sábado, 24 de novembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Creíticas - 55


2002.03.14     -     PIRANDELO NO TEATRO DA SIT (A VOZ DA FIGUEIRA)

                No seu 98º aniversário, a Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) levou e mantém em cena a peça “O Homem, a Besta e a Virtude” de Luigi Pirandelo, autor dos inícios do século XX. Não é fácil representar Pirandelo, mas os actores e actrizes da SIT já nos habituaram a não terem dificuldade em representar qualquer peça de teatro, por mais difícil que seja.
                Fernando Romeiro, o actor principal e que se mantém em cena todo o tempo, tem um desempenho excelente, no papel do professor Paolino que dá aulas particulares a vários jovens entre eles, o filho da senhora Perella com quem tem uma relação amorosa.
                Aquela personagem, a quem o marido, o capitão Perella não liga, mesmo quando vem a casa passados meses, é bem desempenhada por Rosa Paz que também já nos habituou com a sua presença em palco. Rogério Neves personifica muito bem o autoritário e machista capitão Perella.
                O bom desempenho de todos: o doutor Nino, por Valdemar Cruz; o senhor Tótó, farmacêutico, António Barbosa; Rosária, a governanta, Manuela Mendes; os estudantes, Gil e Abel, representados por José Miguel Pereira e Anselmo Cardoso; Nónó, João Pedro Paz; Graça, a criada, Maria Helena Rodrigues e o marinheiro, João José Silva, faz com que ao longo de aproximadamente duas horas se assista a teatro de qualidade, apanágio da SIT ao longo da também já sua longa existência, uma vez que está a dois anos da comemoração do seu centenário.
                Mas por trás dos bastidores toda uma equipa trabalha afincadamente, antes, durante e depois, dirigida e coordenada por Ilda Simões que tem feito um bom trabalho e que tem a seu cargo a encenação e direcção de cena, equipa composta por José Miguel Lontro, Nuno Pinto, José Maltez, Otília Medina, João Pedro Amorim, João Fadigas, José Manuel Cordeiro e Vitor Assis.
                Vocacionada desde sempre para o teatro, a SIT está a desenvolver um projecto a que concorreu, através da Delegação do Ministério da Cultura da Região Centro, tendo em vista a formação nos vários domínios, o adequado apetrechamento técnico e um arquivo documental ligado ao teatro, de forma a que possa vir a apoiar os outros grupos de teatro amador do nosso concelho, que é um exemplo no país e a testemunhar estão as 25ª Jornadas de Teatro Amador, organizadas pelos Lions Clube da Figueira da Foz e que irão decorrer a partir de 27 de Março, nas quais estão inscritos 26 grupos de teatro.

2002.05.02     -     É URGENTE O AMOR (O DEVER)

                Apresentando em estreia, com lotação esgotada e honras de presença do autor da peça – Luís Francisco Rebello – e também do engº Duarte Silva com alguns dos seus vereadores, a peça “É urgente o amor”, a Sociedade de Instrução Tavaredense deu uma lição de como é possível pôr a evolução tecnológica ao serviço do teatro de qualidade, aspecto a merecer uma referência muito especial para os homens que do escuro dos bastidores souberam fazer dos efeitos de luz “actores” decisivos na espectacularidade da representação, prescindindo das tradicionais descidas de pano para mudanças de acto.
                E foi, apoiados nessa mais-valia dos desenhos de luz, que os oito personagens “viveram” a tragédia da jovem Branca (Luísa Rosmaninho, com a naturalidade espantosa de transformar os problemas de há meio século em chagas de hoje) vítima daquela encruzilhada de vidas sombrias onde a mãe (Ilda Manuela Simões essa continuadora da escola de mestre José Ribeiro que lhe permite ser “pau para todo o serviço” – actriz a fazer inveja a muitos profissionais, encenadora de méritos reconhecidos e que nesta peça soube ganhar o desafio desta coabitação com os desenhos de luz, onde é justo deixar um aceno de muito apreço para José Miguel Lontro) soube assumir a mentira que serviu de suporte à peça e m que os papéis de maus do enredo tiveram magnífica interpretação nas pessoas de João José Silva (Alberto, o ausente da terra mas sempre presente no palco e direcção de cena, peça da mobília), e José Medina, um “Jorge” à medida das circunstâncias (dificílimas) em que se viu envolvido naquela teia de mentiras tão bem realçadas na penumbra da repartição de polícia onde o chefe (António Barbosa) e o seu agente (João Pedro Amorim) cumpriram as formalidades de assinalar o desenlace fatal esquecendo as denúncias de Margarida (Paula Sofia Simões), esposa traída, e da Madalena (Susana Neves), a falsa amiga da vítima.
                Porque as exigências técnicas de apoio à peça não deverão permitir a representação desta fora do Teatro da SIT, razão porque não está integrada nas Jornadas de Teatro Amador, e porque a alta qualidade do desempenho justificam plenamente a presença de quem tem gosto pelo bom teatro, aconselhamos uma deslocação a Tavarede para assistir a “É urgente o amor” numa das repetições que a muita afluência registada justificam.

