Grupo cénico da SIT em 1928
(O serão começa ouvindo-se, em
fundo musical, a “Valsa do Sonho”) O
tema musical que estamos a ouvir chama-se “O Sonho”. Manuel da Fonte acabara de
comer e dorme a sua sesta à sombra de uma árvore frondosa. Como desde há uns
tempos atrás, está só. Aborreciam-no as cantigas e as risadas das cachopas,
sempre na galhofa com os rapazes... Por isso, preferia estar sòzinho. Queria
dormir descansado e, como sempre, queria sonhar...
Era
assim que se iniciava a fantasia “O Sonho do Cavador”, representada no nosso
palco, pela primeira vez, em 28 de Abril de 1928. José da Silva Ribeiro havia
escrito o texto e João Gaspar de Lemos Amorim os versos. A música era original
ou coordenada pelo maestro amador figueirense António Maria de Oliveira Simões.
Antes
de prosseguirmos com a nossa história, não queremos deixar de aqui fazer alguns
comentários a esta fantasia. E começaremos por dizer que, até aos dias de hoje,
“O Sonho do Cavador” foi a peça mais representada pelos nossos amadores. Tomar,
Buarcos, Figueira, Coimbra, Pombal, além de Tavarede, foram os palcos onde se
representou esta fantasia. Encontram-se quatro versões diferentes. A primeira,
que foi a que sofreu mais alterações, estreou-se, como dissemos, em Abril de
1928. No dia 29 de Junho de 1930, é apresentada uma segunda versão. Em Dezembro
que 1936 é levada à cena a terceira versão, que se repete em 1942, e em Janeiro
de 1987, em espectáculo evocativo, esta fantasia é reposta em cena, numa quarta
versão, com diversas alterações. A história é sempre a mesma. Muitos dos
quadros é que, ou cortados pela censura ou porque haviam perdido actualidade,
iam sendo substituidos, bem como a música.
As
críticas que se encontram inseridas na imprensa da altura, são bastante
elogiosas. Todas elas referem belos cenários, magnífico guarda-roupa,
espectacular montagem cénica com interpretações correctíssimas e, sempre em
maior destaque, uma música encantadora, muito bem cantada, que o público se não
cansava de ouvir e aplaudir. Hoje, e porque será a que maior interesse pode
despertar, vamos contar a primeira versão.
Como
já dissemos, Manuel da Fonte sonhava, enquanto dormia a sesta. Era um sonho que
o fascinava. Pobre desde pequeno, agarrado à enxada na labuta do pão de cada
dia, sentiu, então, a ambição da riqueza. “Passa um homem a vida inteira a
trabalhar e ao fim, morre de fome; outros, então, sem nunca terem feito nada,
apodrecem de ricos. Parece que eles já vêm ricos ricos da barriga da mãe e nós,
assim que nascemos, somos logos condenados à pena perpétua do trabalho...”.
Era
assim que ele, conversando com Rosa, a sua prometida, lhe dizia que queria ir
em busca da riqueza. Para ela, não passava de um desvairo da sua sua cabeça.
Pois não chegou ele a passar uma noite inteira, a cavar, atrás da igreja, à
procura do tesouro que ele havia sonhado ali encontrar? Mas, não. Ele estava
decidido. Para o pobre cavador a Fada do Sonho não o enganava. E era sempre a
mesma coisa, mal fechava os olhos...
Fada – “Sou eu quem ocupa o seu
pensamento. Sonha com a riqueza, com o oiro, e é o oiro falso do meu vestido
que o deslumbra. Neste momento, avista a estrada da fortuna, toda ensombrada de
árvores carregadas de oiro. A aldeia onde nasceu afigura-se-lhe uma cadeia onde
vivem os condenados à pobreza. Esquece-a, abandona-a, sem uma saudade. E tendo
quebrado a enxada, caminha alegre e feliz na estrada da fortuna, recolhendo
oiro aos punhados. É este o sonho do cavador”. (enquanto a Fada conta o sonho, ouve-se, suave, a
mesma valsa)
Acorda
decidido. Irá à procura da riqueza. Abandona a enxada e prepara-se para ir
embora. É então que lhe surge a Agricultura.
Sou
desde a mais remota antiguidade
Sustento
e firme apoio dos Estados.
Sem
mim os grandes homens da cidade
Morriam
dentro em breve esfomeados.
O
camponês curvado à leiva
Revolve
a terra c’o a sua enxada.
À força de suar, tira-lhe a seiva
Que
se torna abastança abençoada.
Alegre
e contente,
Mal
rompe a manhã,
Esta
boa gente
Lá
vai sorridente
Para
o seu duro afã.
Ah! sim, a Agricultura. Bem
lhe importava a ele. Não, não mudará as suas ideias. Diz-lhe ela que as terras
ficarão a monte e que virá a fome bater à porta?
Manuel da Fonte – “E que me importa a
fome dos outros se a minha pobreza também lhes não importa? Dizes que o meu
braço é forte e poderoso; mas tu cansáva-lo e em breve acabarias por
arruiná-lo. Tenho-te entregado tudo: o meu corpo, que tu exploravas como o
senhor explora o escravo, e a minha alma, que só de pensar em ti, nada mais via
do que estas leiras de terra que tenho amanhado, como se para além delas não
houvesse mundo. Consumias-me de canseiras: obrigavas-me a cavar a terra, sem te
importares que o frio me trespassasse os ossos, ou que a brasa do sol me
queimasse o corpo, como se em vez de lume do céu fosse medonha fogueira do
inferno. E a terra, má, ingrata, traiçoeira, deixava-se rasgar aos golpes da
minha enxada, sôfrega, a rir, a rir da minha cegueira de amante, que todo se
lhe entregava, do suor do meu rosto que me corria em bica. E que me deu ela em
paga? E como recompensáste tu o meu esforço?”
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