sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 93

         Embora de forma simples, o Grupo Musical não deixava de comemorar o seu aniversário. Aqui deixamos um pequeno registo do seu 55º aniversário. Os festejos comemorativos que decorreram com entusiasmo, terminaram com um baile de gala, durante o qual foram empossados os corpos gerentes para o ano de 1966/67.
         Esta velha colectividade, que outrora prestigiou grandemente a nossa terra por intermédio da sua tuna e do seu grupo cénico, "vive" hoje mercê da persistência de meia dúzia de "carolas", mas sem qualquer finalidade cultural, o que é pena.

         Finalmente, foi conseguida autorização para ser levada à cena a peça O processo de Jesus. Esta peça de Diego Fabbri, parece-nos perfeitamente em dia com os rumos mais actuais do pensamento católico; se não respeitássemos a cronologia, poderiamos ver até nela um "fruto conciliar". A tomada de uma consciência moral, como verdadeira mensagem de Cristo; a geral irreflexão, em actos que arrastam a consequências imprevistas, às vezes trágicas - convite implícito a uma benevolência universal -; a soma de preconceitos de que enfermam algumas atitudes anti-cristãs; uma versão quase "positiva" de Judas, como síntese de um judaísmo messiânico imperialista, e o seu decalque frequente, em casos do dia-a-dia; a revisão do papel histórico dos judeus, à luz de um simbolismo ecuménico; etc....; exemplificam o que afirmamos.
         Tecnicamente, a novidade da peça consiste na disseminação de actores entre o público.
         Afiguram-se-nos facilidades dela o constante apoio, para cada actor no palco, da presença dos restantes, sempre ali com ele, assim como o intenso estatismo em cena, quase sem entradas, saídas e deambulações.
         Em compensação, cuidamos que a dificuldade maior da obra não é o tema, senão que o seu tratamento: uma dialéctica mais para ler-se que para ouvir-se, e um primeiro acto muito parado, com certas figuras obrigadas a autênticos discursos, longos, num quase desafio à monotonia...
         Estes motivos e outros, favoráveis ou contrariantes, assim como a "necessidade" de fazer vingar uma peça da estirpe desta, é que, muito possivelmente haverão determinado a Companhia do Teatro Nacional D. Maria II a abrir-se, distribuindo papéis não só entre os seus actores, mas também entre algumas das mais distintas figuras de outras empresas cénicas da capital.
         Todos os citados factores se alinhavam dentro de nós, numa expectativa quase pungente: como iria a Sociedade de Instrução Tavaredense, com as suas naturais exiguidades e limitações, sair-se da aventura de representar "O processo de Jesus"?
         Antes de nos abalançarmos a esta impressão escrita, duas vezes necessitámos de ver a representação. Assim mesmo, releve-se, em nossa defesa, que jamais pretendemos ser críticos de teatro: somos apenas curiosos, interessados em instruir-nos e cultivar-nos. Este enunciado de condições é indispensável.
         Nesta representação, uma vez ainda e como é seu timbre, os Tavaredenses realizaram trabalho perfeitamente honesto. Algumas figuras situam-se em nível modesto, outras alternam o razoável com o menos bom, outras ainda atingem uma alta craveira; todas, porém, se esforçam por cumprir.
         E ninguém que se interesse por coisas de teatro e vá a Tavarede poderá deixar de perguntar como terá sido possível pôr em cena uma peça de tal responsabilidade. Há ali três ou quatro artistas, é certo; mas, em contrapartida, ali há, também, "actores" que nunca antes haviam representado... Como terá sido possível?
         Será esse um dos segredos de José Ribeiro? Uma das virtudes é, com certeza.
         No "tribunal", João Medina está perfeito, no papel de presidente, com figura, voz e gestos próprios. José Medina realiza bastante bem a função de acusador (melhor, talvez, que a de culpado); e Maria Inês, num papel também difícil, tem movimentos dignos de apreço; estes dois elementos frequentemente já atingem o grau de naturalidade que imprime verdade a uma representação.


         Entre as "testemunhas", o papel mais a nosso gosto é o do veterano João Cascão que representa um Pedro autêntico, desde as atitudes à emotividade. Mas Fernando Reis adaptou-se muito bem ao ingrato papel de Judas; e a José Luiz do Nascimento, para ser um Caifás praticamente exacto, só lhe falta uma atitude mais hierática. Glória Maria de Sousa (cujo porte subiu sensivelmente entre as duas representações a que assistimos, e que possui uma voz timbrada e elegante), alcançou uma gentil figuração de Maria; a sua contracena com José da Silva Maltês é linda e de belo efeito lírico.