2002.05.09     -     SIT PRESTA HOMENAGEM A GIL VICENTE (A VOZ DA FIGUEIRA)

                No corrente ano celebram-se os 500 anos da representação do primeiro texto vicentino: “Auto da Visitação” ou “Monólogo do Vaqueiro”. Este texto marca o início do teatro em Portugal. A Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), assumindo-se como um pólo da arte de Talma no concelho, irá também assinalar “tão importante data, pois Gil Vicente teve sempre um lugar de destaque nesta casa”, conforme frisa a direcção da colectividade. “O Auto da Barca do Inferno, “O Auto da Alma”, “Quem tem farelos?”, “Todo o Mundo e Ninguém”, “O Velho da Horta”, “D. Duardos”, “O Pranto da Maria Parda” e “O Monólogo do Vaqueiro”, foram alguns dos trabalhos apresentados pelos amadores de Tavarede, sob a direcção do grande Mestre José Ribeiro.
                A direcção cénica considera que “apesar de todas as trasformações, de todo o dsenvolvimento que o nosso mundo tem sofrido Gil Vicente continua actual”,  que “a crítica à falsa moralidade a sociedade da sua época, aos costumes, ao quotidiano dos grandes e dos pequenos, leva-nos a reflectir sobre o ser humano que cada um de nós é”.
                Sendo da opinião de que o teatro também serve para nos conhecermos, nada melhor que trazer Gil Vicente para o palco e aproveitar esta data para “lembrar ou relembrar alguns textos vicentinos. Actores e público, vão ter oportunidade de estar lado a lado e frente a frente, em espaços tidos por convencionais para a prática do teatro, vão poder vivenciar as realidades do século XVI e vão poder compará-las com as realidades do século XXI.
                Desta forma, a SIT irá começar por fazer um espectáculo de rua, no dia 15 de Junho, o qual terá início às 16,30 horas, no largo da colectividade. Este espectáculo terá cinco actos e envolverá mais de 30 amadores, assim distribuído: 1º acto – Largo de Santo Aleixo: “O Velho da Horta”; 2º acto - Largo da Igreja: “Auto da Barca do Inferno” e “Todo o Mundo e Ninguém” (fragmentos); 3º acto – Largo Maria Amália: “O Pranto de Maria Parda” (fragmentos); 4º acto – Largo do Paço: “Farsa de Inês Pereira” (fragmentos); 5º acto – Largo da SIT: “O Monólogo do Vaqueiro”.
                O espectáculo, entre estes espaços, “desenvolver-se-á com movimentos e velocidades diferenciadas, onde serão explorados gestos e expressões, voz e improvisação”. A música da época acompanhará toda a actuação.
                No dia 15 de Junho, às 21,45 horas, no palco da SIT, acontece a representação de “O Velho da Horta” e uma palestra sobre Teatro Vicentino, proferida por José Bernardes.

