Regressemos, por momentos, à história. Para acabar de vez
com a luta centenária entre os fidalgos de Tavarede e o cabido de Coimbra, o
Rei D. José I resolveu mudar a câmara da nossa terra para a Figueira. Foi no
ano de 1771. “Eu El-Rei faço saber que hei por bem erigir em vila a lugar da
Figueira da foz do Mondego; e criar nela o lugar de Juiz de Fora do Cível,
Crime e Orfãos; que terá por distritos os coutos de Maiorca, das Alhadas, de
Quiaios, de Tavarede e de Lavos; as vilas de Buarcos e Redondos, etc. etc.”. A
partir de então, Tavarede perdeu todo o seu poder e todas as suas seculares
regalias. Já nem por vila a tratavam...
Lamentos da Vila
de Tavarede - Chá de
Limonete
Vila de Tavarede -
Ribeiro
de claras águas
Que
para o mar vais correndo,
Contigo
levas as mágoas
Desta
dor que estou sofrendo.
P’rà
Figueira vão mudar
Minha
Câmara velhinha,
E
de Vila eu passarei
A
ser aldeia mesquinha.
Coro das Povoações -
Ó
Vila de Tavarede,
Põe
luto no teu brazão:
Rasgaram
a tua história
Desprezando
a tradição.
Lugarejos
que nós somos
E
te respeitamos por mãe,
A
afronta que te atingiu
Nós
a sentimos também.
Vila de Tavarede -
Das
regalias que tive
Uma
longa história fala.
Fui
senhora tantos séc’los
Para
agora ser vassala!
Vila
antiga como eu fui,
De
nobreza verdadeira,
Esquecem
meus pergaminhos
Para
dar honra à Figueira.
Coro das Povoações -
Ó
Vila de Tavarede,
etc.etc.etc.
Durante largos anos, ainda a
nossa terra continuou com seus fidalgos. No entanto, sem o poder de que
dispuzeram e de que tanto abusaram, acabaram, nos finais do século dezanove, já
então com os títulos de barão e conde de Tavarede, por irem residir para a vila
de Trancoso, onde igualmente possuiam grandes propriedades. Aqui, pouco depois,
venderam o que possuiam. O seu velho solar, que durante séculos recebera, em
festas deslumbrantes, toda a fidalguia das redondezas, foi-se, pouco a pouco
degradando até chegar àquela ruína que conhecemos.
O velho Palácio
de Tavarede - Chá de
Limonete
O Velho Palácio -
Já
se não ouve o cravo a tocar...
Parou
a dança. Desfizeram-se os pares,
apagaram-se
os risos e folgares,
-
mas não parou o tempo em seu rodar...
Nesse
rodar do tempo, incessante,
em scombros e pó desaparece
a
torre com ameias, arrogante...
E
hoje quem me vê não me conhece!
(Vem ao limiar
do portão, sem o transpor)
É
verdade! o Palácio tão falado
da
velha Tavarede - aqui o tens
reduzido
à ruína pelos desdéns
dos
homens e do tempo já passado...
Ai!
o que eu fui, e no que estou mudado!
(Avançando dois
passos, e saindo do portão)
Quatro
séc’los me pesam sobre os ombros!
E
nesses longos anos vi grandezas,
vi
ruir opulências em escombros,
vaidades,
alegrias e tristezas...
Fui
torre altaneira, medieval,
onde
o Fidalgo, senhor absoluto,
julgando-se
em poder senhor feudal,
levou,
sob’rano, um viver dissoluto.
Mudaram-me
depois a minha traça,
deram-me
um pátio nobre e bons salões,
e
o terceiro Conde deu-me a graça
das
agulhas, janelas, torreões...
(Transição)
Sinto
na alma saudades torturantes
dos
serões e das festas ruidosas,
com
luzes, flor’s e pratas cintilantes,
veludos,
sedas, pedras preciosas...
(Pausa)
Que
resta do que fui?... Ai! triste sina
a
do solar que é hoje um mutilado,
mendigo
esfarrapado, uma ruína,
-
horroroso fantasma do passado!...
Eis
o que sou. Ninguém me queira ver!
Não
existo. De mim não falem mais...
Deixai-me
assim em paz apodrecer
no
chiqueiro infecto dos currais...
Mestre José Ribeiro já não viveu o tempo suficiente para ver
reconstruído o paço dos Condes de Tavarede. Outras coisas, que ele tão bem
descreveu, também já desapareceram da nossa terra. Durante anos e anos,
Tavarede, com as suas várzeas verdejantes, com os seus vales de terras
fecundas, enchia todos os dias o mercado da Figueira. Com a cesta à cabeça, com
as tenrinhas couves e as delicadas novidades, e ramos de flores, muitas flores
que, por toda a nossa terra, abundavam, lá seguiam as vendedeiras, manhã cedo,
caminhando alegremente a caminho da cidade. Agora, resta-nos a saudade. Poucas
são as terras, outrora tão produtivas, que ainda são amanhadas... Até
quando?...
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