2002.03.14 -
PIRANDELO NO TEATRO DA SIT (A VOZ
DA FIGUEIRA)
No seu 98º aniversário, a
Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) levou e mantém em cena a peça “O
Homem, a Besta e a Virtude” de Luigi Pirandelo, autor dos inícios do século XX.
Não é fácil representar Pirandelo, mas os actores e actrizes da SIT já nos
habituaram a não terem dificuldade em representar qualquer peça de teatro, por
mais difícil que seja.
Fernando Romeiro, o actor
principal e que se mantém em cena todo o tempo, tem um desempenho excelente, no
papel do professor Paolino que dá aulas particulares a vários jovens entre
eles, o filho da senhora Perella com quem tem uma relação amorosa.
Aquela personagem, a quem o
marido, o capitão Perella não liga, mesmo quando vem a casa passados meses, é
bem desempenhada por Rosa Paz que também já nos habituou com a sua presença em
palco. Rogério Neves personifica muito bem o autoritário e machista capitão
Perella.
O bom desempenho de todos: o
doutor Nino, por Valdemar Cruz; o senhor Tótó, farmacêutico, António Barbosa;
Rosária, a governanta, Manuela Mendes; os estudantes, Gil e Abel, representados
por José Miguel Pereira e Anselmo Cardoso; Nónó, João Pedro Paz; Graça, a
criada, Maria Helena Rodrigues e o marinheiro, João José Silva, faz com que ao
longo de aproximadamente duas horas se assista a teatro de qualidade, apanágio
da SIT ao longo da também já sua longa existência, uma vez que está a dois anos
da comemoração do seu centenário.
Mas por trás dos bastidores toda
uma equipa trabalha afincadamente, antes, durante e depois, dirigida e
coordenada por Ilda Simões que tem feito um bom trabalho e que tem a seu cargo
a encenação e direcção de cena, equipa composta por José Miguel Lontro, Nuno
Pinto, José Maltez, Otília Medina, João Pedro Amorim, João Fadigas, José Manuel
Cordeiro e Vitor Assis.
Vocacionada desde sempre para o
teatro, a SIT está a desenvolver um projecto a que concorreu, através da
Delegação do Ministério da Cultura da Região Centro, tendo em vista a formação
nos vários domínios, o adequado apetrechamento técnico e um arquivo documental
ligado ao teatro, de forma a que possa vir a apoiar os outros grupos de teatro
amador do nosso concelho, que é um exemplo no país e a testemunhar estão as 25ª
Jornadas de Teatro Amador, organizadas pelos Lions Clube da Figueira da Foz e
que irão decorrer a partir de 27 de Março, nas quais estão inscritos 26 grupos
de teatro.
2002.05.02 -
É URGENTE O AMOR (O DEVER)
Apresentando
em estreia, com lotação esgotada e honras de presença do autor da peça – Luís
Francisco Rebello – e também do engº Duarte Silva com alguns dos seus
vereadores, a peça “É urgente o amor”, a Sociedade de Instrução Tavaredense deu
uma lição de como é possível pôr a evolução tecnológica ao serviço do teatro de
qualidade, aspecto a merecer uma referência muito especial para os homens que
do escuro dos bastidores souberam fazer dos efeitos de luz “actores” decisivos
na espectacularidade da representação, prescindindo das tradicionais descidas
de pano para mudanças de acto.
E foi, apoiados nessa mais-valia
dos desenhos de luz, que os oito personagens “viveram” a tragédia da jovem
Branca (Luísa Rosmaninho, com a naturalidade espantosa de transformar os
problemas de há meio século em chagas de hoje) vítima daquela encruzilhada de
vidas sombrias onde a mãe (Ilda Manuela Simões essa continuadora da escola de
mestre José Ribeiro que lhe permite ser “pau para todo o serviço” – actriz a
fazer inveja a muitos profissionais, encenadora de méritos reconhecidos e que
nesta peça soube ganhar o desafio desta coabitação com os desenhos de luz, onde
é justo deixar um aceno de muito apreço para José Miguel Lontro) soube assumir
a mentira que serviu de suporte à peça e m que os papéis de maus do enredo
tiveram magnífica interpretação nas pessoas de João José Silva (Alberto, o
ausente da terra mas sempre presente no palco e direcção de cena, peça da
mobília), e José Medina, um “Jorge” à medida das circunstâncias (dificílimas)
em que se viu envolvido naquela teia de mentiras tão bem realçadas na penumbra
da repartição de polícia onde o chefe (António Barbosa) e o seu agente (João
Pedro Amorim) cumpriram as formalidades de assinalar o desenlace fatal
esquecendo as denúncias de Margarida (Paula Sofia Simões), esposa traída, e da
Madalena (Susana Neves), a falsa amiga da vítima.