2002.05.23     -     É URGENTE O AMOR (A VOZ DA FIGUEIRA)

                Sorririas, mestre Ribeiro, se ao lado de todos nós, presenciasses a todo um ideal que defendeste, a toda uma postura fiel a uma escola por demais viva e marcante, onde os teus princípios se traduziram não só na escolha do grande autor dramaturgo Luís Francisco Rebelo, mas em toda a envolvência programática feita de rigor, disciplina e método, aliado a uma grande alma e teatro, bem patente na dedicação, talento e garra desta gente do “povo comum”, que te honra e te segue passo a passo.
                Foi a primeira vez, mestre Ribeiro, que pisei esta sua segunda casa, quando junto à Igreja de Tavarede iniciei caminhada a pé, escalando o pequeno percurso das ruas estreitas em direcção à SIT. Depois da primeira subida, o corte à direita, uma grande luz iluminava a colectividade e logo a dita “catedral do teatro” estava ali, em frente aos meus olhos.
                A azáfama era grande entre os que organizavam as entradas e acomodamento do público e aqueles que metodicamente colocados nos seus postos, se preparavam para dar corpo à envolvência da representação, com um ambiente cenográfico adequado e, diga-se com justiça, perfeitamente conseguido.
                Às pancadas de Molière sucedeu-se um grito de angústia e morte, ao silêncio espectante da plateia, a envolvência arrepiante do resgate de uma causa perdida, o barulho ritmado das hélices de um helicóptero, as luzes em movimento estonteante, num bailado aflito de desespero e drama, e o público ali no meio, tomando conhecimento e certificando-se do inevitável fim de Branca, uma jovem que entre o inconformismo e a esperança, procurou o amor, sem nunca o ter conseguido.
                Orgulhosa poderá e deverá estar esta autêntica equipa da SIT, porque para além do mais, apresentou aspectos técnicos que tiraram um maior rendimento à pretensão da mensagem transmitida. No palco, um ambiente tão curioso quanto enigmático, onde a determinados “espaços de acção”, se juntavam a totalidade ou quase totalidade dos personagens, embora em ambientes perfeitamente definidos, a delegacia policial, Branca no além, ora prostrada no chão representando a morte, ora em acesas discussões e interpelações, com um alinhamento à sua volta, das pessoas da sua relação, ou ainda no exercício do regresso ao passado no espaço íntimo do seu próprio quarto. Tudo isto com o auxílio caprichado de um jogo de luzes onde cada individualidade alternava a acção com um silêncio presente, quedo e mudo, na penumbra do palco e numa postura comprometedora de conivência e sentido e culpa pelo desenlace fatal. Foi o prender da plateia a cada um dos intervenientes, mantendo uma relação forte entre o público e aquilo que cada uma significava para a procura da verdade.
                António Barbosa e João Amorim, ou melhor dizendo, o chefe e o agente Simões, de forma segura, serena e tranquila, conseguiam materializar a imagem pretendida de uma força de autoridade, que por função tinha deslindar um caso de hipotético acidente, suicídio ou homicídio, mas com um tal empenho de carácter duvidoso, entre a investigação dos factos e o interesse preferencial de umas boas palavras cruzadas, onde o saber qual o imperador romano com oito letras se lhes afigurava um objectivo de primordial importância.
