Em
Fevereiro de 1967, nova visita à Marinha Grande. Integrado nas comemorações do 44º
aniversário do Sport Operário Marinhense tivemos no dia 18 uma noite de teatro,
pelo prestigiado grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.
Uma vez convidados de honra do S.O.M. –
que merece os nossos aplausos por tão louvável iniciativa – e consequentemente
da Marinha Grande, pois é com imenso agrado que registamos a visita de tão
exemplar sociedade cultural, o Grupo Cénico de Tavarede, cuja direcção
artística é da competência do sr. José da Silva Ribeiro, veterano nos segredos
da arte de Talma, levou à cena no palco do Teatro Stephens a
“revolucionária" peça denominada “O Processo de Jesus”. Este original, sabiamente interpretado
pelos componentes do grupo de Tavarede (que nos deram uma grande lição na arte
de representar), é da autoria do famoso dramaturgo italiano Diego Fabri e pode
considerar-se uma autêntica peça renovadora do teatro moderno. De facto, Diego
Fabri, no “Processo de Jesus” coloca-nos perante um dilema enormemente difícil
de compreender, pleno de actualidade, onde todos parecem ter razão. Depois a
agitação da peça é de tal calibre, as verdades são tão evidentes, que tudo faz
estremecer o mais pacífico de coração. Aliás, segundo nos parece, este facto
foi evidente.
É que, Diego Fabri, o inovador do
Teatro Italiano, apresenta a sua tese de um modo invulgar – um à guisa de
julgamento, sendo o rei, nada mais nada menos, do que o próprio Cristo. Eis,
pois, um pormenor ousado. Cristo como réu! É porque não? A temática em causa é
de tal ordem que mais parece vermos todo o século XX a julgar o “Rabi
Nazareno”, o Salvador do Mundo. Isto, não obstante os factos apresentados pelos
(personagens) contemporâneos Dele – os apóstolos Pedro, Tiago e (o bom
patriota) Judas. Depois a “pecadora” Madalena, Lázaro, Caifás e Pilatos.
Com efeito, estes personagens
apresentam cada um o seu depoimento perante o tribunal de um modo
extraordinário, segundo a ideologia de cada um, quer política, quer religiosa,
e por isso mesmo lógica.
O debate deu-se de tal forma que, até
ao fim do primeiro acto, tudo nos levava a crer que a “condenação” de Cristo
seria (de novo) evidente! Realmente, sob o ponto de vista judiciário tudo nos
indicava esse caminho.
Entretanto, no segundo acto, a agitação
continuou e até mais intensiva. Mas Diego Fabri apresenta desta vez o
“humanismo” a falar. De súbito oferece uma surpresa. Positiva. Lógica. Actual.
Para além dos meandros do tribunal – juizes e testemunhas – surge o “público”
com o seu ponto de vista, não baseado em argumentos judiciários mas sim no real
que a vida nos proporciona no dia a dia.
Estabelece-se assim um diálogo
dificílimo. Agitador. Comunicativo. Pleno de temática. Arrebatador. Na
“plateia” havia uma atmosfera de suspense. Quem teria razão? O personagem
“Padre”em pleno desacordo ora com o “Intelectual” ora com o “jornalista”... A
“Ruiva” que se considerava uma “espécie” de Madalena não podia concordar com o
ponto de vista do “Intelectual”, além de que Cristo era para ela a única
salvação?... O “Filho Pródigo” ou o “cego”? Quem teria, de facto, razão se
todos tinham algo a dizer?...
Muito embora este diálogo fosse de um
despertar de consciência arrepiante, inquietador, a verdade é que em virtude da
inesperada (mas muito sábia) entrada de “A velhinha”, nova personagem quiçá a
maior, há um período de bonança, de tranquilidade íntima dadas as palavras que
“A velhinha” profere.
Personificando uma mãe a quem fuzilaram
o filho por razões que ela ignorava e, por consequência, se encontrava
autenticamente só, mas infinitamente esperançada no “além”, onde sentiu o seu
filho, e dotada de uma sincera e profunda fé, a velhinha surgiu no tribunal a
fim de solicitar ao mesmo que não condenasse Jesus, enfim, a dar-nos uma
verdadeira lição e mãe... A peça teria atingido aqui o seu maior apogeu.
Dir-se-ia que era impossível chegar mais longe. De tal forma que até o próprio
acusador público, no personagem “David”, acabou por se “render” e cair nos
braços enternecedores de “A velhinha”.
Com efeito, Cristo, acabou por não ser
julgado judicialmente. Mas sim “classificado” pelos factos reais da vida humana
personificada, no “público”, em síntese, pelo fervor e incomensuridade da fé...
Tivemos, pois, uma magnifica Noite de
Teatro. Só é pena que seja tão raramente quando afinal o nosso público, com
consciência ou sem ela, com maior ou menor grau de capacidade, começa a estar
presente nestas (educativas) Noites de Ribalta.