O processo de Jesus

         No "público", Violinda Medina e Silva e João de Oliveira Júnior naturalmente ultrapassam os restantes actores. Este último, às vezes talvez demasiado exuberante de atitudes, para um intelectual, possui a voz dialética, às vezes metalicamente satânica, e a viveza própria para o papel. Violinda está muito bem, de princípio a fim; aliás, precisamente porque ela existe, a representação tavaredense tem uma intensidade final difícil de atingir em qualquer outra companhia.
         Neste ponto, achamos curioso anotar o facto de, na representação do D. Maria II, a velhinha nem sequer aparecer incluída entre as figuras destacadas, quando é certo que ela possui mais de um motivo para distinguir-se: tempo e modo de entrada, função cénica, etc.. Será este um lapso do texto que tivémos à mão?; será assim também na distribuição original do italiano? Qualquer que seja a hipótese, Violinda deu à figura o melhor de si mesma.
         "O processo de Jesus" bem pode ser mais um motivo de exaltação da escola de teatro de José Ribeiro.

         E não podíamos deixar de aqui transcrever uma nota publicada sobre o teatro em Tavarede. Desta vez, trata-se de um ensaio de leitura de uma peça de Molière. Quando há dias procurámos José Ribeiro (nosso mestre há mais de 30 anos) fomos encontrá-lo na sua casa - a Sociedade de Instrução Tavaredense.
         Ali estava com os seus discípulos num dos camarins do belo teatro de Tavarede, dado que, nesta altura, a temperatura nocturna é bastante fria e, assim, agasalhados e comprimidos, pode resistir-se melhor.
         Tivemos então o prazer de assistir à leitura da sua nova peça - "Artimanhas de Scapino" - uma magnífica comédia do célebre dramaturgo Molière.
         Dizemos prazer, porque realmente assistir à leitura duma peça por José Ribeiro, é quase a mesma coisa  que ver uma representação, tal a verdade que imprime a cada personagem e o ambiente que dá a cada cena.
         Poucas pessoas terão tido a satisfação de assistir àquele espectáculo. Quando lê, interpreta o velho, o galã, a ingénua, a pessoa bondosa ou má, assim como o cínico ou o avarento.
         Todas as reacções, todos os gestos, ele os faz quase inconscientemente, mas os amadores, ao ouvi-lo atentamente, vão gradualmente aprendendo nos sorrisos, nas lágrimas (às vezes chora), na ternura como na violência.
         E é assim que trabalha, é assim que consegue verdadeiros milagres dos seus velhos amadores ou dos seus estreantes.
         Uns e outros beneficiam sempre da sua cultura teatral. Uns e outros aprendem sempre com as suas lições antes e durante as leituras ou, mais tarde, nos ensaios de palco, que ele conduz do seu lugar na plateia.
         Naquele teatro tem ele concentrado todo o seu saber, toda a sua ternura pelos seus pupilos, mesmo quando se exalta e ralha, esquecendo-se - com o seu entusiasmo - que muitas vezes esses rapazes e raparigas ali se encontram já fartos da dura labuta diária, não tendo - quantas vezes - pegado no seu papel.
         Nesse palco (no mesmo lugar) tem o público de Tavarede assistido a espectáculos de alto nível. Por ali têm passado as peças mais exigentes, e nele se têm realizado verdadeiras noites de glória.
         Sim, de glória, porque na verdade José Ribeiro conseguiu que algumas peças, tais como "Frei Luiz de Sousa", "Entre Giestas", "Os Velhos", e tantas outras, fossem representadas ao nível dos melhores grupos profissionais.
         Papéis e rábulas como têm sido interpretados por uma Violinda Medina, irmãos António e Jaime Broeiro (f), António Graça (f), João Cascão, Manuel Nogueira(f), Francisco Carvalho ou Maria Teresa, para falar só dos mais velhos e ao correr da pena, dignificam o Teatro Português.
         No decorrer dessas representações pode então ver-se José Ribeiro preso, encantado - por verificar que não foi inútil o seu trabalho, e não foi em vão que tantas horas ele perdeu ao pôr de pé uma peça que estudou para os seus amadores e para o seu público.
         É esse o melhor prémio dos seus colaboradores: vê-lo satisfeito no final das representações.
         Pois hoje temos o prazer de anunciar aos leitores de "Mar Alto", que se está a ensaiar em Tavarede "Artimanhas de Scapino" - uma das peças do grande clássico Molière, autor que os amadores já conhecem há muito, mas que nunca tiveram a honra de representar.
         Lá estavam no camarim, à volta do Mestre, João de Oliveira, João e José Medina, Manuel Cerveira, Fernando Reis, José Luís, Maria Inês (uma nova revelação), Carmina e a Piedade, que serão os intérpretes desta célebre comédia.
         Espera-se que seja representada em Dezembro.

         Às pessoas que gostarem de um bom e alegre serão, "Mar Alto" anunciará o dia em que subirá o pano.

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