                Susana Neves, no papel de Madalena, evidenciou atributos de uma artista em potência, com uma forte sensibilidade e uma margem enormíssima de progressão. Esta Madalena, nada arrependida de considerar os homens todos iguais e a mesmo tempo nutrir um carinho demasiadamente “especial”... por Branca.
                João Silva mostrou talentosamente como um drama não é só representação “séria” como pensará o “senso comum”. Com passos de quem bem conhece os caminhos de um palco, levou à cena o personagem Alberto, naquele que se pode afirmar tratar-se de um “chulo de cinco estrelas” que não via com bons olhos quando o dr. Jorge ameaçava deixar Branca, sua namorada, o que obviamente lhe colocaria instabilidade financeira. Por acréscimo da sua falsidade e cobardia, fugia a sete pés quando via o mar mais alto que a terra, nas discussões de Branca com sua mãe, provocando momentos de grande divertimento na plateia.
                Um elenco acima de tudo experiente, onde José Medina assume essa forte mensagem em cada palavra e em cada gesto, de como o tempo amadurece e dá consistência, como na vida também no teatro. E assim foi a melhor escolha para um dr. Jorge, com uma bonita idade para... não ter juízo assumindo-se com um verdadeiro mecenas que vivia entre o adultério e o conceito de família respeitosa, que não podia ser beliscada fosse por que preço fosse.
                Ilda Simões estará decerto duplamente feliz, porque na qualidade de encenadora viu a sua gente dar expressão aos seus desejos, com actuações de grande qualidade artística,  que ao facto não será alheio a sua galvanizante presença em palco, onde no papel de mãe de Branca, fez jus a uma brilhante interpretação feita de engenho e arte, num apelo muito forte ao estado de alma que apenas advém de uma genuina artista de teatro.
                Mãe de Branca era, como dizia Alberto, um “velho coiro” que incentivava a sua filha a uma relação amorosa com o dr. Jorge, de forma a tirar dividendos financeiros de tal situação.
                O bom e o bonito foi o aparecimento de Margarida, esposa do dr. Jorge e autêntica figura mistério, com acção apenas na parte final da história. Revelou a todos, e especialmente ao seu marido, que afinal de contas sabia de tudo, sofrendo no silêncio e na ânsia de recuperar só para si o dr. Jorge. Acabou por interferir também no labirinto de desencanto que levou à morte de Branca. Paula Simões, num menor tempo de actuação, provou com Margarida não deixar créditos por mãos alheias e chegar aos níveis altos dos seus colegas.
                Luísa Rosmaninho (Branca), que excelentes momentos nos proporcionou, mais um grande exemplo de que não é só preciso saber-se fazer teatro, isto no que concerne puramente aos aspectos técnicos de representação, mas também sentir o teatro, e se assim se pode dizer, com a sensibilidade do coração, numa aproximação de como quase fosse uma situação real.
Procurou dentro de si as suas qualidades inatas, que não se compram, não se vendem, não se aprendem, mas apenas teremos que lhes dar espaço para se revelarem. Luísa Rosmaninho é sem dúvida um nome a fixar.
Em tempos de tão badalada crise teatral, em boa hora organizou e apoiou o Lions Clube da Figueira da Foz estas jornadas de teatro amador, e se crise existe, então digo eu com toda a certeza, de que afinal não é geral e Tavarede é mais um bom exemplo e como o teatro no concelho da Figueira da Foz está forte e vivo e, sinceramente, recomenda-se.

