2000.06.02 -
SIT – UMA EXISTÊNCIA DEDICADA À CULTURA (O FIGUEIRENSE)
Foi
a 15 de Janeiro de 1904 que um grupo de homens, todos de humilde condição,
assinou na Casa de Ourão, no Largo do Terreiro, a acta de fundação da Sociedade
de Instrução Tavaredense (SIT). Esta associção tinha como objectivo criar uma
escola para ensino de sócios e seus filhos. Depois resolveram formar um grupo
cénico com o fim de divertir e ao mesmo tempo obter receitas que permitissem
manter a associação.
O
teatro foi desde logo tomado como actividade principal da SIT na continuação de
uma tradição antiga dos tavaredenses. Já em 1896, na Gazeta da Figueira,
Ernesto Fernandes Tomás nos fala de Tavarede e dos seus teatros; “as sociedades
dramáticas vegetavam em Tavarede como tortulhos”.
Logo
após a formação da associação, começou a funcionar uma escola nocturna,
gratuita, que manteve as suas portas abertas cerca de quarenta anos e que só
desapareceu em 1942, por força da política vigente.
Ao
falar da história da SIT, ter-se-á de referir forçosamente o nome de João José
Costa, pois foi ele que transformou o prédio onde os amadores de Tavarede
representavam num excelente teatro. Mais tarde, João dos Santos, seu herdeiro,
pôs à disposição da colectividade, sem receber qualquer renda, o prédio do
Largo do Terreiro, a fim de nele ser instalada a sede da SIT. Em 26 de Dezembro
de 1941, o edifício é vendido à colectividade por Arménio Santos, filho do
anterior proprietário.
Os
anos foram passando e a SIT foi crescendo, sendo preciso ampliar e remodelar as
suas instalações. Foi a ajuda da Fundação Gulbenkian e de muitos amigos da casa
que permitiram que em 8 de Maio de 1965 se inaugurasse o edifício onde ainda
hoje se encontra a sede da SIT.
A
actividade desta colectividade tem sido intensa. Grandes dramaturgos ali têm
sido representados. O grande dinamizador do teatro foi, sem sombra de dúvida,
José da Silva Ribeiro, que dedicou à SIT e ao teatro toda a sua vida. José
Ribeiro foi o mestre do grupo desde 1915 até 1984, ano da sua morte.
Seguiram-se-lhe na direcção cénica João Oliveira Cordeiro mas, infelizmente,
pouco tempo esteve à frente do grupo, devido a um acidente trágico que o
vitimou. Depois foi a vez de Ana Maria Caetano.
De
momento, Ilda Manuela Simões é quem dirige a secção teatral com a ajuda e o
empenhamento de todos aqueles que fazem um espectáculo.
Os
amadores de Tavarede continuam a ser fiéis ao espírito e aos ensinamentos de
mestre José Ribeiro. Continua a ser sua intenção transmitir ao público um certo
saber, mas também proporcionar a esse mesmo público o prazer de assistir a uma
forma de arte, divertindo-se.
Escola
de formação teatral... urgente – Professora do ensino secundário, Ilda
Simões nutre grande paixão pela arte de Talma. Algumas vicissitudes por que
passou o teatro da SIT, levam esta amadora a assumir a direcção cénica do
grupo, para além da encenação. Representar e esquematizar a montagem das peças
nas suas várias vertentes, é outra das suas funções.
Foi
precisamente com Ilda Simões que O Figueirense quis fazer a radiografia do
teatro que se vai fazendo em Tavarede.
Como
vai o teatro em Tavarede?
O teatro caminha. Temos encontrado algumas pedras que
nos fazem tropeçar de vez em quando, mas ainda não caímos e julgo que, neste
momento, dada a enorme vontade de prosseguir que todos temos, já não iremos
parar.
Essas
pedras de que fala referem-se exactamente a quê?
A vários factores. A falta de
jovens amadores é um dos problema. Por vezes deparamos com situações
complicadas, tendo de fazer até alterações às obras que queremos representar. A
peça que temos em cena – O Pecado de João Agonia – constitui em desses exemplos.
Eu precisava de um jovem de cerca de vinte anos e não o tinha, o que me levou a
transformar esse jovem noutro de, digamos, quarenta anos.
Mas também a inexistência de
textos dramáticos actuais, a falta de formação em algumas áreas e a falta de
dinheiro são outras tantas pedras.
Qual a razão que a levou a
encenar uma peça nunca antes vista nem representada em Tavarede?
Uma das razões foi exactamente essa, nunca ter sido
representada em Tavarede. Depois porque o tema é actual, interventivo. Embora a
situação proposta por Santareno não fosse resolvida da mesma maneira, ainda há
muita gente que afasta do seu convívio um homossexual.
Como
consegue conciliar a função de amadora (representar) e de encenadora?
É bastante difícil. Contudo para dirigir este grupo
de amadores, conto com a grande colaboração de João José Silva e de todos
aqueles que querem dar a sua opinião. Ouço todos, mas não é um trabalho de que
goste muito. Encenar é um desafio. Todo o processo criativo que se vai
elaborando na minha mente à medida que leio e releio uma peça é algo que me
fascina. Contudo, representar é aquilo que verdadeiramente eu gosto de fazer,
estar em cima de um palco, vivendo outras vidas.
