E depois de apresentar Uma noite de teatro português, com
extractos de peças de Gil Vicente, Almeida Garrett e Luiz Francisco Rebelo,
subiu à cena, no palco tavaredense, a peça Omara.
Mas, pouco antes, José Ribeiro havia concedido mais uma entrevista. Continua a Sociedade de Instrução
Tavaredense a dar execução ao seu programa de educação e cultura popular
através do teatro. A actividade do seu grupo cénico é verdadeiramente
excepcional, se atendermos ao meio onde, desde há mais de meio século, ela se
desenvolve. Depois do notável programa “Noite de Teatro Português”, com obras
de Gil Vicente e Luís Francisco Rebelo, um novo espectáculo está a ser preparado,
que será duplamente assinalável: pela peça em si e pela circunstância de se
tratar de um autor estrangeiro até agora ainda não representado em Portugal. Referimo-nos
à peça “Omara”, que terá a sua estreia no sábado, 16 do corrente, em Tavarede. O facto
parece-nos realmente sensacional, e por isso quisemos ouvir o director do grupo
cénico da benemérita colectividade, sr. José Ribeiro, que sem o menor
constrangimento se dispôs a atender-nos.
. É verdade que os amadores
tavaredenses vão representar uma peça estrangeira ainda não representada em
Portugal?
.
É exacto. A peça “Omara” vai ter a sua estreia em Portugal na Sociedade de
Instrução Tavaredense.
Ante a nossa admiração, o nosso
entrevistado acrescentou:
. Compreendo perfeitamente que o facto
o surpreenda. São tantas e tais as dificuldades dos grupos de amadores na
obtenção de peça representável, que causa certo espanto poder o grupo de
Tavarede representar uma obra ainda não levada à cena nos palcos portugueses.
. Isto é muito honroso para a Sociedade
de Instrução Tavaredense, pois não é assim?
. Sem dúvida, muito honroso, não apenas
pela estreia da peça, mas também pela categoria do seu autor, o notável
dramaturgo hispano-mexicano Sigfredo Gordon, ainda até hoje não representado em
Portugal.
. Como chegou essa obra a Tavarede?
. Foi o figueirense dr. Joaquim
Montezuma de Carvalho, critico de alta craveira e apaixonado estudioso das
literaturas latino-americanas, que nos proporcionou o ensejo feliz de travarmos
conhecimento com o autor de “Omara”. Poeta e escritor, Sigfredo Gordon é um
grande, um autêntico dramaturgo, com uma vasta obra de teatro: aos 54 anos de
idade, 33 peças, 12 das quais já publicadas nos seus 4 volumes de teatro. E,
deixe-me que lhe diga, é lástima que os nossos palcos, onde tantas vezes se
exibem traduções de obras cujos méritos residem somente no facto de serem
estrangeiras, não tenham apresentado até hoje nenhuma deste notável escritor de
teatro, que tão bem usa a forma clássica como a moderna e cuja apurada técnica
é servida por uma linguagem de riquíssima expressão teatral, um grande poder de
síntese criador de belas e vigorosas situações dramáticas e uma extraordinária
facilidade de dialogar, seja nos domínios da arrojada fantasia ou na
teatralização realista.
. E foi o autor que indicou a peça para
Tavarede?
. Não. “Omara” foi escolhida por nós. É
admirável, e exultamos por nos ter sido permitido representá-la. Como
igualmente muito gostariamos de representar outras do mesmo autor, por exemplo,
La Venus de
Sal, Uma Casa en lo Alto, La
Muerte , Manda Tres Rosas...
. Pode dizer-nos alguma coisa acerca da
interpretação pelos amadores tavaredenses e do critério seguido na encenação de
“Omara”?
. Lá o poder, posso – mas não devo.
Essas coisas vêem-se no palco – e podem ver-se no sábado em Tavarede, sem
necessidade de nos pormos a fazer crítica antecipada, que poderia parecer...
desnecessária justificação ou tentativa de desculpa... Direi, isso sim, que
todos na SIT nos empenhamos em apresentar a peça com a dignidade e o respeito
que a obra e o autor merecem.
. Ainda uma pergunta: a Sociedade de
Instrução Tavaredense toma parte no festival de Teatro Amador de Coimbra?
. Sim. Esse Festival, cuja realização
se fica devendo ao corajoso Ateneu de Coimbra e ao seu ilustre orientador dr.
Mário Temido, está a decorrer com grande brilho. Nele intervêm os grupos de
teatro do CITAC, das Caldas da Rainha, de Aveiro, do Ateneu de Coimbra, do TEUC
e da Sociedade de Instrução Tavaredense, que levará “Omara”.