2002.06.20     -     TAVAREDE EVOCOU GIL VICENTE PELAS RUAS (A VOZ DA FIGUEIRA)

                ... Na actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense patenteia-se o culto do fundador do teatro em Portugal e revela-se o propósito de levar Gil Vicente ao povo, mostrando-o vivo, através das suas obras, sobre tábuas do palco...
                E assim foi. Tavarede é como que uma “ilustre e idosa senhora” que honra e sempre honrou com engenho e arte o culto da representação teatral. O teatro saiu à rua, de alegria estampada no rosto o povo apinhava-se nos recantos sombrios da povoação, a ansiedade sentia-se em cada gesto, o ambiente estava magnificamente ajustado a um pretendido regresso ao passado, as melodias impulsionavam o som de uma sublime flauta encantada, tão típica e marcante da época.
                Os batimentos melodiosos do sino da Igreja de Tavarede despertou Gil Vicente, o povo agitou-se e estava disposto a participar e foliar com sátira vicentina. Em dia quente escaldante, a corte desfilava altaneira as vestes pesadas do tempo, a beleza de luz e brilho de lantejoulas suportadas por artesanais desenhos de purpurina, que nos enchiam a alma e refrescavam os olhos.
                O bôbo da corte saltitava em animação estonteante, em círculos endiabrados e provocatórios, como que aferindo em cada um de nós um potencial e objectivo “réu” de barrete enfiado à sátira de Gil Vicente. O culto vicentino estava agora vivo e bem vivo e pronto para a abertura às eventuais hostilidades satíricas, um palco no meio de um riacho ou recanto escolhido para o “navegar” da dita “Barca do Inferno”.
                Fernando Romeiro era a imagem de um Satanás genuíno, de gargalhadas sonoras e movimentos maquiavélicos, aliciava e justificava passageiros para a sua barca, de diversos extractos sociais e múltiplas artes e ofícios. À sucessão de “Todo o mundo e ninguém”, iniciava-se a caminhada para o Largo de Maria Amália de Carvalho, defronte a um pequenito jardim, como tanto era do agrado de Gil Vicente, assistiu-se ao “Pranto de Maria Parda”, transformado num grande momento de teatro.
                Brilhou uma estrela, feita do povo, e com um dom que Deus lhe deu, e escusado será, que determinados intelectuais do teatro possam pensar que em algum momento deixarei de realçar e individualizar tudo aquilo que me arrepie o coração e estremeça os sentidos.
                Deixe que em primeiro lugar Otília Cordeiro, bem ao estilo medieval, lhe faça uma vénia por uma caracterização e Maria Parda feita de sensibilidade e minúcia e que tanto ajudaram ao êxito de Ilda Simões. Ilda Simões, repito. Encantou tudo e todos, deu espaço ao seu grande talento expressou com uma garra impressionante sentimentos de uma mulher perdida, satirizou, exagerou o quanto baste na procura do culto vicentino, que o diga Simões Baltazar, que ao seu espaço temporal de entrada em acção, no papel de Martim Alho, sorria ao bom sorrir com a performance entusiasmante da sua colega de cena, quase mesmo hipotecando o brilho da sua própria intervenção. Com a “Farsa de Inês Pereira” revelou-se acima de tudo a grande escola de teatro da SIT, onde Cátia, José Pereira e Emanuel Cardoso são a constatação viva de um futuro assegurado para a arte de representação.
                Do majestoso palácio de Tavarede, o regresso de novo à SIT, onde com o “Monólogo do Vaqueiro”, por mais uma vez, João José soube com mestria interpretar sentimentos distintos de expressão séria e momentos divertidos, num deambular artístico de assinalável mérito. Caíu a noite, na sala de teatro da SIT. Subiu ao palco, na íntegra, “O velho da horta”.
                O professor doutor José Bernardes, convidado especial para as comemorações, fez uma palestra muito interessante, deixando aos presentes indicativos preciosos de como interpretar um autor tão abrangente e complexo como Gil Vicente. Ficaram lamentos de que os 500 anos de teatro em Portugal não sejam motivo de comemorações mais dignas de âmbito nacional e elogiou a SIT por se revelar uma “pedrada no charco” no respeito por tal efeméride.
                Ao momento solene de entrada do Rei D. Manuel na sala e acomodamento nas cadeiras reais, fez-se escuro que nem breu, subiu o palco e lá estava o velho da horta no seu jardim, apaixonado e ao mesmo tempo enganado por si próprio, por um amor inantingivel onde a irreverência da juventude venceu a velhice inconformada. Um jardim verdejante e colorido, onde marcou pontos o magnífico jogo de luzes, que deu um ambiente de cena distinto e com atributos de bom gosto.
                O elenco foi como fechar com chave de ouro, como a fina flor, que divertiu e arrancou gargalhadas e, por fim, fortes aplausos de uma assistência que enchia quase por completo a sala
                O “velho” da horta era Rogério Neves. Senhor de um grande à-vontade no palco, deliciou e divertiu a plateia com momentos de expressão artística ímpares para o dito meio amador. Soube ser rigoroso consigo próprio, porque afinal de contas, não deve ser fácil exibir uma curvatura na coluna durante todo o espectáculo, que não lhe é peculiar na vida real. Por ali haverá, decerto, também o “dedo” de uma encenação cuidada.
                Uma jornada inesquecível, mais uma página escrita no já valioso património cultural da Sociedade de Instrução Tavaredense. Quanto a Gil Vicente, o agradecimento por continuar, 500 anos depois, mais vivo do que nunca.