Porque
as exigências técnicas de apoio à peça não deverão permitir a representação
desta fora do Teatro da SIT, razão porque não está integrada nas Jornadas de
Teatro Amador, e porque a alta qualidade do desempenho justificam plenamente a
presença de quem tem gosto pelo bom teatro, aconselhamos uma deslocação a
Tavarede para assistir a “É urgente o amor” numa das repetições que a muita
afluência registada justificam.
2002.05.09 -
SIT PRESTA HOMENAGEM A GIL VICENTE (A
VOZ DA FIGUEIRA)
No corrente ano celebram-se os
500 anos da representação do primeiro texto vicentino: “Auto da Visitação” ou
“Monólogo do Vaqueiro”. Este texto marca o início do teatro em Portugal. A
Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), assumindo-se como um pólo da arte de
Talma no concelho, irá também assinalar “tão importante data, pois Gil Vicente
teve sempre um lugar de destaque nesta casa”, conforme frisa a direcção da
colectividade. “O Auto da Barca do Inferno, “O Auto da Alma”, “Quem tem
farelos?”, “Todo o Mundo e Ninguém”, “O Velho da Horta”, “D. Duardos”, “O
Pranto da Maria Parda” e “O Monólogo do Vaqueiro”, foram alguns dos trabalhos
apresentados pelos amadores de Tavarede, sob a direcção do grande Mestre José
Ribeiro.
A direcção cénica considera que
“apesar de todas as trasformações, de todo o dsenvolvimento que o nosso mundo
tem sofrido Gil Vicente continua actual”,
que “a crítica à falsa moralidade a sociedade da sua época, aos
costumes, ao quotidiano dos grandes e dos pequenos, leva-nos a reflectir sobre
o ser humano que cada um de nós é”.
Sendo da opinião de que o teatro
também serve para nos conhecermos, nada melhor que trazer Gil Vicente para o
palco e aproveitar esta data para “lembrar ou relembrar alguns textos
vicentinos. Actores e público, vão ter oportunidade de estar lado a lado e
frente a frente, em espaços tidos por convencionais para a prática do teatro,
vão poder vivenciar as realidades do século XVI e vão poder compará-las com as
realidades do século XXI.
Desta forma, a SIT irá começar
por fazer um espectáculo de rua, no dia 15 de Junho, o qual terá início às
16,30 horas, no largo da colectividade. Este espectáculo terá cinco actos e
envolverá mais de 30 amadores, assim distribuído: 1º acto – Largo de Santo
Aleixo: “O Velho da Horta”; 2º acto - Largo da Igreja: “Auto da Barca do
Inferno” e “Todo o Mundo e Ninguém” (fragmentos); 3º acto – Largo Maria Amália:
“O Pranto de Maria Parda” (fragmentos); 4º acto – Largo do Paço: “Farsa de Inês
Pereira” (fragmentos); 5º acto – Largo da SIT: “O Monólogo do Vaqueiro”.
O espectáculo, entre estes
espaços, “desenvolver-se-á com movimentos e velocidades diferenciadas, onde
serão explorados gestos e expressões, voz e improvisação”. A música da época
acompanhará toda a actuação.
No dia 15 de Junho, às 21,45
horas, no palco da SIT, acontece a representação de “O Velho da Horta” e uma
palestra sobre Teatro Vicentino, proferida por José Bernardes.
