2001.01.26 -
SOCIEDADE DE INSTRUÇÃO TAVAREDENSE (O
FIGUEIRENSE)
Foi
em 15 de Janeiro de 1904 que Tavarede viu nascer no seu seio a Sociedade de
Instrução Tavaredense (SIT).
Tavarede, uma freguesia rural cuja
população vivia exclusivamente da agricultura, onde os “cavadores” trabalhavam
a terra de sol-a-sol, não havia tempo para a cultura e muito menos para a
instrução. Tal facto levou a que um punhado de tavaredenses fundasse a SIT,
cuja principal acção seria a criação duma escola onde os tavaredenses pudessem
aprender a ler depois das tarefas da lavra.
Poucos
anos após a sua fundação, já se falava de teatro e foi de tal ordem o amor pela
“arte de Talma” que ainda hoje, volvidos 97 anos, é o teatro a principal razão
da existência da colectividade.
Não
se pode falar da SIT sem mencionar o nome de mestre José da Silva Ribeiro. Se a
SIT hoje é o que é muito deve a mestre José Ribeiro que dedicou toda a sua vida
ao teatro e soube incutir essa paixão aos tavaredenses, que ainda hoje sentem o
orgulho pela sua SIT ser considerada a “catedral do teatro amador”.
Várias
gerações têm passado por aquela colectividade, todavia o exemplo daquelas que
ao longo dos anos escreveram páginas brilhantes, de um historial que é orgulho
dos tavaredenses, continua a ser seguido religiosamente por quem hoje dirige a
agremiação.
Há
cerca de quatro anos, uma grave crise de dirigismo na SIT levou a que um grupo
de jovens mulheres assumisse a liderança da colectividade. Na altura a notícia
foi comentada quase a nível nacional, pois não havia memória de tal situação
ter acontecido em território nacional. Daí para cá tem sido uma luta constante,
o modelo tem persistido e na passada semana realizou-se a assembleia geral da
SIT e mais uma vez fica a pertencer às mulheres a condução dos destinos da
casa.
Rosa
Paz, uma jovem tavaredense, assumiu desde a primeira hora o modelo directivo da
SIT. A massa associativa na última assembleia geral elegeu-a para presidir aos
destinos da colectividade. Licenciada em Direito, Rosa Paz divide o seu tempo
entre o escritório de advocacia, a sala de direcção e o palco da SIT, já que é
também amadora teatral.
Foi
com Rosa Paz que O Figueirense conversou, tomando nota daquilo que ultimamente
tem sido feito, bem como as perspectivas que se colocam no futuro, numa altura
em que já se pensa nas comemorações do primeiro centenário.
Eis
as perguntas e respostas:
Como
vai a SIT?
Dentro do possível vai bem. Tudo o que se faz nesta
casa tem sempre a ver com o teatro. Consideramos que é a principal actividade
da SIT. No dia que o teatro acabar, dá-me ideia que a razão de ser da SIT deixa
de existir.
Isso
quer dizer que o teatro absorve a SIT na totalidade?
Não é bem isso. Tentamos levar à prática várias
actividades de acordo com as pretensões dos nossos associados. Todavia, o
teatro constitui sempre prioridade. Nestes dois últimos anos definimos três
obras prioritárias: as obras de remodelação do nosso bar, tendo em conta que o
mesmo seja convidativo para que os nossos associados se sintam bem e venham com
assiduidade à colectividade. Uma outra obra que iniciámos foi a construção de
uma “régie” de forma a poder responder a algumas insuficiências no aspecto da
montagem de peças de teatro. Finalmente a remodelação da instalação eléctrica.
Esta última obra muito cara, obrigatoriamente tinha de ser feita até por
questões de segurança, levando-nos a ter de fazer arranjos em termos da nossa
sala de espectáculos e camarins.
Deduzo
que as obras encerraram um ciclo de investimento...
As obras que enumerei representam um ciclo de
prioridades, mas não ficaram por aqui os investimentos. Todos os anos temos
levado à cena novas peças de teatro. Para quem está por dentro da situação a
montagem de uma peça hoje é caríssima e nós não fazemos teatro para
rentabilizar as finanças da colectividade. Pensamos que o teatro é uma função
cultural e quando montamos as peças e as representamos não estamos a pensar que
lucros eventualmente apuraremos. Quero dizer com isto que no nosso plano de investimentos
tivemos de adquirir alguns equipamentos que permitam uma maior rentabilidde, de
forma a que a montagem das peças saia mais barata e possamos ter em linha de
conta melhores espectáculos. Refiro-me a equipamentos de luz e som.