Que
projectos para o futuro?
O Pecado de João Agonia continuará em cena até
Setembro. Temos imensos pedidos para sair com esta peça, porém é impossível
atender a todos. Não somos profissionais. Depois começaremos a ensaiar outra
peça a estrear em Janeiro. À semelhança do que temos feito de há dois anos para
cá, gostaríamos de ensaiar ainda outra peça em 2001, mas dado que em princípio
iremos também fazer formação, não sabemos se será possível conciliar tudo.
João
Miguel Amorim: é necessário cativar os jovens – João Miguel, um jovem
amador da SIT, é quase um veterano nestas andanças teatrais. Apesar dos seus 14
anos, pisou pela primeira vez o palco aos três anos de idade e nunca mais
parou. Representa a quarta geração de amadores na família. Sua bisavó materna,
Emília Monteiro, foi das primeiras amadoras da SIT; seus avós, João Pedro
Amorim e Conceição Mota, ainda estão no activo e sua mãe também já pisou as
tábuas do palco tavaredense.
Frequenta
o 8º ano de escolaridade. Os seus tempos livres divide-os entre o basquetebol e
o teatro.
João
Miguel, apesar da sua juventude, tem ideias muito claras acerca do papel
importante da cultura nos jovens: “Lamento que por vezes os jovens da minha
idade não adiram às manifestações culturais, ou que venham para o teatro”.
João
Medina: o teatro na SIT está no bom caminho – João Medina é uma referência
do teatro amador da SIT. Tem 68 anos de idade e representa desde os 16. Em 1999
foi alvo de várias homenagens que simbolizaram as suas bodas de ouro como
amador teatral. Do seu currículo consta que já participou em mais de 60 peças.
Sobre
o que se vai representando tem ideias muito próprias: “Sem querer menosprezar o
trabalho de ninguém, penso que a nível geral perdeu valor nos últimos 20 anos.
Houve mudanças grandes na montagem das peças, nas adaptações dos originais, nos
vários aspectos que envolve o teatro, contudo penso que antigamente existia
mais representação e mais arte”.
Como
elemento mais antigo em actividade no grupo cénico da SIT, João Medina
preconiza o futuro do teatro em Tavarede: “a SIT em minha opinião tem futuro
assegurado. Talvez não tenha ainda atingido o valor que lhe foi imposto pelo
saudoso mestre José Ribeiro, porém o que fazemos hoje em Tavarede não nos
envergonha”.
João
Medina mostrou-se optimista: “é indispensável trazer a juventude ao teatro,
assim como indispensável é a existência de escolas de formação, contudo não há
melhor escola que o pisar das tábuas”.
2000.06.15 -
O PECADO DE JOÃO AGONIA (O DEVER)
Cumpridas
que estavam algumas representações desta peça, uma das quais em Carvalhais de
Lavos, no âmbito das Jornadas de Teatro Amador, “O Pecado de João Agonia”, obra
de Bernardo Santareno com adaptação de Ilda Manuela Simões, voltou ao palco da
Sociedade de Instrução Tavaredense, no passado dia 30 de Maio.
Peça
difícil pelo pesado enredo e envolvência da homossexualidade, “O Pecado de João
Agonia” constituiu mais um desafio ao “profissionalismo” destes artistas dum
palco com tradições.
Com
uma Rita Agonia, marcada pela praga duma velha (Conceição Mota), que no canto da lareira recalca ódios e adivinha
desgraças com grande dramatismo, e esmagada sob o mau agoiro dos olhos verdes
que a martirizam desde o parto do seu João (Valdemar Cruz) o desgraçado que
trouxe da tropa em Lisboa a vergonha da família Agonia desvendada por Manuel
Lamas (João Pedro Amorim).
Com
um Fernando Agonia como animador da família a apoiar o irmão, incentivar a irmã
Teresa Agonia (Teresa Lontro) para o idílio com o Toino Gesta (João Miguel)
assediar a desenvolta e irreverente Maria Giesta (Paula Sofia) perante as
ameaçadoras intenções de Guilhermina Giesta (Manuela Mendes) desdobrando-se
naquela roda-viva só ao alcance dum predestinado (João José Silva) e atingido
pelo “bicho do teatro” que se não está em cena na cenografia ou na direcção de
cena, o enredo explode no terceiro acto onde a alma dos Agonia – pai Miguel (na
gravidade da voz de João Medina a dar pose à responsabilidade), José e Carlos
(a vir ao de cima a mestria de José Medina e a versatilidade de Rogério Neves)
e os irmãos – assume a trágica decisão de lavar com a morte a desonra da
família, que Rita Agonia assume (no talentoso desempenho de Ilda Manuela
Simões), com um dramatismo final de pôr a sala de pé.
Porque
esta peça só ao alcance de experimentados actores, não admira que ela tenha
merecido uma chuva de convites para fora do concelho, numa inequívoca prova de
que Tavarede continua a ser um referencial no teatro amador, onde “os artistas
pegam de estaca”.
Palmas
para todos, sem excepção, que sem os que actuam na sombra jamais seria possível
tais êxitos.
E
parabéns pela honra que dão à escola de José Ribeiro.
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