2002.05.23 -
É URGENTE O AMOR (A VOZ DA
FIGUEIRA)
Sorririas,
mestre Ribeiro, se ao lado de todos nós, presenciasses a todo um ideal que
defendeste, a toda uma postura fiel a uma escola por demais viva e marcante,
onde os teus princípios se traduziram não só na escolha do grande autor
dramaturgo Luís Francisco Rebelo, mas em toda a envolvência programática feita
de rigor, disciplina e método, aliado a uma grande alma e teatro, bem patente na
dedicação, talento e garra desta gente do “povo comum”, que te honra e te segue
passo a passo.
Foi a primeira vez, mestre
Ribeiro, que pisei esta sua segunda casa, quando junto à Igreja de Tavarede
iniciei caminhada a pé, escalando o pequeno percurso das ruas estreitas em
direcção à SIT. Depois da primeira subida, o corte à direita, uma grande luz
iluminava a colectividade e logo a dita “catedral do teatro” estava ali, em
frente aos meus olhos.
A
azáfama era grande entre os que organizavam as entradas e acomodamento do
público e aqueles que metodicamente colocados nos seus postos, se preparavam
para dar corpo à envolvência da representação, com um ambiente cenográfico
adequado e, diga-se com justiça, perfeitamente conseguido.
Às
pancadas de Molière sucedeu-se um grito de angústia e morte, ao silêncio
espectante da plateia, a envolvência arrepiante do resgate de uma causa
perdida, o barulho ritmado das hélices de um helicóptero, as luzes em movimento
estonteante, num bailado aflito de desespero e drama, e o público ali no meio,
tomando conhecimento e certificando-se do inevitável fim de Branca, uma jovem
que entre o inconformismo e a esperança, procurou o amor, sem nunca o ter
conseguido.
Orgulhosa
poderá e deverá estar esta autêntica equipa da SIT, porque para além do mais,
apresentou aspectos técnicos que tiraram um maior rendimento à pretensão da
mensagem transmitida. No palco, um ambiente tão curioso quanto enigmático, onde
a determinados “espaços de acção”, se juntavam a totalidade ou quase totalidade
dos personagens, embora em ambientes perfeitamente definidos, a delegacia
policial, Branca no além, ora prostrada no chão representando a morte, ora em
acesas discussões e interpelações, com um alinhamento à sua volta, das pessoas
da sua relação, ou ainda no exercício do regresso ao passado no espaço íntimo
do seu próprio quarto. Tudo isto com o auxílio caprichado de um jogo de luzes
onde cada individualidade alternava a acção com um silêncio presente, quedo e
mudo, na penumbra do palco e numa postura comprometedora de conivência e
sentido e culpa pelo desenlace fatal. Foi o prender da plateia a cada um dos
intervenientes, mantendo uma relação forte entre o público e aquilo que cada
uma significava para a procura da verdade.
António
Barbosa e João Amorim, ou melhor dizendo, o chefe e o agente Simões, de forma
segura, serena e tranquila, conseguiam materializar a imagem pretendida de uma
força de autoridade, que por função tinha deslindar um caso de hipotético
acidente, suicídio ou homicídio, mas com um tal empenho de carácter duvidoso,
entre a investigação dos factos e o interesse preferencial de umas boas
palavras cruzadas, onde o saber qual o imperador romano com oito letras se lhes
afigurava um objectivo de primordial importância.
Susana
Neves, no papel de Madalena, evidenciou atributos de uma artista em potência,
com uma forte sensibilidade e uma margem enormíssima de progressão. Esta
Madalena, nada arrependida de considerar os homens todos iguais e a mesmo tempo
nutrir um carinho demasiadamente “especial”... por Branca.
João
Silva mostrou talentosamente como um drama não é só representação “séria” como
pensará o “senso comum”. Com passos de quem bem conhece os caminhos de um
palco, levou à cena o personagem Alberto, naquele que se pode afirmar tratar-se
de um “chulo de cinco estrelas” que não via com bons olhos quando o dr. Jorge
ameaçava deixar Branca, sua namorada, o que obviamente lhe colocaria
instabilidade financeira. Por acréscimo da sua falsidade e cobardia, fugia a
sete pés quando via o mar mais alto que a terra, nas discussões de Branca com
sua mãe, provocando momentos de grande divertimento na plateia.