Digamos
que em termos de mandato anterior está tudo falado?
Quase tudo, mas ainda há algo
que queria dizer. Em 1999, sob a direcção de Ilda Simões, quisemos homenagear
um grande escritor português que é Bernardo Santareno, e levámos à cena a peça
“O Pecado de João Agonia”. Foi um êxito de que muito nos orgulhamos. Por um
lado a crítica foi unânime ao apoiar o nosso trabalho, todavia foi importante
todo um conjunto de solicitações para representarmos a peça nos mais diversos
locais, e acabámos por não aceder a muitas das solicitações, já que tinhamos
necessidade de preparar outros trabalhos. Também procurámos ser gratos a quem
tem dedicado a sua vida ao teatro e assim homenageámos em 1999 dois amadores da
SIT que fizeram 50 anos de palco, José Luís Nascimento e a nossa muito saudosa
Lourdes Lontro, que faleceu na véspera de um
espectáculo.
Ainda
como ponto de referência, fomos os representantes do movimento associativo
concelhio junto da Comissão de Protecção de Menores.
Escola
de Teatro: uma realidade – Foi no último sábado que se realizou a
assembleia geral da SIT. Rosa Paz e seus pares foram reconduzidas para mais um
mandato. Curiosamente, nas eleições da colectividade tavaredense não é
necessário campanha eleitoral, já que a preocupação dos associados vem no
sentido de saber “se as meninas continuam”.
Quais
os grandes objectivos para 2001?
Nos últimos tempos tem sido uma preocupação constante
a formação teatral. Para tanto, é uma necessidade premente a constituição de
uma escola. Demos os primeiros passos no ano anterior e a escola de formação é
já uma realidade através de um protocolo existente entre a delegação regional
da Cultura do Centro, o Grupo de Teatro Profissional “A Escola da Noite” e a
SIT, projecto denominado “Centro dos Amadores de Teatro”.
Tem
havido boa receptividde da delegação regional da Cultura aos vossos projectos?
Mantemos com a delegada óptimas relações. Temos o
cuidado de a convidar de forma a que possa assistir à nossa actividade
cultural. Por outro lado, é um facto que nos apraz registar o reconhecimento do
nosso trabalho e a confiança que em nós é depositada. Recentemente concorremos
num universo de 115 colectividades para sermos considerados como pólo receptor
e gestor de equipamentos teatrais. Fomos uma das quatro colectividades
contempladas, e a partir daí partilhamos a nossa acção com sete colectividades
concelhias.
Que
tipo de colaboração existe entre a SIT e outras colectividades?
A colaboração normal entre colectividades.
Recentemente realizou-se o fórum das colectividades e desde logo para além da
nossa participação cedemos as nossas instalações. O nosso pavilhão desportivo
tem sido cedido às mais diversas organizações, quer culturais quer desportivas.
Em termos de teatro temos dado apoio a diversos grupos que a nós recorrem,
desde a cedência de instalações, cenários e guarda-roupa.
Para
além do teatro que outro tipo de actividade existe na SIT?
Ao longo do ano realizámos vários espectáculos
culturais e outros de entretenimento para os nossos associados. Procuramos
manter tradições muito antigas nesta casa, como os concursos de pesca de mar e
rio, os campeonatos de sueca e a “Serração da Velha”.
Tchekov
aos 97 anos – A SIT comemora os seus 97 anos de existência durante o mês de
Janeiro. Faz parte da tradição da colectividade a realização de uma récita
teatral, inserida nas comemorações. Assim este ano, para não fugir à tradição,
os amadores da SIT fazem subir à cena quatro peças.
Quais
são as peças preparadas para este aniversário?
Julgo que pela primeira vez estamos em condições de representar
quatro peças praticamente em simultâneo. Juntamente com Ilda Simões fizemos uma
escolha criteriosa de autores e decidimos que este ano seria de Tchekov, um
escritor nunca antes representado em Tavarede. “Um Pedido de Casamento”, “O
Urso” e o “Canto do Cisne” são as peças que representaremos nos dias 27 e 28 do
corrente. Para além destas, também queremos homenagear um grande autor
português, José Régio, já que este ano se comemora o primeiro centenário do seu
nascimento, pelo que também levaremos à cena a peça “O Meu Caso”.
Como
conclusão final, com que apoios conta a SIT para toda esta actividade?