2002.06.27     -     GIL VICENTE PELAS RUAS DE TAVAREDE (O DEVER)

                Misturam-se tradição, talento e trabalho agitam-se, em Tavarede, e obtém-se Teatro de Amadores Atentos, que gostaríamos de designar por Teatro de Amantes, com elevado nível. Digamos que essa miscelânea – ou liga, para os mais exigentes – não é nova, mas como, desta vez, foi agitada ao ar livre deu, no passado sábado, 15/6, Teatro Vicentino nas ruas da terra do limonete, com palestra, a propósito, e reconfortante serão para o ferido ânimo desportivo lusitano.
                Isto aconteceu porque os elementos do Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) atentos como são, fizeram parar o trânsito e comemoraram o V Centenário da 1ª Representação Vicentina, o que se aceita ser o nascimento do Teatro em Portugal.
                Desta vez as pupilas e os pupilos (parece-nos justíssima a prioridade) de Mestre José Ribeiro – já ausente, mas sempre presente – fizeram com que, em boa hora, a obra de Gil Vicente, o pai do Teatro Português, andasse pelas ruas mais antigas da freguesia.
                As e os tavaredenses trouxeram para a rua o Teatro e fizeram apresentações nos largos, não muito largos diga-se, da urbe perante muita assistência e numa linguagem teatral, com laivos dum arcaico português, que conseguiu fixar a atenção de todos mesmo com a irreverência do feminino bobo da corte que por lá andava.
                Não é nossa pretensão escalpelizar aqui tudo o que vimos, mas não queremos deixar de referir a felicidade da escolha de locais como: o ribeiro de Tavarede onde estava o Demo e a sua Barca; a zona fronteira ao pequeno jardim onde uma Maria Parda, com uma incrível caracterização, teve espaço para se expandir; a proximidade do Paço de Tavarede, dando, simbolicamente, à Violinda Medina possibilidades de assistir ao que lá se representou, porque ali é lembrada com o nome numa placa e pôde “ver” actuar o futuro do teatro tavaredense; e no local mais adequado, em frente do busto do Mesre – Alma Mater do Teatro em Tavarede – onde se concluíu o teatro de rua, com a representação do “Monólogo do Vaqueiro” perante a “comitiva real” em que a presidente era a rainha.
                À noite, as comemorações concluiram-se, no salão da SIT, com uma excelente palestra pelo Dr. José Bernardes, a que se seguiu mais uma peça vicentina “O Velho da Horta”, numa cena simples mas apropriada, representada com gosto e com o nível habitual naquela casa. E tudo aconteceu graças ao trabalho, ao empenho, de mais de trinta pessoas, algumas pouco visíveis, como, por exemplo, quem dirigiu, coordenou e supervisou o acontecimento, que foram ELAS, as senhoras da SIT.
                Viveu-se, uma vez mais, Teatro em Tavarede, mas desta vez Gil Vicente até fez parar  trânsito.
                E nós por aqui paramos, depois de agradecermos uns rissóis que por lá comemos em companhia da “Companhia de Teatro do Condado de Tavarede” onde reinam os Medinas, mas não só.

2002.06.28     -    GIL VICENTE NAS RUAS DE TAVAREDE (O FIGUEIRENSE)

