Embora de
forma simples, o Grupo Musical não deixava de comemorar o seu aniversário. Aqui
deixamos um pequeno registo do seu 55º aniversário. Os festejos comemorativos que decorreram com entusiasmo, terminaram com
um baile de gala, durante o qual foram empossados os corpos gerentes para o ano
de 1966/67.
Esta velha colectividade,
que outrora prestigiou grandemente a nossa terra por intermédio da sua tuna e
do seu grupo cénico, "vive" hoje mercê da persistência de meia dúzia
de "carolas", mas sem qualquer finalidade cultural, o que é pena.
Finalmente,
foi conseguida autorização para ser levada à cena a peça O processo de Jesus. Esta
peça de Diego Fabbri, parece-nos perfeitamente em dia com os rumos mais actuais
do pensamento católico; se não respeitássemos a cronologia, poderiamos ver até
nela um "fruto conciliar". A tomada de uma consciência moral, como
verdadeira mensagem de Cristo; a geral irreflexão, em actos que arrastam a
consequências imprevistas, às vezes trágicas - convite implícito a uma
benevolência universal -; a soma de preconceitos de que enfermam algumas
atitudes anti-cristãs; uma versão quase "positiva" de Judas, como
síntese de um judaísmo messiânico imperialista, e o seu decalque frequente, em
casos do dia-a-dia; a revisão do papel histórico dos judeus, à luz de um
simbolismo ecuménico; etc....; exemplificam o que afirmamos.
Tecnicamente, a novidade da
peça consiste na disseminação de actores entre o público.
Afiguram-se-nos facilidades
dela o constante apoio, para cada actor no palco, da presença dos restantes,
sempre ali com ele, assim como o intenso estatismo em cena, quase sem entradas,
saídas e deambulações.
Em compensação, cuidamos
que a dificuldade maior da obra não é o tema, senão que o seu tratamento: uma
dialéctica mais para ler-se que para ouvir-se, e um primeiro acto muito parado,
com certas figuras obrigadas a autênticos discursos, longos, num quase desafio
à monotonia...
Estes motivos e outros,
favoráveis ou contrariantes, assim como a "necessidade" de fazer vingar
uma peça da estirpe desta, é que, muito possivelmente haverão determinado a
Companhia do Teatro Nacional D. Maria II a abrir-se, distribuindo papéis não só
entre os seus actores, mas também entre algumas das mais distintas figuras de
outras empresas cénicas da capital.
Todos os citados factores
se alinhavam dentro de nós, numa expectativa quase pungente: como iria a
Sociedade de Instrução Tavaredense, com as suas naturais exiguidades e
limitações, sair-se da aventura de representar "O processo de Jesus"?
Antes de nos abalançarmos a
esta impressão escrita, duas vezes necessitámos de ver a representação. Assim
mesmo, releve-se, em nossa defesa, que jamais pretendemos ser críticos de
teatro: somos apenas curiosos, interessados em instruir-nos e cultivar-nos.
Este enunciado de condições é indispensável.
Nesta representação, uma
vez ainda e como é seu timbre, os Tavaredenses realizaram trabalho
perfeitamente honesto. Algumas figuras situam-se em nível modesto, outras
alternam o razoável com o menos bom, outras ainda atingem uma alta craveira;
todas, porém, se esforçam por cumprir.
E ninguém que se interesse
por coisas de teatro e vá a Tavarede poderá deixar de perguntar como terá sido
possível pôr em cena uma peça de tal responsabilidade. Há ali três ou quatro
artistas, é certo; mas, em contrapartida, ali há, também, "actores"
que nunca antes haviam representado... Como terá sido possível?
Será esse um dos segredos
de José Ribeiro? Uma das virtudes é, com certeza.
No "tribunal",
João Medina está perfeito, no papel de presidente, com figura, voz e gestos
próprios. José Medina realiza bastante bem a função de acusador (melhor,
talvez, que a de culpado); e Maria Inês, num papel também difícil, tem
movimentos dignos de apreço; estes dois elementos frequentemente já atingem o
grau de naturalidade que imprime verdade a uma representação.
Entre as "testemunhas", o papel mais a nosso gosto é o do veterano João Cascão que representa um Pedro autêntico, desde as atitudes à emotividade. Mas Fernando Reis adaptou-se muito bem ao ingrato papel de Judas; e a José Luiz do Nascimento, para ser um Caifás praticamente exacto, só lhe falta uma atitude mais hierática. Glória Maria de Sousa (cujo porte subiu sensivelmente entre as duas representações a que assistimos, e que possui uma voz timbrada e elegante), alcançou uma gentil figuração de Maria; a sua contracena com José da Silva Maltês é linda e de belo efeito lírico.
