Vai
com Deus, velhinha santa,
Que
justiça
Será
feita e o réu há-de
Baixar
a fronte submissa
Ante
a minha majestade
Que
“mais alto se alevanta!”
Vai
com deus, velhinha santa!
Vai
com Deus, santa velhinha,
Que
o teu pleito
Depuseste
em boa mão.
Eu
o tomarei a peito
E
vai dar-lhe solução
A
justiça da rainha!
Vai
com Deus, santa velhinha!
Maria Clementina conversa com D. Joana, que fica encantada
ao conhecê-la e lhe diz:
D. Joana – “Ouça-me. Uma das minhas amigas tem um filho oficial do
exército. No ano passado este rapaz, que é meu afilhado, passou algum tempo em
Braga, em serviço; quando regressou a Lisboa, ia preocupado e triste. A mãe,
sobressaltada, escreveu para alguém do seu conhecimento que reside aqui próximo
e a carta que obteve em resposta tenho-a eu, aqui. (lendo) “Quanto ao que me
perguntas a respeito do teu filho, colocas-me em sérios embaraços. Com a
franqueza que sempre me conheceste, dir-te-ei que o teu filho Filipe é digno de
censura. Há tempos que a sua assiduidade junto de uma menina destes lugares
havia sido notada; no dia da sua partida, uma imprudência dele sacrificou a
reputação daquela que inocentemente confiara nele...”:
Sabendo que ela vinha fazer esta viagem, pedira-lhe para
procurar a tal menina, que por Roberta soubera ser Maria Clementina, e
assegurar-lhe que a mãe de Filipe acredita na sua pureza de mulher, que uma
imprudência de seu filho assim sacrificara; que ela lhe pediu que, se pudesse
encontrá-la, lhe assegurasse isso mesmo e que lhe transmitisse um beijo “que
espero me não recusará”. E foi entre lágrimas que D. Joana, ao despedir-se, lhe
garantiu que a todos seria feita justiça.
Maria Clementina ainda não estava em si. Pois Roberta havia
tido o atrevimento de ir falar com a Rainha?... E conhecera-a?
Roberta – “Conheci logo. Não trazia estadão porque, como me disse o
tal rapaz, ela viaja... viaja... Ora como disse ele? Era assim uma coisa como
“em cólicas”, mas que vinha a dizer que viajava sem estrondo. Cheguei-me à
carruagem e disse para as três senhoras que iam lá dentro: - Qual de V.Exas. é
a Rainha? Eu vi logo que devia ser a mais idosa. As duas mais novas desataram a
rir... como a menina ri também... não sei porquê. Lembrou-me que seria por eu
não dar o tratamento que devia e emendei logo: - Qual de Vossas Majestades é a
Rainha? As outras riam ainda... Eram uns galos doirados, coitadinhas, nem por
estarem na presença de quem estavam. Raparigas... Mas a senhora tocou-lhes com
o cotovelo e disse: - Sou eu, porquê? Eu então, chamei-a de parte e contei-lhe
tudo. Era o que faltava se eu me punha com biocos. Depois de lhe ter contado
como as coisas se passaram, eu disse à Rainha: - Agora veja Vossa Majestade se
isto deve ficar assim, se os militares que Vossa Majestade para cá nos manda
vêm para manter a paz ou para meter a desordem nas famílias e fazer a
infelicidade de meninas bem educadas”.
Pois havia sido assim mesmo e o resultado estava à vista.
Sua Majestade iria fazer justiça. Eram, entretanto, horas de ceia. Patrão e
trabalhadores fazem as despedidas.
Homens e Mulheres
Boas
tardes, meu patrão!
José Urbano
Deus
vos salve, meus rapazes,
Ceiem
com satisfação.
Maria Clementina
Santas
tardes!
José Urbano
Francisco,
vê o que fazes:
Os
enxertos não esquecer,
Senão
deixas-me à divina...
Francisco
Patrão,
não tem que temer,
Não
há-de
Haver
novidade.
José Urbano
Novidade?!
Ou haja ou não,
Bem sei, não
és tu que ardes,
E
eu é que fico a perder...
Francisco
Boas
tardes,
Meu
patrão.
Trabalhadores
Boas
tardes,
Meu
patrão.
Maria Clementina
Santas
tardes.
José Urbano
Ceiem
com satisfação.
Trabalhadores
As
companheiras
Mai-los
pequenos
‘speram
os seus...
Maria Clementina
Após
canseiras
Têm
pelo menos
A
paz de Deus!
Arde
a candeia...
Trabalhadores
Mas
ninguém cega
Com
a luz dela!...
José Urbano
Vá!
vão à ceia.
Trabalhadores
Vamos
à ceia
Que
já fumega
Lá
na panela!
Todos
Vá
vão à ceia
Que
já fumega
Lá
na panela.
