perante o Corregedor da Corte dos feitos civis, por estarem nele os autos ou o Juiz perante o Juiz de fóra da dita cidade de Coimbra ou perante o Conservador das Escolas, a qual cidade está a sete léguas do Couto e são os mais competentes julgadores de fóra que há.


D. Sebastião, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África, senhor da Guiné, etc… Faço saber aos juizes de fóra da vila de Montemor-o-Velho, que havendo respeito ao que na petição atrás escrita diz o Cabido da cidade de Coimbra, hei por bem e por mando, que tomeis conhecimento dos casos entre o dito Cabido e Fvernão Gomes de Quadros, somente contraídos da dita petição e, ouvidas as partes, os determinem como fôr justiça, dando apelação agravo qual no caso seja resolvido e os autos que sobre isso houver nos sejam levados nos termos em que estivessem.

El-Rei nosso Senhor mandou para os doutores Filipe Antunes e Cristovão Mendes de Carvalho, ambos do seu Conselho e seus desembargadores do Paço. João de Barros o fez em Lisboa aos 15 dias de Fevereiro de 1560.

Como já referimos, foram muitas as questões levadas aos tribunais pelo Cabido de Coimbra contra o fidalgo de Tavarede. Também não nos alongamos, pois julgamos suficiente as acusações que foram feitas contra ele, no ano de 1574: - Espancou Jorge Gaspar, um homem de bem, velho, honrado, de Tavarede, de que há autos na Corte. E no feito a Jorge, se achava a sentença. E como também mandou espancar o padre Jorge Fernandes (?) e o trataram muito mal de pancadas por seu mandado. A um Pimentel, de Tavarede, dos honrados da terra, numa procissão do Santíssimo Sacramento, quebrou um cirio na cabeça.

- Ao Jorge Migueis (?), capelão do Cabido, que foi ao Couto por seu mandado, esperou de noite com outros e deu-lhe muita pancada e o lançou numa vala de sujidades, pelo que foi condenado em degredo e penas de direito.

- Saltou contra um homem, juiz da Alfândega da Figueira e o tratou muito mal e sobre isso disse que o primeiro homem saltara sobre ele. E foi condenado em custas por sentença da Relação.

- É costumado a desonrar todo o mundo, como se lhe não fazem a vontade, e todos são vilões ruins, cornudos, bebados, de modo que se não pode ninguém valer contra ele.

- Aos mareantes que entram a barra, afronta de palavras e toma-lhes as velas e a uns prende e fazia perder suas viagens, e comummente se cuida que tudo é fim de o peitarem e a lhe darem do que trazem nos navios, como foi uns que vieram carregados de sardinha e atum, e isto por ter o ofício de os visitar, como capitão mor de Tavarede e Figueira, por cujas barra entram.

- No mês de Maio passado, entrou pela barra um navio de atum e corvina, e o mestre lhe fez saber, como capitão mor, e ele mandou que lhe dessem do atum e corvina e quando chegou este rec ado, o navio era em cima na ‘barranqua’ e ao tornar para baixo, mandou fazer autos ao dito mestre, e por Jerónimo Dias mandou-lhe tomar as velas, dizendo que lho haviam de pagar e fez-lhe muitas vexações e injúrias.

- Tinham Manuel Homem e Francisco Homem, seu filho, moradores na Batalha, certo gado de dízimo, que traziam na Lezíria de Fernão Gomes, com sua licença, por parte do dito gado o haverem dele de dizimo, o qual podia valer bem vinte mil ou mais, e o Fernão Gomes o vendeu por seu, sem nunca querer dar o dinheiro aos ditos pai e filho. E estão este Francisco Homem em casa de Simão Gonçalves por algumas vezes, não podem haver já pagamento do dito Fernão Gomes nem ousam requere-lo.

- No mês de Novembro deste ano presente de 1574, mandou o C abido a Ambrósio de Sá e ao doutor Álvaro Migueis carregues a Tavarede a certos negócios de importância e pousavão em casa de um João Duarte, homem de bem do Couto, onde lhe faziam de comer, e sabendo a mulher de Fernão Gomes que nos seus fornos assavam galinhas e outras carnes para os ditos cónegos e seus familiares, mandou os forneiros que tal coisa não assassem, nem a coisa nenhuma de casa do dito João Duarte, cujos hóspedes, os ditos cónegos, estavam.

- Na Igreja ofende a quem quer e toma-se com os capelães e quer despedi-los e outras coisas absolutas. E tem toda a Câmara de sua mão porque ele fez as eleições este ano com subornos.