                Gil Vicente, tal como Shakespeare e tantos outros barões assinalados do Teatro, esteve no palco da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) mais do que uma vez (a primeira foi em 28 de Dezembro de 1946).
                Porém, neste ano em que se comemoram os 500 anos da 1ª representação vicentina, que o mesmo é dizer, do nascimento do Teatro em Portugal, era lógico que a SIT (que sempre teve como objectivo a educação pelo Teatro), não ficasse de braços cruzados. Com efeito, após as representações de Janeiro, pelo aniversário, presenteou-nos agora com alguns dos autos de Gil Vicente.
                Desta vez pôs-se de lado a habitual representação em palco e optou-se pelo exterior, como se se pretendesse ainda uma maior aproximação do povo da Terra do Limonete. Dir-se-ia que Gil Vicente, em vez de aparecer em palco, como em 1946, a dizer
                                               Boa noite, amigos meus!
                                               Ih! Tanta cara espantada a olhar-me, Santo Deus!
foi por ali abaixo, numa romagem de saudade, aos sítios onde viveram tantos dos seus amigos que, não só em Tavarede, mas também noutras localidades do concelho e do país, divulgaram a sua mensagem num falar “rude, franco e leal”.
                A primeira paragem para apresentação de “O Velho da Horta”, foi no Largo de Santo Aleixo, a dois passos da casa onde viveu José Luís do Nascimento (que em Janeiro de 1984 foi o sapateiro no Auto da Barca do Inferno). A segunda representação, “Todo o mundo e ninguém” e o “Auto da Barca do Inferno”, foi por cima do ribeiro, ao lado da igreja, num feliz enquadramento, perto da casa onde viveu João de Oliveira Júnior (no auto já referido, era o diabo). A terceira representação, foi a do “Auto de Mofina Mendes”, junto ao Jardim, bem perto das casas onde viveram Lurdes Lontro (que ainda na peça referida, foi Brísida Vaz, a alcoviteira) e José Ribeiro. Por feliz coincidência, tivemos em “palco” a directora actual do grupo cénico, drª Ilda Simões, que com o nível da sua actuação, prestou uma excelente homenagem ao histórico director do Grupo de Teatro. Em frente do Palácio dos Condes de Tavarede, representou-se a Farsa de Inês Pereira, frente à casa onde viveu António Jorge da Silva (que em 28 de Janeiro de 1946, foi um dos pastores do “Auto de Mofina Mendes”). A última representação, “Monólogo do Vaqueiro”, foi em frente à SIT, junto ao busto de José Ribeiro, e da casa onde viveu José Vigário (um dos pastores no auto representado em 1946).
                Será difícil passar em qualquer local de Tavarede, onde não viva ou tenha vivido algum actor da SIT, tal tem sido a sua actividade teatral. Os resultados saltam aos olhos de qualquer pessoa: os tavaredenses evidenciam-se pela afabilidade com que nos recebem e pela riqueza vocabular e correcção do seu falar.
                ... Foi ideia do Zé Manel – Esta foi a resposta que me deu a directora do Grupo de Teatro quando elogiei a localização do Auto da Barca do Inferno.
                Penso que esta resposta traduz uma abertura de espírito muito pouco vulgar nesta nossa democracia, que terá alguma coisa a ver com o elevado número de pessoas dispostas a participar não só no grupo cénico como nos outros muitos trabalhos feitos na “sombra” e que permitem a exibição de peças diferentes com pouco intervalo entre elas e apresentar um espectáculo disperso por 5 “palcos”, na via pública.
                Há quase 470 anos (completam-se no dia 11 de Julho próximo?), mestre Gil Vicente proclamava:
                                                                              Que ninguém busca consciência
                                                                              E todo o mundo dinheiro.
                Actualmente parece não se enxergarem quaisquer melhoras em relação ao tempo de Gil Vicente. Vivemos numa sociedade em que o consumismo campeia, provocando o endeusamento do dinheiro, perante o qual as pessoas capitulam, renegando a honra, palavra praticamente expulsa do nosso vocabulário. O egoísmo é cada vez maior e vai sendo ensinado aos jovens.
                Contudo, ainda é possível encontrar pessoas como estas com quem cruzamos na SIT, que dispõem dos seus tempos livres para fazer algo que lhes dá prazer espiritual especialmente ao saberem que estão a dar um contributo válido para melhorar o nível cultural e espiritual da sociedade de que fazem parte.
                É um exemplo reconfortante e estimulante para aqueles que não desistem da luta por um mundo melhor.
                Embora, infelizmente, as palavras de Gil Vicente continuem actuais, há que dar as mãos e não esquecer os versos que Manuel Alegre escreveu, na noite salazarenta:
 Mesmo na noite mais triste
Em  tempo de servidão
Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não.

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