Temos a convicção que as
entidades oficiais nos deveriam ajudar muito mais do que têm feito até aqui. De
qualquer forma, temos tido ajudas. Todavia, temos o cuidado de apresentar os
nossos projectos devidamente fundamentados e com descrição das necessidades prementes para os
levar a efeito. Nesta base, aguardamos o veredicto das entidades a quem
recorremos e vamos realizando-os conforme as nossas possibilidades e as
ajudamos de que dispomos.
A SIT tem de momento cerca de
700 sócios que contribuem com uma quotização anual da ordem dos 600 contos.
Esta importância não dá por vezes para pagar o aluguer de um guarda-roupa para
uma peça de teatro. Daí seria fácil ter uma colectividade aberta para
funcionamento de um bar e se ocupar o tempo com jogos de cartas e dominó, como
muitas outras que conhecemos. Não foi para isso que foi fundada a SIT.
Consideramo-nos uma casa de cultura para fazer cultura. Só assim tem razão a
nossa existência. No dia em que não nos for possível cumprir a tradição e a
memória dos antepassados que fizeram a história desta colectividade, outra
alternativa não nos resta do que fecharmos a porta.
Estamos à beira de comemorar o
nosso primeiro centenário, faltam três anos, mas já pensamos na constituição de
uma comissão organizadora.
Comemorações
do 97º aniversário – As comemorações dos 97 anos da SIT tiveram o seu
início no passado dia 15 com a realização de um jantar convívio.
No
último sábado realizou-se a assembleia geral, com as eleições para os corpos
sociais relativos ao ano de 2001. A mesma noite, na SIT, foi preenchida com uma
sessão dedicada ao fado de Coimbra, tendo actuado o Grupo “Saudade Coimbrã”.
Momento
alto das comemorações acontece este fim de semana. Assim, na noite de 27, pelas
21,45 horas, realiza-se um espectáculo de teatro pelo grupo cénico da SIT, com
a apresentação de duas comédias de Tchekov: “Um Pedido de Casamento” e “O
Urso”.
No
dia imediato, realiza-se a partir das 16 horas a tradicional sessão solene
tendo como orador principal João Manuel Pedrosa Russo. No decorrer da sessão
será apresentada a peça “O Canto do Cisne”.
O
teatro volta novamente à cena no dia 3 de Fevereiro, pelas 21,45, homenageando
José Régio nas comemorações do primeiro centenário do seu nascimento, com a
apresentação da peça “O Meu Caso”, estando ainda inserido no programa um
recital de poesia e uma palestra sobre o escritor.
2001.02.08 -
DOIS BONS MOMENTOS DE TEATRO NA SIT (A
LINHA DO OESTE)
A
SIT levou à cena no passado dia 27 duas peças de Anton Tchekov, dramaturgo
russo e impulsionador do chamado “realismo psicológico”, que faleceu já no
início deste século.
As
peças, “Um pedido de Casamento” e “O Urso” integraram-se na comemoração dos 97
anos daquela colectividade. Com estas peças e mercê de um trabalho que se
denota apaixonado e sério, a SIT está de novo a conquistar público, uma vez que
a sala estava completamente cheia.
Trata-se
de duas comédias ligeiras, de costumes, que pedem tratamento naturalista quer
na encenação, quer nos adereços e cenários. Este tipo de teatro vive
essencialmente do bom desempenho dos actores e aqui os dois espectáculos
contaram, no caso do “Pedido de Casamento”, com duas excelentes interpretações
rubricadas por Rogério Neves e por Fernando Romeiro, este último, bastante
seguro e mostrando ser um actor com escola; Já no “O Urso” estiveram em bom
plano Ilda Simões e José Medina, não desmerecendo o discreto António Barbosa,
num papel que parece fácil mas que, na realidade, não o é.
A
encenação consegue manter um ritmo adequado ao desenrolar da acção, sem quebras
e prestável à atenção do público. Talvez, e tratando-se de teatro realista, uma
ou outra articulação não estivesse bem, tal como o cenário de “O Urso”. Nesta
matéria seria bom que a SIT deixasse de utilizar os “velhos” cenários que
funcionam como uma parede no espaço cénico e partisse para novos moldes mais
consentâneos com o teatro moderno.
Uma
nota para os folhetos de apresentação: simples, directos e informativos para o
grande público.
