Para melhorar a administração de
Tavarede e do lugar da Figueira, o infante D. Pedro determina, em 1362, que o
cabido da Sé e a cidade de Coimbra nomeiem os funcionários e os tabeliões, para
benefício da dita Sé. E é Tavarede que estará na origem da progressiva
autonomização administrativa da Figueira da Foz.
Em
1522, piratas atacam e saqueiam a costa da Figueira e de Buarcos. D. João III
nomeia para feitos da alfândega de Buarcos e juiz das sisas de Tavarede o
cavaleito da sua Casa Real – António Fernandes de Quadros, que recebe
igualmente o senhorio de Tavarede.
A
família deste fidalgo, senhor da Casa de Buarcos e de Vila Verde, filho do
espanhol Alonso de Quadros, família poderosa que já servira o infante D.
Pedrto, dispunha de importantes relações na corte. Entre os vários serviços
prestados contavam-se a ordenação, limpeza, secagem e regularização das valas,
lezírias e paúis do reino, sendo provedor de tais trabalhos André de Quadros,
seu primo co-irmão, e ambos comendadores da Ordem de Cristo. Senhor de
Tavarede, casa com Genebra de Azevedo, detentora de importantes bens
patrimoniais nesta região, pelo que amplia o senhorio recebido, o qual
englobava vários outros domínios e a posse das lezírias vagas de Buarcos e Vila
Verde, sendo-lhe atribuído brasão, por carta de cotta d’armas, a 1 de Agosto de
1541. Os Quadros organizaram na região um vasto domínio senhorial, passando aí
a viver num paço, de que hoje já só restam as janelas manuelinas (uma das quais
no museu municipal da Figueira da Foz) e uma torre, ao mesmo tempo que exerciam
o seu poder despoticamente. Dominando a câmara local, não respeitavam a
jurisdição do cabido, do que resultou uma longa guerra política de direitos e
relações de força entre ambas as partes, que teve início entre 1530 e 1535. O
primeiro litígio circunscrevia-se a laudémios em dívida, reclamados muito
justamente pelo cabido. Em 1544, Lopes de Quadros (Fernão Gomes de Quadros, filho e herdeiro de António Fernandes de
Quadros) pressiona as populações de Tavarede e Figueira para que usem o seu
forno de cozer o pão, levantando um protesto do cabido por esta ingerência.
Mais tarde, o juiz do tribunal cível de Coimbra profere sentença contra os
Quadros por estes fugirem aos pagamentos dos terradegos devidos ao cabido, na
qualidade de donatário do couto de Tavarede. Os Quadros consideravam como seus
direitos de administrar, comprar ou vender propriedades sem consultar ou pagar
quaisquer impostos ao cabido. Como este se achava no seu direito ancestral de
os colectar, iniciou a interposição de uma longa série de processos judiciais,
alguns dos quais desfavoráveis, esquecendo, por vezes, o seu carácter de
instituição com jurisdição cível. Na sequência de várias sentenças, recorreu
infrutiferamente ao tribunal de Braga como tentativa suprema de dirimir este
conflito em seu favor.
Em
1630, após novo ataque corsário, Fernão Gomes de Quadros escreve ao rei,
relatando-lhe a fuga dos habitantes de Buarcos para a Figueira, por falta de
artilharia e artilheiros para a consequente defesa da costa. Com a Restauração,
D. João IV lembra a Fernão Gomes de Quadros para não descurar a defesa dos
lugares a ele afectos, especialmente a costa da vila de Buarcos, determinando-se,
em 1642, a sua subordinação ao capitão-mor de Coimbra, vindo a ser nomeado, em
1646, por alvará régio, capitão-mor da costa do mar da vila de Buarcos e seu
distrito.
Esta
querela entre as duas partes assiste, em 1759, ao pedido da transferência da Câmara
de Tavarede para a Figueira pelo cabido, sonegando-a à influência dos Quadros,
e permitindo-lhe retomar a administração da Figueira. Os Quadros opuseram-se,
pelo que o pedido não foi atendido. Toda esta situação conduziu ao abandono das
terras por rendeiros e foreiros e ao despovoamento de Tavarede, formando-se
novos núcleos populacionais, cujo desenvolvimento irá lesar ambas as forças em
litígio. O progressivo crescimento da Figueira da Foz, com o implícito
beneplácito do cabido, acelera o projecto de separação administrativa e
jurisdicional, agora com o parecer favorável da Administração Pública. O
processo da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz
consuma-se, de facto, no ano de 1770,
dado o superior número de vereadores pela Figueira em relação aos de Tavarede.