- A um Antão Lopes, marchante de Lisboa, comprou Genebra de Azevedo, mãe de Fernão Gomes, muito gado vacuum, que importaram trezentos mil reis ou quase. E como ele gado era bravo, fugiu do caminho algum dele ao marchante e tomou-se a lezíria de Fernão Gomes, onde podia pastar até aproveitar tudo, porque assim era o contrato. E Fernão Gomes tomou todo o gado, que se tomou a lezíria, para si, sem querer dá-lo nem o dinheiro dele ao marchante. E deu-lhe muita perda.

- Trouxe este marchante uma carta de excomunhão do Núncio, para que quem soubesse do dito gado lho dissesse, a qual carta se publicou na Igreja de Tavarede, em presença de Fernão Gomes, sem sair a nada. E saíu sua mãe e publicamente disse na mesma Igreja, ao publicar da carta, que seu filho tinha o gado, e que a excomunhão ficasse sobre ele, e que ele, marchante, se queixasse a El-Rei, pois seu filho lhe desobedecia nisso e em tudo. E Fernão Gomes respondeu que se ela tinha vendido alguma coisa do marchante que lhe pagasse, sendo coisa notória ser o gado da mãe e ela o vender.

- Que espancou em uma rua pública Gaspar Fernandes, de Tavarede, e o desonrou e a sua mulher de “puta”, “ladra”, que ele a tirara de baixo de cinquenta frades…

Perante a gravidade de tais acusações, que se revelaram verdadeiras, foi Fernão Gomes de Quadros condenado, além de largar as terras que havia tomado indevidamente, a degredo por um ano em Ceuta, e por dois anos proibido de entrar no Couto de Tavarede, nem podendo estar ‘quatro léguas para dentro junto ao Couto.

… Visto o libelo do Cabido da Sé de Coimbra, autor, contra Fernão Gomes de Sá, réu, e mais artigos recebidos e provado, visto como se prova o dito réu arrancar o marco da contenda e o mandar daí levar e se empossar dos maninhos e matos no dito libelo declarados, e assim se prova viver no dito Couto de Tavarede inquietamente no prejuizo da jurisdição do dito Cabido e suas doações, e inquietando os moradores do Couto de Tavarede seus vassalos, assim ácerca das pagas dos foros que são obrigados a pagar, como em outras coisas, havendo respeito e qualidade das ditas culpas, e da pessoa do dito réu, e casos como aconteceram e como tudo não basta para maior condenação, condenei o dito réu, que com um pregão na audiência fosse degredado por um ano para Ceuta, e não entrasse por tempo de outros dois anos no dito Couto de Tavarede, nem quatro léguas ao redor. E que tomasse à sua custa pôr o dito marco no lugar onde foi tirado e abra mão dos matos que tem tomados e valados ao dito Cabido, ficando-lhe seu direito renovado sobre a propriedade, e o condenei nas custas, e feita nele a execução do pregão e pagas as custas, irá o dito réu cumprir o dito ano de degredo a Ceuta…

Ainda alegou Fernão Gomes de Quadros que os ditos maninhos os tivera antes sua mãe Genoveva da Fonseca, então ainda viva. Não foi atendido e teve de cumprir a setença que havia sido dada eem Lisboa a 4 de Junho de 1558, pelo rei D. Sebastião.

Apesar de tantas preocupações, tantas questões e demandas levantadas contra si pelo Cabido da Sé de Coimbra e de tantos filhos do casamento, consta que ainda teve tempo para arranjar mais dois bastardos, como atrás já referimos: um, de nome António, que foi morto no cerco de Chaul e outro, de que se não sabe o nome, que morreu na Pérsia.

Como se vê, afinal, apesar de terem sido bastante abusadores e prevaricadores, opressores do seu povo, ‘seus vassalos’, como disse D. Sebastião na sentença, foram muitos os descendentes directos que morreram heroicamente nos campos de combate, lutando corajosamente pela sua Pátria, em locais tão longínquos, como a Índia.

Também se não deve omitir a sua grande religiosidade, totalmente contrária ao procedimento normal de violência contra os seus conterrâneos. Não esqueçamos que foram grandes beneméritos e protectores dos frades do convento de Santo António. Fernão Gomes de Quadros, cumprindo as disposições testamentárias de seu pai, que mandava ‘acabar com a maior perfeição o retábulo de capela’. Além da sua protecção a este convento, foi grande devoto de S. Francisco, sendo, também, confrade de todas as confrarias existentes em Tavarede. Por disposição sua, foi sepultado no convento de Santo António envolto no ‘hábito do bem-aventurado padre S. Francisco’.

Outros descendentes optaram pela vida religiosa, ingressando em mosteiros e conventos, onde alguns e algumas atingiram posições de alto relevo…

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