Quase se pode adivinhar o
resto. A Rainha, melhor dizendo, D. Joana, acompanhada pelo Alferes Rialva, vai
novamente à quinta, onde, além de Maria Clementina e Roberta, está o tio José
Urbano e o Major Samora, com quem fizera amizade recentemente. Maria Clementina
é, então, pedida em casamento.
Rialva
Após
a noite há o dia,
Sobre
o tempo, tempo avança.
Maria,
quem me diria,
Da
tempestade à bonança
Que
tão pouco passaria.
Maria
Mas
agora, meu amor,
Seja
o que fôr
Que
o nosso destino teça...
Rialva
Aconteça
o que aconteça,
P’ra
nunca mais te deixar.
Os dois
Aconteça
o que aconteça,
P’ra
nunca mais te deixar.
Maria
Este
delírio
Que
é de prazer
E
de tortura,
Não
sei dizer
Se
é um martírio,
Se
uma ventura!
Rialva
O
teu amor
Como
revive
No
teu perdão!
Maria
Podes
supor
No
que inda vive (bis)
Ressurreição?!...
Se
sempre foi
Como
é agora:
Riso
que doi, (bis)
Prazer
que chora...
Rialva
Mas
agora, meu amor,
Seja
o que fôr
Que
o nosso destino teça...
Maria
Aconteça
o que aconteça,
P’ra
nunca mais te deixar!
Ambos
Aconteça
o que aconteça,
P’ra
nunca mais te deixar!...
Com surpresa de todos, José Urbano recusa a mão de sua
sobrinha. Estupefacta, D. Joana pergunta-lhe o porquê. “Para conhecer a razão
da minha negativa, diz ele, era necessário contar-lhe a minha história e a de
minha irmã, que já não vive há muito, e eu não quero cansar a vossa paciência,
pois a história é longa”. Nada. Querem mesmo ouvir a história e saber os
motivos da recusa ao pedido. E José Urbano acede.
José Urbano – “Seja como querem, embora vá avivar feridas que
desejo cicatrizadas. Minha mãe, ao morrer, tinha eu vinte anos, deixou-me uma
irmãzinha de oito anos de idade. Eu, que até ali tinha levado uma vida de
rapaz, abandonei os meus companheiros de prazer e dediquei-me de coração ao
trabalho. Com o hábito do trabalho criei ambições. O Brasil seduzia-me com as
suas promessas de riqueza; e regulada com um comerciante meu amigo uma mesada a
minha irmã, deixei-a em companhia de Roberta, que foi ama de nós dois.
Trabalhei muito no
Brasil, mas no fim de oito anos podia considerar-me rico. Por meados de 1833,
quando andava tratando da liquidação dos meus negócios, recebia de Portugal uma
carta tarjada de preto. Abri-a a tremer. Participava-me que minha irmã morrera
no dia 23 de Julho daquele ano. Fiquei gravemente doente. Fui viajar. Dez anos
depois regressei a Portugal. Que profunda comoção interior senti ao visitar a
casa onde nascera e vivera com minha irmã, e agora ia encontrar vazia!
Pensava eu nisto quando,
de repente – que ilusão aquela, meu Deus! – eu vi aparecer minha irmã à mesma
janela onde 18 anos antes eu a vira a dizer-me adeus. Corri como um louco e
bati à porta gritando: -“Abre, Roberta. Abre... Minha irmã não morreu! Eu logo
vi que não podia ser!”. Eu estava alucinado. Não posso dizer o que se passou.
Lembro-me que pouco depois eu abraçava e beijava uma bonita criança de dez
anos, julgando beijar minha irmã. Mas a ilusão passou. Gritei: “Quem é esta
menina, Roberta?”. – “É sua sobrinha, filha de sua irmã”. Aquelas palavras
atravessaram-me o coração. Ia a passar das carícias talvez a alguma crueldade,
quando aquele anjo exclamou: “Ai! Pois é este o meu tio!”. E saltou-me ao
pescoço, beijando-me com meiguice. Desatei a chorar e não pude deixar de a
apertar ao coração.
Minha irmã fôra enganada
por um infame, causa do meu infortúnio e da sua morte. Já que eu a não soube defender,
cumpria-me chorá-la e proteger-lhe a filha, que logo amei e cada vez mais. A
sorte de minha irmã era muito notória para que eu pudesse viver feliz na minha
terra. Vim por isso para Braga, deixando Barcelos com vivas saudades. Aqui tem
V.Exa. a razão da minha recusa. Maria Clementina é filha ilegítima e eu não
conheço seu pai. Não pude obter sinais dele. Roberta sempre manteve uma reserva
que me pareceu ser recomendação de minha irmã. Sei apenas que era militar, um
dos muitos que por aquela época cobriam o reino. Algum aventureiro que nunca
mais se lembrou da vileza que cometera, nem talvez ao cair no campo varado por
uma bala inimiga!”
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