Um
elenco acima de tudo experiente, onde José Medina assume essa forte mensagem em
cada palavra e em cada gesto, de como o tempo amadurece e dá consistência, como
na vida também no teatro. E assim foi a melhor escolha para um dr. Jorge, com
uma bonita idade para... não ter juízo assumindo-se com um verdadeiro mecenas
que vivia entre o adultério e o conceito de família respeitosa, que não podia ser
beliscada fosse por que preço fosse.
Ilda
Simões estará decerto duplamente feliz, porque na qualidade de encenadora viu a
sua gente dar expressão aos seus desejos, com actuações de grande qualidade
artística, que ao facto não será alheio
a sua galvanizante presença em palco, onde no papel de mãe de Branca, fez jus a
uma brilhante interpretação feita de engenho e arte, num apelo muito forte ao
estado de alma que apenas advém de uma genuina artista de teatro.
Mãe
de Branca era, como dizia Alberto, um “velho coiro” que incentivava a sua filha
a uma relação amorosa com o dr. Jorge, de forma a tirar dividendos financeiros
de tal situação.
O
bom e o bonito foi o aparecimento de Margarida, esposa do dr. Jorge e autêntica
figura mistério, com acção apenas na parte final da história. Revelou a todos,
e especialmente ao seu marido, que afinal de contas sabia de tudo, sofrendo no
silêncio e na ânsia de recuperar só para si o dr. Jorge. Acabou por interferir
também no labirinto de desencanto que levou à morte de Branca. Paula Simões,
num menor tempo de actuação, provou com Margarida não deixar créditos por mãos
alheias e chegar aos níveis altos dos seus colegas.
Luísa
Rosmaninho (Branca), que excelentes momentos nos proporcionou, mais um grande
exemplo de que não é só preciso saber-se fazer teatro, isto no que concerne
puramente aos aspectos técnicos de representação, mas também sentir o teatro, e
se assim se pode dizer, com a sensibilidade do coração, numa aproximação de
como quase fosse uma situação real.
Procurou dentro de si as suas
qualidades inatas, que não se compram, não se vendem, não se aprendem, mas
apenas teremos que lhes dar espaço para se revelarem. Luísa Rosmaninho é sem
dúvida um nome a fixar.
Em tempos de tão badalada
crise teatral, em boa hora organizou e apoiou o Lions Clube da Figueira da Foz
estas jornadas de teatro amador, e se crise existe, então digo eu com toda a
certeza, de que afinal não é geral e Tavarede é mais um bom exemplo e como o
teatro no concelho da Figueira da Foz está forte e vivo e, sinceramente,
recomenda-se.
2002.06.20 -
TAVAREDE EVOCOU GIL VICENTE PELAS RUAS (A VOZ DA FIGUEIRA)
... Na actividade da Sociedade
de Instrução Tavaredense patenteia-se o culto do fundador do teatro em Portugal
e revela-se o propósito de levar Gil Vicente ao povo, mostrando-o vivo, através
das suas obras, sobre tábuas do palco...
E
assim foi. Tavarede é como que uma “ilustre e idosa senhora” que honra e sempre
honrou com engenho e arte o culto da representação teatral. O teatro saiu à
rua, de alegria estampada no rosto o povo apinhava-se nos recantos sombrios da
povoação, a ansiedade sentia-se em cada gesto, o ambiente estava magnificamente
ajustado a um pretendido regresso ao passado, as melodias impulsionavam o som
de uma sublime flauta encantada, tão típica e marcante da época.
Os batimentos melodiosos do sino
da Igreja de Tavarede despertou Gil Vicente, o povo agitou-se e estava disposto
a participar e foliar com sátira vicentina. Em dia quente escaldante, a corte
desfilava altaneira as vestes pesadas do tempo, a beleza de luz e brilho de
lantejoulas suportadas por artesanais desenhos de purpurina, que nos enchiam a
alma e refrescavam os olhos.
O
bôbo da corte saltitava em animação estonteante, em círculos endiabrados e
provocatórios, como que aferindo em cada um de nós um potencial e objectivo
“réu” de barrete enfiado à sátira de Gil Vicente. O culto vicentino estava
agora vivo e bem vivo e pronto para a abertura às eventuais hostilidades
satíricas, um palco no meio de um riacho ou recanto escolhido para o “navegar”
da dita “Barca do Inferno”.