2001.02.15 -
TCHEKOV NO ÊXITO DAS PEÇAS QUE ENCERRAM ANIVERSÁRIO (O DEVER)
Com
os olhos já voltados para o Centenário (2004) e o Teatro a constituir o prato
forte da colectividade – quatro peças -, encerrou a Sociedade de Instrução
Tavaredense (SIT) as comemorações do seu 97º aniversário com honras de casa
cheia na representação das peças do russo Anton Tchekov “Um pedido de
casamento” e “O urso”, no dia 10 de Fevereiro.
Tavarede
soube, assim, uma vez mais, mostrar que o teatro ali “pegou de estaca”, a
escola de Mestre José Ribeiro continua viva e a coabitar com as novas
experiências postas em prática na “Escola de Teatro” dirigida por professores
de Coimbra e cuja influência já foi notória com maior incidência na peça de
José Régio “O meu caso”.
Com
a particularidade comum de envolverem poucos personagens, as duas peças
representadas tinham como núcleo dos conflitos o mesmo temperamento forte das
personagens, o convencionalismo cerimonioso e ridículo e o orgulho
“pequeno-burguês”, e até o resultado feliz dos enredos.
Com
Fernando Romeiro (o pretendente à mão de Natália) entregue a um papel delicado
pelas mutações de comportamento que “Um pedido de casamento” lhe exigira –
cerimonioso no pedido de casamento, exaltadamente agressivo na defesa do
património e reputação do seu cão – e que ele desempenhou com grande brilho ao
“seguro” stepan (Rogério Neves) naquele vai-vem de situações a exigirem
“camaliónica” presença a que soube responder com nível artístico fruto de
muitas actuações, também a noiva Natália (Rosa Paz) teve o talento para passar
daquela personalidade orgulhosa de ofendida à candura de uma aproximação que a
mãe (Manuela Mendes) soube acompanhar com a segurança própria de quem tem “escola”.
Merecidas,
pois, as muitas palmas dispensadas aos “artistas”.
“O
urso”, a segunda peça de Tchekov a subir à cena, apostando na irredutibilidade
Grigori (José Medina) e dupla personalidade de Popova (Ilda Simões), dois
papéis de charneira do enredo só ao alcance de actores com grande experiência
de palco, proporcionou àqueles dois actores amadores(!) duas brilhantes
actuações a que o criado Luka (António Barbosa) emprestou uma participação de
muito mérito.
Mais
uma vez um final feliz a contrastar com um percurso impetuoso que meteu
“duelo”, “O urso” provou como é difícil a solidão resistir a uma promessa de
felicidade a dois.
E
como remate da apresentação destas duas peças, dois êxitos a juntar ao das
outras duas representadas nas comemorações de aniversário, muitas foram as
palmas que fizeram voltar por diversas vezes ao palco os actores para aplaudir
todos aqueles que deram vida a estas peças.
Não
há dúvida que Tavarede continua a ser a catedral do Teatro Amador da nossa
região.
2001.03.01 -
DUAS PEÇAS NA SIT (A LINHA DO OESTE)
A
SIT apresentou, recentemente, as peças “O meu caso” de José Régio e “O Canto do
Cisne” de Anton Tchekov.
O
“Canto do Cisne”, com encenação de Ilda Simões coloca em cena dois personagens,
Vassili Vassilievitch (João Medina) e Nikita Ivanitch (Manuel Lontro) na qual
um deles, Vassili, sente chegado o fim da sua carreira e relembra o seu passado
de entrega ao palco. Curiosamente, o texto de Tchekov é quase uma remake dramática da vida do próprio João
Medina, que tem a mesma idade que o personagem, mas certamente mais de 45 anos
de teatro.
Medina
revela mais uma vez ser um actor de valor e a contra-cena com Manuel Lontro
chega a ser comovente, pois a saga dos personagens confunde-se com a dos
actores. Mau grado alguma dicção pouco marcada e com dificuldades de
entendimento para a sala, os gestos, a inquietação, a dor e as emoções do
personagem Vassili transferem-se para o público com facilidade.
Em
“O meu caso”, de José Régio, a situação é contrária. Valdemar Cruz tem dificuldade
em ser credível dando pouca autenticidade ao personagem. A peça, que tem falhas
de ritmo, conta com duas soberbas interpretações: uma inexcedível Paula Simões,
que faz o papel de uma actriz fútil e vazia, vivendo da sua vaidade e
narcisismo e uma Maria da Conceição Mota, segura, rítmica, convincente no seu
papel de “autora”. Boa nota para o conjunto e para a “coragem” estética da
encenadora.
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