O cabido, que tudo fizera para derrotar o poderio dos Quadros, viu-se relegado
para o entretanto despovoado couto de Tavarede. Elevada à categoria de vila com
a designação de Figueira da Foz do Mondego, no dia 12 de Março de 1771, por
decreto de D. José I, tinha por distrito os coutos de Maiorca, Alhadas,
Quiaios, Tavarede, Lavos, as vilas de Buarcos e Redondos (entretanto unidas e
em plena fase de retrocesso económico e demográfico), bem como os concelhos
situados a sul do rio de Carnide ou do Louriçal, junto ao Moinho do Almoxarife,
pertencentes ao distrito de Montemor-o-Velho. A esta elevação não é estranha a
unificação, ao longo do século XVIII, dos diversos casais que circundavam o
núcleo base da Figueira (Paço, Abadias, Vale de Lamas…), formando uma só
povoação com 360 moradores, nem a acção e conveniência pessoais do Dr. José de
Seabra da Silva, donatário da Quinta do Canal e grande amigo do marquês de
Pombal, o qual lhe proporcionara importantes doações régias de bens confiscados
à Companhia de Jesus situados nas imediações da Figueira. É criado o lugar de
juiz-de-fora com jurisdição desanexada do distrito de Montemor-o-Velho, no qual
é provido o Dr. Bento José da Silva, patrício e amigo de José Seabra da Silva. ………(Esta nota foi retirada do livro CIDADES E VILAS DE
PORTUGAL, da autoria de José Pedro de Aboim Borges, edição Editorial Presença)
Sei
que me estou a repetir, nalgumas coisas, com a transcrição acima, mas entendo
que todos os esclarecimentos nunca são demais. E a nota tem coisas
interessantes, na minha opinião.
Muito,
mesmo muito, haveria a contar sobre a família QUADROS. Mas, quando iniciei este
caderno, tive a intenção de só descrever as vidas daqueles que foram
considerados ‘Senhores de Tavarede’. Claro que há algumas excepções, mas
poucas. Só procurei transcrever o necessário para se ficar a conhecer a
história dos fidalgos que, durante séculos, dominaram e oprimiram, na sua
grande maioria, o pobre povo, que teve de suportar os seus abusos e
insolências. Creio que o que fica escrito é o suficiente.
E
não quero deixar de referir, uma vez mais, que a grande maioria do escrito não
tem a minha autoria, pois limitei-me o copiar o que entendi dos diversos
trabalhos existentes sobre o tema. Procurei, ao longo do texto, referir a
origem. Quero, porém, aqui deixar referido alguns dos mais importantes
trabalhos que utilizei, tais como: A CASA DE TAVAREDE, do Dr. Pedro Quadros
Saldanha; CADERNOS E LIVROS MANUSCRITOS, do Dr. Mesquita de Figueiredo; A
MUDANÇA DA CÂMARA DE TAVAREDE PARA A FIGUEIRA, do Dr. Rocha Madahil; MATERIAIS
PARA A HISTÓRIA DO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ, do Dr. Santos Rocha; AS
ALFÂNDEGAS – FIDALGAS FIGUEIRENSES DE OUTRORA, do Dr. José Jardim; CHÁ DE
LIMONETE, de Mestre José Ribeiro. Sei que foi um abuso da minha parte, mas
tenho a certeza de que serei perdoado.
Não
sei se algum dia conseguirei dar uma continuação a esta história, contando
(copiando) tanta coisa que encontrei sobre familiares dos fidalgos tavaredenses. Filhos, e não só,
muitos houve que bem merecem a sua recordação.
E
vou terminar agora com mais uma transcrição. É sobre aquela velha e enorme casa
que nós víamos quando, à saída de Tavarede, íamos para a escola nos Quatro
Caminhos, algumas vezes atirando pedras aos inofensivos sardões que dormitavam
no cimo do velho muro. Trata-se do belo poema, da autoria de Mestre José
Ribeiro, que incluiu no terceiro acto do ‘Chá de Limonete’.
O Palácio - (ainda sem transpor o portão)
É verdade! O Palácio tão falado
É verdade! O Palácio tão falado
Da
velha Tavarede - aqui o tens
Reduzido
à ruína pelos desdéns
Dos
homens e do tempo já passado...
Ai!
o que eu fui, e no que estou mudado!
(Avançando dois passos e saindo o portão)
Quatro
séc’los me pesam sobre os ombros!
nesses longos anos vi grandezas,
Vi
ruir opulências em escombros,
Vaidades,
alegrias e tristezas...
Fui
torre altaneira, medieval,
Onde
o Fidalgo, senhor absoluto,
Julgando-se
em poder senhor feudal,
Levou,
sob’rano, um viver dissoluto.
Mudaram-me
depois a minha traça,
Deram-me
um pátio nobre e bons salões,
E
o terceiro Conde deu-me a graça
Das
agulhas, janelas, torreões...
(Transição)
Sinto na alma saudades torturantes
Dos
serões e das festas ruidosas,
Com
luzes, flor’s e pratas cintilantes,
Veludos,
sedas, pedras preciosas...
(Pausa)
Que resta do que fui?... Ai! Triste sina
A
do solar que é hoje um mutilado,
Mendigo
esfarrapado, uma ruína,
- Horroroso fantasma do passado!...
Eis
o que sou. Ninguém me queira ver!
Não
existo. De mim não falem mais...
Deixai-me
assim em paz apodrecer
No
chiqueiro infecto dos currais...
Chá de Limonete - 1950
Julho
de 2011
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