Fernando
Romeiro era a imagem de um Satanás genuíno, de gargalhadas sonoras e movimentos
maquiavélicos, aliciava e justificava passageiros para a sua barca, de diversos
extractos sociais e múltiplas artes e ofícios. À sucessão de “Todo o mundo e
ninguém”, iniciava-se a caminhada para o Largo de Maria Amália de Carvalho,
defronte a um pequenito jardim, como tanto era do agrado de Gil Vicente,
assistiu-se ao “Pranto de Maria Parda”, transformado num grande momento de
teatro.
Brilhou
uma estrela, feita do povo, e com um dom que Deus lhe deu, e escusado será, que
determinados intelectuais do teatro possam pensar que em algum momento deixarei
de realçar e individualizar tudo aquilo que me arrepie o coração e estremeça os
sentidos.
Deixe
que em primeiro lugar Otília Cordeiro, bem ao estilo medieval, lhe faça uma
vénia por uma caracterização e Maria Parda feita de sensibilidade e minúcia e
que tanto ajudaram ao êxito de Ilda Simões. Ilda Simões, repito. Encantou tudo
e todos, deu espaço ao seu grande talento expressou com uma garra
impressionante sentimentos de uma mulher perdida, satirizou, exagerou o quanto
baste na procura do culto vicentino, que o diga Simões Baltazar, que ao seu
espaço temporal de entrada em acção, no papel de Martim Alho, sorria ao bom
sorrir com a performance entusiasmante da sua colega de cena, quase mesmo
hipotecando o brilho da sua própria intervenção. Com a “Farsa de Inês Pereira”
revelou-se acima de tudo a grande escola de teatro da SIT, onde Cátia, José
Pereira e Emanuel Cardoso são a constatação viva de um futuro assegurado para a
arte de representação.
Do
majestoso palácio de Tavarede, o regresso de novo à SIT, onde com o “Monólogo
do Vaqueiro”, por mais uma vez, João José soube com mestria interpretar
sentimentos distintos de expressão séria e momentos divertidos, num deambular
artístico de assinalável mérito. Caíu a noite, na sala de teatro da SIT. Subiu
ao palco, na íntegra, “O velho da horta”.
O
professor doutor José Bernardes, convidado especial para as comemorações, fez
uma palestra muito interessante, deixando aos presentes indicativos preciosos
de como interpretar um autor tão abrangente e complexo como Gil Vicente.
Ficaram lamentos de que os 500 anos de teatro em Portugal não sejam motivo de
comemorações mais dignas de âmbito nacional e elogiou a SIT por se revelar uma
“pedrada no charco” no respeito por tal efeméride.
Ao
momento solene de entrada do Rei D. Manuel na sala e acomodamento nas cadeiras
reais, fez-se escuro que nem breu, subiu o palco e lá estava o velho da horta
no seu jardim, apaixonado e ao mesmo tempo enganado por si próprio, por um amor
inantingivel onde a irreverência da juventude venceu a velhice inconformada. Um
jardim verdejante e colorido, onde marcou pontos o magnífico jogo de luzes, que
deu um ambiente de cena distinto e com atributos de bom gosto.
O
elenco foi como fechar com chave de ouro, como a fina flor, que divertiu e
arrancou gargalhadas e, por fim, fortes aplausos de uma assistência que enchia
quase por completo a sala
O
“velho” da horta era Rogério Neves. Senhor de um grande à-vontade no palco,
deliciou e divertiu a plateia com momentos de expressão artística ímpares para
o dito meio amador. Soube ser rigoroso consigo próprio, porque afinal de
contas, não deve ser fácil exibir uma curvatura na coluna durante todo o
espectáculo, que não lhe é peculiar na vida real. Por ali haverá, decerto,
também o “dedo” de uma encenação cuidada.
Uma
jornada inesquecível, mais uma página escrita no já valioso património cultural
da Sociedade de Instrução Tavaredense. Quanto a Gil Vicente, o agradecimento
por continuar, 500 anos depois, mais vivo do que nunca.