Quanto à actuação do Grupo de Tavarede,
uma palavra apenas: foi primorosa! Bom, meio século de teatro é muito. É
sinónimo de longa aprendizagem. Há muito saber nos seus componentes. Os nossos
aplausos, portanto, à Sociedade de Tavarede, mormente ao sr. José da Silva
Ribeiro, a pedra básica deste grupo – homem dotado de uma extraordinária
perseverança e que desde há longos anos vem dirigindo o Grupo Cénico de
Tavarede como só ele sabe.
Para
quando nova noite de Teatro com o elenco de Tavarede? Oxalá seja breve...
Inaugurada em 1961, a sala de
espectáculos da SIT festejou os seis anos do novo palco, com uma nova comédia
de Molière. Tal acontecimento mereceu o seguinte comentário: A
Sociedade de Instrução Tavaredense, a popular SIT, de Tavarede, distinguiu-se
sempre pelo seu amor ao teatro, a par de outras actividades importantes (nas
suas salas chegou a funcionar uma escola nocturna onde se cuidava da educação
dos seus associados. De roupagem diferente essa escola mantém-se: é ou não
verdade que os tavaredenses participam do ensino adquirindo cultura através do
teatro?! E não só os tavaredenses.
Em 16 de Dezembro de 1961,
com a estreia da sala de espectáculos, em edifício construído com o esforço e a
dedicação dos seus associados e amigos e com o valioso subsídio que lhe foi
concedido pela Fundação Calouste Gulbenkian, a SIT ligou-se ainda mais ao
teatro.
E melhor peça não podia ter
sido escolhida para momento tão feliz: com "Chá de Limonete"
prestava-se homenagem a Tavarede: falava-se de factos, de episódios, de
figuras, de costumes, de paixões, de grandezas e de misérias, de belezas
naturais e de fealdades humanas que são a história e a lenda, a etnografia e o
folclore - que são a vida daquela aldeia velhinha, porque tudo isto sugere
"Chá de Limonete"; porque isso bem o viu - e escreveu - o autor no
prefácio da peça; porque esse autor - José Ribeiro, extraordinário homem de
teatro - atingiu os seus fins manifestados de dar um testemunho da sua
dedicação à terra humilde onde nasceu e tem vivido, ficando "Chá de
Limonete" como hino ao trabalho rural e também como afirmação da simpatia
que vota e da solidariedade que o liga aos homens da enxada da sua aldeia,
incessantemente cavando o amargo pão de cada dia em terras que não são suas.
Evocar o ensaiador do grupo
cénico de Tavarede é descabido. A sua acção permanente da SIT tem sido notável,
como notável tem sido o seu permanente apoio a todas as direcções, as quais
contam com a colaboração do distinto ensaiador e dos elementos do grupo cénico
para poder levar por diante uma actividade inegável no capítulo da cultura e da
educação popular.
Nos seis anos que vão agora
completar-se, o grupo cénico representou: GIL VICENTE: Monólogo do Vaqueiro,
Pranto da Maria Parda, Farsa do Velho da Horta, D. Duardos, Auto da Barca do
Inferno, Auto da Feira e Fragmentos do Auto Pastoril Português, Romagem de
Agravados, e Breve Sumário da História de Deus; ALMEIDA GARRETT: Frei Luís de
Sousa; VASCO DE MENDONÇA ALVES: A Conspiradora; LUÍS FRANCISCO REBELO: O Dia
Seguinte; ALLAN LANGDON MARTIN: O Fim do Caminho; SHAKESPEARE: Romeu e Julieta;
SIGFREDO GORDON: Omara; MOLIÉRE: As artimanhas de Scapino; PIRANDELLO: Para Cada
Um Sua Verdade; DIEGO FABRI: O Processo de Jesus; ARTUR MILLER: Todos Eram Meus
Filhos. A primeira representação do novo teatro fez-se com a peça de carácter
local Terra do Limonete, que teve a sua estreia em 16 de Dezembro de 1961 e deu
33 representações na sede.
O número total de
representações na sede, com as obras mencionadas e durante este período de 6
anos, foi de 80; e fora da sede, a favor de instituições de beneficência ou de
actividade inegável no capítulo utilidade pública, o número de representações
foi de 24.
A Sociedade de Instrução
Tavaredense fez a comemoração do centenário de Gil Vicente com um programa
vicentino que representou em Tavarede e na Figueira da Foz e associou-se à
comemoração do centenário de Shakespeare em Portugal, da iniciativa da Fundação
Calouste Gulbenkian, representando Romeu e Julieta; assinalou o Dia Mundial de
Teatro com um espectáculo na Figueira da Foz oferecido ao público pela
Biblioteca Pública Municipal, em 27 de Março de 1963 e assinalou o mês o Dia
Mundial de Teatro em 1966 com uma Conversa sobre Teatro na qual intervieram
alguns assistentes; elaborou uma Noite de Teatro Português para os
congressistas das Jornadas Médicas da Figueira da Foz, com o seguinte programa:
Teatro Vicentino: Visitação e Pranto da Maria Parda; Teatro Romântico: 2º. acto
de Frei Luis de Sousa; Teatro Moderno: O Dia Seguinte.
E é com o novo programa
agora em ensaios - "O Médico à Força", de Molière - que a Sociedade
de Instrução Tavaredense completa seis anos de actividade intensa utilizando o
seu novo e belo teatro.
Sem comentários:
Enviar um comentário