sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Operetas em Tavarede - 32

         Regressemos, por momentos, à história. Para acabar de vez com a luta centenária entre os fidalgos de Tavarede e o cabido de Coimbra, o Rei D. José I resolveu mudar a câmara da nossa terra para a Figueira. Foi no ano de 1771. “Eu El-Rei faço saber que hei por bem erigir em vila a lugar da Figueira da foz do Mondego; e criar nela o lugar de Juiz de Fora do Cível, Crime e Orfãos; que terá por distritos os coutos de Maiorca, das Alhadas, de Quiaios, de Tavarede e de Lavos; as vilas de Buarcos e Redondos, etc. etc.”. A partir de então, Tavarede perdeu todo o seu poder e todas as suas seculares regalias. Já nem por vila a tratavam...


 Lamentos da Vila de Tavarede - Chá de Limonete

 Vila de Tavarede -                
Ribeiro de claras águas
Que para o mar vais correndo,
Contigo levas as mágoas
Desta dor que estou sofrendo.

P’rà Figueira vão mudar
Minha Câmara velhinha,
E de Vila eu passarei
A ser aldeia mesquinha.

Coro das Povoações -             
Ó Vila de Tavarede,
            Põe luto no teu brazão:
            Rasgaram a tua história
            Desprezando a tradição.

            Lugarejos que nós somos
            E te respeitamos por mãe,
            A afronta que te atingiu
            Nós a sentimos também.

Vila de Tavarede -               
Das regalias que tive
            Uma longa história fala.
            Fui senhora tantos séc’los
            Para agora ser vassala!

            Vila antiga como eu fui,
            De nobreza verdadeira,
            Esquecem meus pergaminhos
            Para dar honra à Figueira.

            Coro das Povoações -            
           Ó Vila de Tavarede,
            etc.etc.etc.

Durante largos anos, ainda a nossa terra continuou com seus fidalgos. No entanto, sem o poder de que dispuzeram e de que tanto abusaram, acabaram, nos finais do século dezanove, já então com os títulos de barão e conde de Tavarede, por irem residir para a vila de Trancoso, onde igualmente possuiam grandes propriedades. Aqui, pouco depois, venderam o que possuiam. O seu velho solar, que durante séculos recebera, em festas deslumbrantes, toda a fidalguia das redondezas, foi-se, pouco a pouco degradando até chegar àquela ruína que conhecemos.


O velho Palácio de Tavarede - Chá de Limonete
   
O Velho Palácio -             
Já se não ouve o cravo a tocar...
            Parou a dança. Desfizeram-se os pares,
             apagaram-se os risos e folgares,
             - mas não parou o tempo em seu rodar...
             Nesse rodar do tempo, incessante,
             em scombros e pó desaparece
             a torre com ameias, arrogante...
             E hoje quem me vê não me conhece!
(Vem ao limiar do portão, sem o transpor)
             É verdade! o Palácio tão falado
             da velha Tavarede - aqui o tens
             reduzido à ruína pelos desdéns
             dos homens e do tempo já passado...

             Ai! o que eu fui, e no que estou mudado!
(Avançando dois passos, e saindo do portão)
            Quatro séc’los me pesam sobre os ombros!
            E nesses longos anos vi grandezas,
            vi ruir opulências em escombros,
            vaidades, alegrias e tristezas...

              Fui torre altaneira, medieval,
               onde o Fidalgo, senhor absoluto,
                julgando-se em poder senhor feudal,
                levou, sob’rano, um viver dissoluto.

                 Mudaram-me depois a minha traça,
                 deram-me um pátio nobre e bons salões,
                 e o terceiro Conde deu-me a graça
                 das agulhas, janelas, torreões...
(Transição)
                 Sinto na alma saudades torturantes
                 dos serões e das festas ruidosas,
                 com luzes, flor’s e pratas cintilantes,
                 veludos, sedas, pedras preciosas...
(Pausa)
                Que resta do que fui?... Ai! triste sina
                a do solar que é hoje um mutilado,
                mendigo esfarrapado, uma ruína,
                - horroroso fantasma do passado!...

                 Eis o que sou. Ninguém me queira ver!
                 Não existo. De mim não falem mais...
                 Deixai-me assim em paz apodrecer
                 no chiqueiro infecto dos currais...


         Mestre José Ribeiro já não viveu o tempo suficiente para ver reconstruído o paço dos Condes de Tavarede. Outras coisas, que ele tão bem descreveu, também já desapareceram da nossa terra. Durante anos e anos, Tavarede, com as suas várzeas verdejantes, com os seus vales de terras fecundas, enchia todos os dias o mercado da Figueira. Com a cesta à cabeça, com as tenrinhas couves e as delicadas novidades, e ramos de flores, muitas flores que, por toda a nossa terra, abundavam, lá seguiam as vendedeiras, manhã cedo, caminhando alegremente a caminho da cidade. Agora, resta-nos a saudade. Poucas são as terras, outrora tão produtivas, que ainda são amanhadas... Até quando?...

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