2002.06.27 -
GIL VICENTE PELAS RUAS DE TAVAREDE (O
DEVER)
Misturam-se
tradição, talento e trabalho agitam-se, em Tavarede, e obtém-se Teatro de
Amadores Atentos, que gostaríamos de designar por Teatro de Amantes, com
elevado nível. Digamos que essa miscelânea – ou liga, para os mais exigentes –
não é nova, mas como, desta vez, foi agitada ao ar livre deu, no passado
sábado, 15/6, Teatro Vicentino nas ruas da terra do limonete, com palestra, a
propósito, e reconfortante serão para o ferido ânimo desportivo lusitano.
Isto
aconteceu porque os elementos do Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense
(SIT) atentos como são, fizeram parar o trânsito e comemoraram o V Centenário
da 1ª Representação Vicentina, o que se aceita ser o nascimento do Teatro em
Portugal.
Desta
vez as pupilas e os pupilos (parece-nos justíssima a prioridade) de Mestre José
Ribeiro – já ausente, mas sempre presente – fizeram com que, em boa hora, a
obra de Gil Vicente, o pai do Teatro Português, andasse pelas ruas mais antigas
da freguesia.
As
e os tavaredenses trouxeram para a rua o Teatro e fizeram apresentações nos
largos, não muito largos diga-se, da urbe perante muita assistência e numa
linguagem teatral, com laivos dum arcaico português, que conseguiu fixar a
atenção de todos mesmo com a irreverência do feminino bobo da corte que por lá
andava.
Não
é nossa pretensão escalpelizar aqui tudo o que vimos, mas não queremos deixar
de referir a felicidade da escolha de locais como: o ribeiro de Tavarede onde
estava o Demo e a sua Barca; a zona fronteira ao pequeno jardim onde uma Maria
Parda, com uma incrível caracterização, teve espaço para se expandir; a
proximidade do Paço de Tavarede, dando, simbolicamente, à Violinda Medina
possibilidades de assistir ao que lá se representou, porque ali é lembrada com
o nome numa placa e pôde “ver” actuar o futuro do teatro tavaredense; e no
local mais adequado, em frente do busto do Mesre – Alma Mater do Teatro em
Tavarede – onde se concluíu o teatro de rua, com a representação do “Monólogo
do Vaqueiro” perante a “comitiva real” em que a presidente era a rainha.
À
noite, as comemorações concluiram-se, no salão da SIT, com uma excelente
palestra pelo Dr. José Bernardes, a que se seguiu mais uma peça vicentina “O
Velho da Horta”, numa cena simples mas apropriada, representada com gosto e com
o nível habitual naquela casa. E tudo aconteceu graças ao trabalho, ao empenho,
de mais de trinta pessoas, algumas pouco visíveis, como, por exemplo, quem
dirigiu, coordenou e supervisou o acontecimento, que foram ELAS, as senhoras da
SIT.
Viveu-se,
uma vez mais, Teatro em Tavarede, mas desta vez Gil Vicente até fez parar trânsito.
E
nós por aqui paramos, depois de agradecermos uns rissóis que por lá comemos em
companhia da “Companhia de Teatro do Condado de Tavarede” onde reinam os
Medinas, mas não só.
2002.06.28 -
GIL VICENTE NAS RUAS DE TAVAREDE (O
FIGUEIRENSE)
Gil
Vicente, tal como Shakespeare e tantos outros barões assinalados do Teatro,
esteve no palco da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) mais do que uma vez
(a primeira foi em 28 de Dezembro de 1946).
Porém, neste ano em que se
comemoram os 500 anos da 1ª representação vicentina, que o mesmo é dizer, do
nascimento do Teatro em Portugal, era lógico que a SIT (que sempre teve como
objectivo a educação pelo Teatro), não ficasse de braços cruzados. Com efeito,
após as representações de Janeiro, pelo aniversário, presenteou-nos agora com
alguns dos autos de Gil Vicente.
Desta
vez pôs-se de lado a habitual representação em palco e optou-se pelo exterior,
como se se pretendesse ainda uma maior aproximação do povo da Terra do Limonete.