O processo
de Jesus
No "público",
Violinda Medina e Silva e João de Oliveira Júnior naturalmente ultrapassam os
restantes actores. Este último, às vezes talvez demasiado exuberante de
atitudes, para um intelectual, possui a voz dialética, às vezes metalicamente
satânica, e a viveza própria para o papel. Violinda está muito bem, de
princípio a fim; aliás, precisamente porque ela existe, a representação
tavaredense tem uma intensidade final difícil de atingir em qualquer outra
companhia.
Neste ponto, achamos
curioso anotar o facto de, na representação do D. Maria II, a velhinha nem
sequer aparecer incluída entre as figuras destacadas, quando é certo que ela
possui mais de um motivo para distinguir-se: tempo e modo de entrada, função
cénica, etc.. Será este um lapso do texto que tivémos à mão?; será assim também
na distribuição original do italiano? Qualquer que seja a hipótese, Violinda
deu à figura o melhor de si mesma.
"O processo de
Jesus" bem pode ser mais um motivo de exaltação da escola de teatro de
José Ribeiro.
E não podíamos deixar de aqui transcrever uma nota publicada sobre o
teatro em Tavarede. Desta vez, trata-se de um ensaio de leitura de uma peça de
Molière. Quando há dias procurámos José
Ribeiro (nosso mestre há mais de 30 anos) fomos encontrá-lo na sua casa - a
Sociedade de Instrução Tavaredense.
Ali estava com os seus
discípulos num dos camarins do belo teatro de Tavarede, dado que, nesta altura,
a temperatura nocturna é bastante fria e, assim, agasalhados e comprimidos,
pode resistir-se melhor.
Tivemos então o prazer de
assistir à leitura da sua nova peça - "Artimanhas de Scapino" - uma
magnífica comédia do célebre dramaturgo Molière.
Dizemos prazer, porque
realmente assistir à leitura duma peça por José Ribeiro, é quase a mesma
coisa que ver uma representação, tal a
verdade que imprime a cada personagem e o ambiente que dá a cada cena.
Poucas pessoas terão tido a
satisfação de assistir àquele espectáculo. Quando lê, interpreta o velho, o
galã, a ingénua, a pessoa bondosa ou má, assim como o cínico ou o avarento.
Todas as reacções, todos os
gestos, ele os faz quase inconscientemente, mas os amadores, ao ouvi-lo
atentamente, vão gradualmente aprendendo nos sorrisos, nas lágrimas (às vezes
chora), na ternura como na violência.
E é assim que trabalha, é
assim que consegue verdadeiros milagres dos seus velhos amadores ou dos seus estreantes.
Uns e outros beneficiam
sempre da sua cultura teatral. Uns e outros aprendem sempre com as suas lições
antes e durante as leituras ou, mais tarde, nos ensaios de palco, que ele
conduz do seu lugar na plateia.
Naquele teatro tem ele
concentrado todo o seu saber, toda a sua ternura pelos seus pupilos, mesmo
quando se exalta e ralha, esquecendo-se - com o seu entusiasmo - que muitas
vezes esses rapazes e raparigas ali se encontram já fartos da dura labuta
diária, não tendo - quantas vezes - pegado no seu papel.
Nesse palco (no mesmo
lugar) tem o público de Tavarede assistido a espectáculos de alto nível. Por
ali têm passado as peças mais exigentes, e nele se têm realizado verdadeiras
noites de glória.
Sim, de glória, porque na
verdade José Ribeiro conseguiu que algumas peças, tais como "Frei Luiz de
Sousa", "Entre Giestas", "Os Velhos", e tantas outras,
fossem representadas ao nível dos melhores grupos profissionais.
Papéis e rábulas como têm
sido interpretados por uma Violinda Medina, irmãos António e Jaime Broeiro (f),
António Graça (f), João Cascão, Manuel Nogueira(f), Francisco Carvalho ou Maria
Teresa, para falar só dos mais velhos e ao correr da pena, dignificam o Teatro
Português.
No decorrer dessas
representações pode então ver-se José Ribeiro preso, encantado - por verificar
que não foi inútil o seu trabalho, e não foi em vão que tantas horas ele perdeu
ao pôr de pé uma peça que estudou para os seus amadores e para o seu público.
É esse o melhor prémio dos
seus colaboradores: vê-lo satisfeito no final das representações.
Pois hoje temos o prazer de
anunciar aos leitores de "Mar Alto", que se está a ensaiar em
Tavarede "Artimanhas de Scapino" - uma das peças do grande clássico
Molière, autor que os amadores já conhecem há muito, mas que nunca tiveram a
honra de representar.
Lá estavam no camarim, à
volta do Mestre, João de Oliveira, João e José Medina, Manuel Cerveira,
Fernando Reis, José Luís, Maria Inês (uma nova revelação), Carmina e a Piedade,
que serão os intérpretes desta célebre comédia.
Espera-se que seja
representada em Dezembro.
Às pessoas que gostarem de
um bom e alegre serão, "Mar Alto" anunciará o dia em que subirá o
pano.
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