Lembram-se a graça com que nos foi mostrado o velho costume
das visitas feitas às amigas, à tardinha? Conversava-se e, depois, vinha a
merenda: papas ou arroz com leite. E p’rás comer?
Coro -
P’ràs
amigas visitar
Nós
saímos à tardinha,
Levando
nesta bolsinha
Que
nunca deve faltar
No
arranjo da mulher,
Uma
jóia preciosa
Que
é alfaia graciosa:
- Uma colher.
(tiram a colher da bolsa que levam no braço)
A
meio da conversa vem merenda
Que
o bom costume manda que se aceite:
Doces
papas, o bom arroz com leite.
E
p’ràs papas comer vem esta prenda,
De
prata ou doutro metal qualquer:
-
Uma colher.
Mas o nosso saudoso Mestre, nunca foi maçador nas suas
lições. De maneira fácil e acessível ia-nos ensinando. Conhecedor profundo do
passado da sua terra natal, tinha especial admiração e carinho para com aquela figura
que foi verdadeiro símbolo tavaredense, “o cavador”. Prestava sempre a sua
incondicionável homenagem à luta heróica dos humildes e esforçados
trabalhadores rurais. Parece-nos estar a ver surgir em cena a veneranda figura
do amador António Graça, cabeça toda branca de neve, alquebrado pela idade mas
endireitando o seu esguio corpo, naquele verdadeiro exemplo de amor ao trabalho
honrado. Falava, então, a Frei Manuel de Santa Clara.
Ti João da Quinta – “Apesar de velho e criado na vida da terra,
entendo as coisas. Nem todos hão-de ser cavadores, nem todos hão-de ser
artistas. O que é preciso é que todos trabalhem! Mas custa-me ouvir dizer que
têm vergonha da enxada. Porquê? A enxada não deve ser vergonha p’ra ninguém! Eu
gostava que o cavador pudesse andar par a par com os outros, soubesse ler e
escrever, que não passasse as noites na taberna, que vestisse o seu fato lavado
e puzesse a sua gravata ao domingo... Alguns, é verdade, não têm fato lavado
p’ra vestir... Quando mal se ganha p’rá broa... E trabalham, trabalha o homem e
a mulher! É vê-los por aí, sempre em cima das terras, numa labuta de matar, - e
às vezes nem com a ajuda do que se vende no mercado se ajuntou p’ra pagar a
renda... Sim, bem sei que dizem que a vida do campo é agradável e bela. Estar
em contacto com a natureza, ver os campos reverdecerem, aspirar o perfume da
primavera nas árvores em flor... Bem sei, bem sei que é assim que os que não
vivem da terra e da enxada falam da vida do campo... Mas a vida do campo não é
só a primavera florida!... São os estios ardentes, em que uma pessoa torra
debaixo da brasa do sol; são os frios e as chuvas do inverno, invernos muito
compridos, em que a enxada está parada semanas e semanas e a mulher e os filhos
querem comer todos os dias...
Aos que mourejam com a
enxada, era preciso que a enxada lhes desse o necessário para viver e criar a
família. E ser honrado! Quando se tem o que é preciso, ser honrado não custa.
Mas não negar o corpo ao trabalho, aguentar o sol e o frio – e não ter com que
vestir os filhos e mandá-los à escola; ver a doença em casa, e não haver com
que pagar médico e botica e andar a pedir por caridade uma cama no hospital –
assim é que custa ser honrado! Mas é preciso ser honrado mesmo assim!”.
Era sempre sob uma trovoada de aplausos que o velho António
Graça, atirando com a enxada para o ombro, se despedia e dispunha a sair de
cena... A enxada!... A sua fiel companheira de toda a vida, como ele dizia. A
enxada, o verdadeiro brasão da terra do limonete.
A sesta – final
2º. acto - Chá de
Limonete
Enxada -
Brasão
de Tavarede? Indecifrável
Continua
nas siglas mist’riosas...
Gente
que lida em fainas trabalhosas
A
terra mãe, fecunda e amorável,
Outro
brasão é o seu:
Esse
brasão sou eu,
-
A Enxada -
Brasão
humilde em cuja singeleza
Está
gravada
Esta
nobreza:
-
Cavar a terra e tirar dela o pão.
Ó
cavador ingénuo, ó bom aldeão,
Eu
sou a tua companheira amada,
Sou
a enxada
Que
levas ao teu ombro alegremente,
-
Luz que alumia a tua longa estrada,
Sombra
a seguir-te carinhosamente
Desde
o berço à cova.
Contigo
eu rio e canto a alegre trova
Da
sementeira.
E
sem canseira
Ao
alto erguida em tuas mãos calosas,
Doira-me o
sol o ferro cintilante
Que,
fecundante,
Revolve
a terra em ânsias amorosas.
Mas,
se me alegro quando tens fartura,
Choro
contigo a tua desventura,
-
Ó cavador! -
Se
a avara terra te nega o pão
E
ao teu lar só mandou desolação
Miséria
e dor!...
Mas
é preciso renovar a luta,
E
outra vez erguer de novo a enxada
Para
a labuta.
Recomeçar
a vida começada,
Levando
na alma um cântico de esp’rança
-
Um hino de saúde e de abastança.
(Transição.
Olhando os trabalhadores que dormem)
E
dormem inda, coitados!
Na
sacha toda a manhã,
Sobre
os milharais vergados,
Não
lhes é a sesta vã...
Eh!
Vá riba! Levantar!...
Então
não querem ver esta?!
Vede
o sol onde já vai...
Passou
a hora da sesta...
(Falando para
fora)
Maria
do Saltadoiro,
-
Maria da desventura,
Mãos
de prata e alma de oiro! -
A
sesta vai acabada...
Arruma
a tua costura,
Troca
o dedal p’la enxada...
(Para os que
estão em cena, e vão acordando)
Muito
vos custa acordar!...
Acima,
rapaziada!
São
horas de ir trabalhar...
(Vão-se
erguendo a pouco e pouco os trabalhadores. Com a música, a figura da Enxada
desaparece)
Um Homem - (Cantando)
Eh!
pessoal! Vá lá a ver!...
Bem
custa... mas tem de ser...
Outro Homem -
Stá
o sol mais brando agora...
Eh!
gentes! Vamos embora!...
Uma Rapariga -
Que
pena acordar
Assim
de repente,
Quando
tão contente
Eu
‘stava a sonhar!...
Sonhei
que uma fada
Que
lá do céu vinha
Quebrou-me
a enxada
E
fez-me Rainha!
E em meigo falar
A fada me diz:
-
Viverás feliz
Sem
mais trabalhar!
Coro -
Ora
vejam a pobre cachopinha,
Que
é cavadora e cuida que é rainha!
Um Homem -
Sonhar,
é p’ra quem tem vagar p’ra isso...
Pegar
na enxada, e ala p’ró serviço!
Coro -
Já
o sol vai a descer...
São
horas, vamos à lida,
Trabalhar
até morrer
É
a lei da nossa vida!
É muito certo o rifão
Que
nos diz: - Semeia e cria.
Assim
não faltará pão
Nem
faltará alegria...
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