O recolhimento da Esperança
Recordação já distante
“a um quilómetro aproximadamente para o norte do
convento do Santo António, pelo nascente da estrada de Tavarede à Figueira e
dentro da propriedade que hoje pertence a José Joaquim Alves Fernandes existia,
no século 18º, outro edifício religioso: era o recolhimento de Nossa Senhora da
Esperança”.
No já longíssimo ano de 1605 teve
lugar, na igreja de S. Julião da Figueira da foz do Mondego, o casamento de D.
Leonor Migueis com Manuel Gonçalves. O casal teve uma filha, à qual deram o
nome de Catarina, que casou, em 1623,
com Domingos António. E no ano de 1625, foi baptizada na mesma igreja uma
criança, que recebeu o nome de Esperança, a qual faleceu precocemente deixando
profunda mágoa e saudade especialmente em sua mãe e em sua avó.
Era uma família abastada, possuidora de
avultados bens, entre os quais se contava a quinta sita no caminho da Figueira
para Tavarede, no local chamado ‘alto de S. João’, à qual deram então o nome de
Esperança, em recordação de sua filha e neta.
D. Leonor Migueis também possuia uma
das quatro marinhas existentes na várzea de Tavarede, que se denominavam: a de
El-Rei; a Lapa; a Vassala; e a Licenciada. Esta última, que se situava no lugar
onde hoje está construida a estação do caminho de ferro, foi a adquirida e à
qual, segundo o registo efectuado no livro das sisas do couto de Tavarede,
também deram o nome de Esperança.
Enviuvando muito cedo, D. Catarina
Migueis casou em segundas núpcias com o sargento mor Francisco António Rossano
no dia 30 de Junho de 1648. Todavia, foi um casamento que pouco tempo durou,
pois ficou novamente viúva em 2 de Janeiro seguinte, pois o seu novo marido
faleceu após seis meses de casado. Nascido em Itália Francisco António Rosani
adoptou o apelido português de Rossano, foi sargento mor em Montemor-o-Velho,
de onde foi transferido para a Figueira, com a missão de comandar as
fortificações de Buarcos e Redondos que defendiam o porto de mar local.
Novamente viúva D. Catarina Migueis,
senhora rica e piedosa, resolveu fundar um recolhimento na sua já mencionada
quinta e, sempre recordando sua filha, igualmente lhe deu o nome de
‘Recolhimento da Esperança’.
Para a subsistência do recolhimento
instituiu uma capela. “A capela
consistia em bens vinculados em herdeiros do instituidor, com proibição de
alienar, pensionados com a obrigação de missas e outros ofícios por sua alma.
Na instituição da capela a porção do administrador era fixa e o que sobrava era
para os encargos incertos, em contrário do que sucedia no morgado. Mas, na
realidade, morgado e capela confundiam-se com o nome de vínculo, quando era
certo que na capela o instituidor atendia principalmente ao espiritual e no
morgado ao temporal. Não se sabe quais eram os bens desta capela, apenas se
sabendo que tinha umas terras no campo de Verride”.
“Compunha-se
o edifício de casa em que habitavam as recolhidas e uma capela. A julgar pelo
número de mulheres que lá viviam, pelos recursos de que viviam, pelo preço por
que foi vendido o prédio, e pelos restos que dele conhecemos, não tinha luxos
de arquitectura”.
Como já referimos, o recolhimento terá
sido construído no século dezassete. Do testamento de Fernão Gomes de Quadros,
o morgado e quarto Senhor de Tavarede, recortamos o seguinte apontamento: “Ordeno que por minha Alma se mande dizer mil missas
para que por meio dellas, se lembre Deus della, e isto em brevidade possivel, e
cem dellas, serão a Virgem Nossa Senhora, para que seja minha interessessora e
50 a S. João Bautista, e 50 a Santo Antonio, e 50 a N. Sª. da Esperança, a quem
darão de esmolla, 2.000 reis para as suas obras, ou o que mais necessario fôr e
parecer ao dito meu Testamenteiro”.
O referido testamento é datado de
Setembro de 1665, o que nos indicia que o recolhimento estaria a ser construido
por esta época. “Ignoramos qual o ano em que este recolhimento se
extinguiu. Mas é certo que por uma provisão régia de 29 de Dezembro de 1768 foi
o edifício, com sua capela, cerca e dependências, dado às religiosas do
convento de Pereira, e que em 2 de Dezembro de 1780 estas o cederam por 130$000
reiss ao dre. Francisco da Cruz Rebelo. Assim terminou esta pia e benéfica
instituição”.
É curioso o facto de que, em Setembro
de 1768, poucos meses antes da sua doação, o confessor das recolhidas, o padre
João Rodrigues de Carvalho, habitar no prédio, e ter sido ali que João Adolfo
de Crato, o célebre juiz da Alfândega da Figueira, fez o seu testamento, na
presença do tabelião do couto de Tavarede, em favor de suas quatro filhas
solteiras, que ficaram conhecidas pelas ‘Alfândegas’.
Já no século vinte o local,
conjuntamente com a quinta do Paço de Tavarede, antiga residência dos fidalgos
Quadros, foi urbanizado, tornando-se um dos mais modernos bairros residenciais
da cidade figueirense. Manteve, no entanto, o nome que lhe havia sido dado por
D. Catarina Migueis. É o bairro da quinta da Esperança que, assim, perpetua o
nome da falecida filha daquela piedosa senhora figueirense.
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