Dir-se-ia que Gil Vicente, em vez de aparecer em palco, como em 1946, a dizer
Boa
noite, amigos meus!
Ih!
Tanta cara espantada a olhar-me, Santo Deus!
foi por ali abaixo, numa romagem de saudade, aos
sítios onde viveram tantos dos seus amigos que, não só em Tavarede, mas também
noutras localidades do concelho e do país, divulgaram a sua mensagem num falar
“rude, franco e leal”.
A
primeira paragem para apresentação de “O Velho da Horta”, foi no Largo de Santo
Aleixo, a dois passos da casa onde viveu José Luís do Nascimento (que em
Janeiro de 1984 foi o sapateiro no Auto da Barca do Inferno). A segunda
representação, “Todo o mundo e ninguém” e o “Auto da Barca do Inferno”, foi por
cima do ribeiro, ao lado da igreja, num feliz enquadramento, perto da casa onde
viveu João de Oliveira Júnior (no auto já referido, era o diabo). A terceira
representação, foi a do “Auto de Mofina Mendes”, junto ao Jardim, bem perto das
casas onde viveram Lurdes Lontro (que ainda na peça referida, foi Brísida Vaz,
a alcoviteira) e José Ribeiro. Por feliz coincidência, tivemos em “palco” a
directora actual do grupo cénico, drª Ilda Simões, que com o nível da sua
actuação, prestou uma excelente homenagem ao histórico director do Grupo de
Teatro. Em frente do Palácio dos Condes de Tavarede, representou-se a Farsa de
Inês Pereira, frente à casa onde viveu António Jorge da Silva (que em 28 de
Janeiro de 1946, foi um dos pastores do “Auto de Mofina Mendes”). A última
representação, “Monólogo do Vaqueiro”, foi em frente à SIT, junto ao busto de
José Ribeiro, e da casa onde viveu José Vigário (um dos pastores no auto
representado em 1946).
Será
difícil passar em qualquer local de Tavarede, onde não viva ou tenha vivido
algum actor da SIT, tal tem sido a sua actividade teatral. Os resultados saltam
aos olhos de qualquer pessoa: os tavaredenses evidenciam-se pela afabilidade
com que nos recebem e pela riqueza vocabular e correcção do seu falar.
...
Foi ideia do Zé Manel – Esta foi a resposta que me deu a directora do
Grupo de Teatro quando elogiei a localização do Auto da Barca do Inferno.
Penso
que esta resposta traduz uma abertura de espírito muito pouco vulgar nesta
nossa democracia, que terá alguma coisa a ver com o elevado número de pessoas
dispostas a participar não só no grupo cénico como nos outros muitos trabalhos
feitos na “sombra” e que permitem a exibição de peças diferentes com pouco
intervalo entre elas e apresentar um espectáculo disperso por 5 “palcos”, na
via pública.
Há
quase 470 anos (completam-se no dia 11 de Julho próximo?), mestre Gil Vicente
proclamava:
Que
ninguém busca consciência
E
todo o mundo dinheiro.
Actualmente
parece não se enxergarem quaisquer melhoras em relação ao tempo de Gil Vicente.
Vivemos numa sociedade em que o consumismo campeia, provocando o endeusamento
do dinheiro, perante o qual as pessoas capitulam, renegando a honra, palavra
praticamente expulsa do nosso vocabulário. O egoísmo é cada vez maior e vai
sendo ensinado aos jovens.
Contudo,
ainda é possível encontrar pessoas como estas com quem cruzamos na SIT, que
dispõem dos seus tempos livres para fazer algo que lhes dá prazer espiritual
especialmente ao saberem que estão a dar um contributo válido para melhorar o
nível cultural e espiritual da sociedade de que fazem parte.
É
um exemplo reconfortante e estimulante para aqueles que não desistem da luta
por um mundo melhor.
Embora,
infelizmente, as palavras de Gil Vicente continuem actuais, há que dar as mãos
e não esquecer os versos que Manuel Alegre escreveu, na noite salazarenta:
Mesmo
na noite mais triste
Em tempo de servidão
Há
sempre alguém que resiste
Há
sempre alguém que diz não.
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