Agradecemos a franqueza com que as
nossas perguntas foram respondidas. E ao despedirmo-nos arriscámos ainda:
. Ouvimos dizer que esta peça de
Sigfredo Gordon foi cedida a Tavarede com isenção de pagamento de direitos de
autor, o que nos parece extraordinário, sabendo-se como é difícil aos grupos de
amadores obterem autorização para representar certas peças, mesmo pagando
direitos...
. Sim, sim... É o caso de Para Cada Um
Sua Verdade, do Processo de Jesus... Mas isso é outra história. Adiante... Por
muito estranho que pareça, a verdade é que Sigfredo Gordon, com uma gentileza
que nos desvanece e muito honra os tavaredenses, autorizou a Sociedade de
Instrução Tavaredense a traduzir a peça, no que foi generosamente secundado
pelo seu representante, sr. D. Juan Enrique Bécker (Agência Internacional de
Teatro e de Literatura Latino-Americanos, com sede na Suiça), que logo
autorizou a representação de “Omara” com total isenção de pagamento de direitos
de autor. E agora permita-nos a nós uma pergunta: Que diz a esta tão
expressiva, e tão rara, manifestação de simpatia pela actividade dos grupos de
teatro amador?
Não dissemos nada. E assim terminou a
entrevista, com uma pergunta do entrevistado que deixámos sem resposta.
Com esta peça, o grupo cénico
participou no 1º Festival de Teatro Amador
de Coimbra e, logo de seguida, no dia 30 de Janeiro, deu novo espectáculo na
sua sede. Foi uma noite inesquecível, de
verdadeira apoteose, que dificilmente se desvanecerá da memória de todos
quantos tiveram a felicidade de assistir à memorável récita, que teve a
presenciá-la, além dos srs. Presidente da Câmara, vereador do pelouro da
Cultura, Director do Museu e Biblioteca Municipais e outras individualidades e
distintas senhoras da melhor sociedade figueirense, o sr. D. Juan Enrique
Becquer, que, tendo vindo da Suiça ao nosso país em viagem relacionada com os
interesses dos seus representados, se deslocara propositadamente a esta
localidade para conhecer e apreciar o teatro tavaredense, que mestre José
Ribeiro dirige com a maior dignidade e seu profundo saber há mais de 50 anos.
D. Juan Becker usando da palavra,
em cena aberta
Antes
do início do espectáculo, José Ribeiro dirigiu brilhante saudação ao nosso
ilustre hóspede e manifestou-lhe o reconhecimento da SIT pela sua tão honrosa
visita, que enchia de orgulho os tavaredenses.
O público, de pé, irrompeu numa
calorosa manifestação, como raramente temos assistido na SIT, a D. Juan Enrique
Becquer.
Então o ilustre diplomata, transmitindo
as saudações de que era portador para a prestigiosa colectividade, de sua Exª o
sr. Embaixador do México em Lisboa, agradeceu num vibrante improviso as
demonstrações de simpatia e carinho de que estava sendo alvo.
A representação decorreu em elevado
nível artístico, salientando-se, sem desprimor para os seus companheiros, a
actuação da excepcional comediante que é Violinda Medina e Silva, na
interpretação de “Omara”, que por isso a numerosa assistência lhe testemunhou e
aos restantes intérpretes o seu alto apreço com entusiásticos e prolongados
aplausos.
No final do espectáculo e em cena
aberta foi oferecido pela Direcção ao sr. D. Juan Becquer um lindo ramo de
cravos, que lhe foi entregue por Violinda Medina, depois do que teve lugar um
fino “copo de água”, a que assistiram, além do homenageado, as ilustres
individualidades presentes e o pessoal que tomou parte na inolvidável
representação. Fizeram uso da palavra os srs Presidente da Câmara, Professor
Rui Martins, Jerónimo Pais, António Lopes e D. Juan Becquer que renovou o seu
reconhecimento pela encantadora recepção que lhe havia sido dispensada.
O sr. D. Juan Becquer, que chegara à
Figueira na sexta-feira, regressou a Lisboa no domingo, tendo comparecido a
apresentar-lhe cumprimentos e a desejar-lhe boa viagem, directores da SIT,
Professor António Vitor Guerra e outros elementos da colectividade.
Durante a sua curta estadia nessa
cidade, sua exª visitou, acompanhado dos srs. Professor António Vitor Guerra e
José Ribeiro, a Casa do Paço, onde apreciou os artísticos e valiosos azulejos
ali existentes, o Museu e Biblioteca, o Grande Hotel e a Serra da Boa Viagem,
confessando-se encantado com a Praia da Claridade e o mais que lhe foi dado
observar.
Na segunda-feira foi o mesmo grupo
cénico a Coimbra, representar no Teatro Avenida, “Omara”, com que tomou parte
no I Festival do Teatro Amador, da organização do Ateneu daquela cidade.
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